Luis Viviani

A 11ª edição do Fórum de Direito Desportivo promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) teve seu primeiro dia de palestras ontem (26/11). O tema principal abordado foi com relação à <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13155.htm" target="_blank">Lei 13.155/15</a>, que traz o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT).
A palestra magna contou com o presidente da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD) Wladimyr Camargos, o membro da Fifa e do IBDD Álvaro Melo Filho e o presidente do IBDD Gustavo Delbin como mediador. Os dois palestrantes advertiram para os principais problemas trazidos pela legislação da Profut, principalmente no que diz respeito às punições e a perda de autonomia das entidades desportivas, presente no <a href="http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201959" target="_blank">artigo 217 </a>da Constituição Federal.
O evento começou ontem (26/11) e também terá palestras hoje, com integrantes do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), de presidentes e representantes de entidades e ligas esportivas, advogados e juristas especialistas em Direito Desportivo.
“É preciso abrir ideias para refletir sobre esse tema que está em todos os jornais em função do estado de calamidade econômico e financeira dos nossos clubes, com reflexo direto nos campos, nos resultados e até na redução nos títulos mundiais de futebol”, criticou Álvaro Melo Filho antes de iniciar seus questionamentos ao Profut.
Desfutebolizar
Para Álvaro Melo Filho, uma das maiores autoridades do direito desportivo do país, é preciso inicialmente pensar em “desfutebolizar” a lei brasileira. “Não existe lei do futebol. É necessário ter a lei geral de desporto”, disse, ao reiterar que existem cerca de 108 modalidades de esportes no país, mas só 25 contam com recursos, enquanto a maioria permanece marginalizada.
“Vivem condição de pedintes para realizar suas competições. Precisamos ter um outro olhar, uma visão menos ‘futebolizada’ para lei. O Timemania é para quem? Para o futebol. O Estatuto do torcedor? Também.”, completou, mostrando a importância que o futebol possui em detrimento dos outros esportes.
A criação da Autoridade Pública de Governança do Futebol (Apfut) também foi um exemplo citado para demonstrar a “futebolização das normas”. “Não é Probasquete, não é Provolei, assim como não é Aptenis, Aphandebol”, comentou.
Profut
De acordo com Melo Filho, o Profut não ficou restrito à matéria de refinanciamento dos clubes de futebol, mas alterou indevidamente dispositivos da Lei Pelé e do Estatuto do Torcedor, por exemplo.
“Nesse palco todos querem deixar sua marca registrada. E nessa ânsia, as vezes são marcas indeléveis. Infelizmente, talvez pelas dissintonias jurídicas, digo que futebol brasileiro tem um quadro dantesco que sinteticamente pode ser resumido em: atletas ciganos, empresários ricos e clubes falidos”, disse.
Entretanto, a despeito de criticar alguns pontos da legislação, Melo Filho considerou que a filosofia do Profut é “ótima”, indicando que realmente é necessário racionalizar a gestão do futebol brasileiro. “A racionalidade no uso de recursos dos clubes para conquistar títulos, o equacionamento de débitos tributários e trabalhistas e o pagamento em dia de despesas correntes dá credibilidade e integridade para a competição”, comentou.
Um dos pontos positivos, disse, é com relação a não mais possibilidade dos clubes de anteciparem receitas de exercícios futuros, tais como as de direitos de transmissão. A Lei do Profut qualifica como ato de gestão temerária, passível inclusive de responsabilização pessoal dos dirigentes.
“Não adianta antecipar porque deixa um buraco negro para gestões futuras. É preciso ter uma mentalidade profissional, moderna. Mas não precisa para isso rasgar a constituição”, comentou.
Rebaixamento
Para o palestrante, é fundamental que tenhamos a ideia de que equilíbrio competitivo é o basilar em matéria desportiva. “Quando um clube não paga tributo, não paga salário, e contrata jogador, fica um time forte. O time que está pagando tributo não tem dinheiro em caixa, porque pagou encargos tributários e permanece com time mais fraco. Isso afeta o equilíbrio competitivo que é a razão de ser de toda empresa, da televisão”, disse.
O problema do Profut, diz, reside no fato de que o não pagamento de tributos e salários acaba gerando o rebaixamento do clube, uma exclusão indevida, considerando que a “dose de remédio foi muito forte”.
“Você rebaixa o time da primeira divisão, ele fica com menos patrocínio, bilheteria, não tem cotas na TV, ou seja, vai ficar com menos condições ainda de pagamento de recuperação”, criticou. Além disso, mostrou a incoerência em um rebaixamento de time de série A, que, rebaixado por não ter CND (Certidão Negativa de Débito) acaba jogando a B sem ela, mas quando todos os outros times dessa nova divisão têm a Certidão.
De acordo com Melo Filho, seria necessário também pelo menos um ano de prazo para vigência desse dispositivo. “Na UEFA foram 5 anos para implantação do fair play financeiro. Não se pode inibir essa recuperação”. O palestrante disse que não é contra a filosofia do Profut, explicando que ela é necessária e essencial para o momento que vivemos, mas que é preciso “ir devagar”.
“A Fifa exige que os clubes estejam em dia com autoridades fiscais previdenciárias e atletas, só que isso tem que ser aplicado pela entidade. É absurdo o rebaixamento como punição, erraram na mão no Profut”, afirmou.
Outro ponto abordado diz respeito ao critério técnico para participação em competições futuras. “O critério técnico deve ser a classificação obtida na competição anterior. Mas vem o legislador do Profut e diz que como critério se exige o cumprimento dos requisitos que são critérios financeiros, não obtidos dentro de campo mas fora dele. O que gera problemas”, comentou.
Trata-se dos seguintes requisitos:
