Iuri Dantas

Os integrantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deram início a um polêmico e importante debate na sessão desta quarta-feira (14/10): como determinar as vantagens obtidas por uma cooperativa ou associação quando ela viola a lei de concorrência e divide o mercado ou fixa preços, por exemplo?
Nos últimos meses, o Cade se valeu de um percentual do faturamento da associação para imposição de multas. O caso envolve grande número de processos nos quais associações e grupos de médicos são suspeitos de impor determinado preço de honorário ou forçar financeiramente que hospitais deixem de atender pacientes que não seguem determinadas regras.
Seria assim, também, com a Cooperativa dos Cirurgiões Cardiovasculares e Torácicos do Estado da Bahia ­(Cardiotórax). A associação apresentou faturamento anual de R$ 883 mil e, com base nisso, os conselheiros votaram pela condenação do grupo em R$ 90 mil. Já havia consenso entre os integrantes do Cade de que a cooperativa abusou de seu poder de mercado, impondo a hospitais e usuários condições que resultavam em cobranças imediatas antes de cirurgias, por exemplo.
Foi quando o conselheiro João Paulo Resende, economista de formação e carreira, pediu vista do processo (PA 08012.010470/2005-­77) e, provocado por questionamentos feitos pelo Ministério Público Federal. Na visão do procurador  Lafayette Josué Petter, o faturamento informado pela Cardiotórax parecia muito baixo, sem representar fidedignamente o quanto os mais de 50 cirurgiões cardíacos filiados faturam por ano.
Em conversa com o JOTA antes do julgamento, Resende explicou que vê, pelo menos, dois tipos de associação diferentes. Em um, a cooperativa ou grupo de profissionais recebe os pagamentos e repassa aos associados - casos em que o faturamento representa mais concretamente os ganhos do grupo.
<div title="Page 1">
No segundo tipo, as associações recebem uma mensalidade ou percentual da renda dos integrantes. Logo, seu faturamento espelha apenas parte dos ganhos dos profissionais.
"Em casos mais complexos, é preciso ter coerência entre a punição e o delito", assinalou Resende, afirmando que o faturamento real talvez não seja a melhor referência em alguns caso. "Não é questão de discutir o nível de alíquota ou dosimetria pela essencialidade da atividade médica."
No breve voto-vista, Resende avaliou a fundo o funcionamento da Cardiotórax. Levou em conta os valores de faturamento antes e depois das práticas anticompetitivas, a quantidade de procedimentos realizados e o preço médio de cada um e o tempo de duração da conduta. Tentava, assim, aferir empiricamente o quanto a cooperativa ganhou ao infringir a ordem econômica.
Levando em conta julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tributação de cooperativas, Resende afirmou que a "capacidade contributiva [de impostos] das associações não deve ser medida apenas por contribuições dos cooperados, mas também por contratos firmados com terceiros". Dessa forma, não faria sentido levar em conta o faturamento da associação apenas.
Em consulta ao Catho, o relator calculou em R$ 14 milhões por ano o valor auferido por um grupo de 57 cirurgiões na Bahia. De modo conservador, tratou este valor como o obtido irregularmente pela prática anticompetitiva da Cardiotórax. Ou seja, ao obrigar que pacientes e hospitais seguissem suas normas internas e tabelas de honorários, a cooperativa ganhou mais do que deveria e tratou como referência de faturamento do grupo o total de remuneração média de cirurgiões na área de atuação da cooperativa.
Neste exercício, o valor da multa somaria R$ 872 mil.
O voto convenceu a conselheira Cristiane Alkmin, também economista, que acompanhou Resende fazendo a ressalva de que concordava com a mudança por enquanto. Segundo ela, faz sentido pensar que a "contribuição pecuniária deve ser maior que vantagem auferida", visão que ela prometeu implementar em futuros casos.
Gilvandro Araújo discordou da forma como Resende calculou o faturamento de referência da cooperativa. Se o Cade levar em conta os valores obtidos pelos profissionais, e não pela cooperativa, deveria então abrir espaço para que eles se defendam. Porque poderiam, por exemplo, argumentar que parte maior da renda veio de outros procedimentos. Alexandre Macedo afirmou apenas que não considera o assunto "maduro" para mudança no Cade.
Dessa forma, por maioria (5 a 2) o Cade decidiu manter a punição em R$ 90 mil. O conselheiro também pediu vista de processo envolvendo o  Sindicato Nacional das Empresas de Medicina de Grupo, com base na mesma dúvida. Mas não terminou sua análise a tempo de apresenta-lo na sessão desta quarta-feira (PA 08012.002540/2002­-71). O assunto, portanto, voltará ao Plenário.
</div>

Chess. White pawn against all black.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Conselheiros debatem, mas punição maior não convence a maioria 

Cade adia mudança sobre valor justo de multa contra associação e cooperativa

Conselheiros debatem, mas punição maior não convence a maioria