“A <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.671.htm">Lei no 10.671, de 15 de maio de 2003</a> [Estatuto do Torcedor], passa a vigorar com as seguintes alterações:  
“Art. 10.  ....................................................................... 
<ul>
<li><a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.671.htm#art10§1."> 1o</a>Para os fins do disposto neste artigo, considera-se critério técnico a habilitação de entidade de prática desportiva em razão de: </li>
</ul>
I - colocação obtida em competição anterior; e 
II - cumprimento dos seguintes requisitos: 
<ol>
<li>a) regularidade fiscal, atestada por meio de apresentação de Certidão Negativa de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União - CND; </li>
<li>b) apresentação de certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS; e </li>
<li>c) comprovação de pagamento dos vencimentos acertados em contratos de trabalho e dos contratos de imagem dos atletas.</li>
</ol>
“O legislador não teve o menor cuidado, tanto que vencimento é de servidor público”, criticou Melo Filho, o que causou motivo de risadas na palestra. “São problemas burocráticos que demoram cerca de 5 a 6 meses, o que faz o clube perder o prazo para inscrição nas competições e até mesmo a própria competição”.
Autonomia
Este também foi um ponto de crítica na palestra. “O prazo termina no dia 30 de novembro, e só 29 clubes aderiram ao Profut. Dos 100 clubes que integram as séries A, B, C e D, apenas 20% está aderindo. O Sport já disse que não irá aderir porque não admite a inconstitucionalidade de seus estatutos”, disse Melo Filho sobre o cenário atual, ao citar os requisitos para o clube manter-se no programa (artigo 4, de I a X) Além disso, criticou o Artigo 5, que chamou de AI-5 do Futebol.
“A autonomia desportiva está sendo vilipendiada, temos que preservar os sustentáculos maiores da constituição em relação ao desporto. Qual é a autorização constitucional que a União tem para legislar? E estamos tratando de entidade privada”, questionou.
Para Melo Filho, houve uma intervenção e estatização em parte do futebol. “Com os desvios jurídicos desportivos, as entidades esportivas não tem liberdades, há limitações impostas aos dirigentes e entidades”. Por fim, Melo Filho disse que o Profut é um remédio que ao invés de salvar, vai acabar “matando os pequenos clubes e apequenando os grandes”.
“Muitos estaduais estão em perigo de não realização a partir de janeiro. Em janeiro não tem mais jogo de futebol, vai ser só Profut nas manchetes dos programas esportivos. Com inconstitucionalidades indecorosas e vetos inconsequentes pode se transformar no contrafut”, disse, ao manter a posição de que o Profut é o “avanço do retrocesso”.
Wladimyr Camargo, presidente da SBDD, concordou com todos os pontos da palestra de Melo Filho, ao avaliar as incongruências e inconstitucionalidades da norma, que alterava o Estatuto do Torcedor. “O artigo 5 escalava os times que poderiam competir nas competições de futebol do Brasil. Era uma contrarevolução, reacionário. Foi derrubado. Mas por que esses erros começaram?  Inicialmente, Não era programa de refinanciamento, mas perdão de dívidas. Só que isso levou a entrega da autonomia dos clubes, que passaram a ser tutelados”.
Camargos também questionou o fato de que, com a queda do artigo 5º, o que surgiu foi, além da entrega de autonomia, quem não aderisse ao programa também seria punido. “E melhor então que adira. O que houve de mudança é a consagração de quem não é aderente, o elemento volitivo aqui não existe. É uma adesão compulsória. É um projeto mal redigido”.
O presidente da SBDD também tratou sobre o binômio desejo de performance - necessidade de assistir a um espetáculo, visando à melhor performance do seu ídolo - e necessidade da incerteza do resultado no esporte para explicar suas críticas.
“Por que o direito interveio no esporte? Porque é um elemento estabilizador de uma relação conflituosa. Temos o desejo de performance, mas ninguém quer assistir uma prova, um campeonato que seja combinado, que tenha resultado definido. Para que não haja ferimento nesse binômio, o direito desportivo é específico”, apontou.
Para Camargos, a autonomia desportiva é necessária para que o sistema seja autônomo, criando suas normas, já que tem especialidade. Segundo o presidente da SBDD, não pode haver intervenção do estado, do mercado ou de qualquer agente externo que mude a certeza do resultado.
“Só que agora a autonomia é do Profut. O Estado veio intervir nesse binômio. Agora quem diz quem vai ser rebaixado é um direito tributário, um direito financeiro. Resultado passa a ser uma quimera. Com a Receita Federal decidindo quem cai...”, criticou.
Camargos disse que a lei que nasce como exceção a constituição federal, é uma lei de exceção. “Não gozamos de autonomia esportiva. Esporte é um direito fundamental. A prática esportiva é um direito fundamental. A prática desportiva tem que ser autônoma, não deveria de forma alguma ser maculado através de uma lei extremamente inconstitucional”.
Sobre a Apfut, disse que não foi criada como autarquia de fiscalização, mas como uma agência fiscalizatória que fará o papel de reguladora no setor esportivo no país, o que seria um “risco iminente”.
Por fim, disse que é necessário redigir uma nova lei, com a integração de uma Comissão de juristas. “Temos a missão de tentar construir um projeto de lei que seja pela primeira vez desde 1988 devidamente conforme o artigo 217 do nossa Constituição. Entender o que é lex sportiva. A UEFA é uma cabeça de uma parte da lex sportiva, e agora o Estado quer ser a UEFA ao trabalhar com licenciamento de clubes.  Queremos propor correções de rumos trazidos pelo Profut”, finalizou.

profut

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JOTA

Fórum de Direito Desportivo analisou o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro

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