Após afirmar que o Tribunal Penal Internacional (TPI), instalado em Haia, não teria competência para julgar potenciais crimes da guerra na Ucrânia, o procurador-geral na Corte, Karim Khan voltou atrás e disse que pretende abrir investigação “o mais rápido possível”. Assim, militares e até o presidente Vladimir Putin poderiam ser investigados e, eventualmente, responsabilizados.
“Estou convencido de que há bases razoáveis para acreditar que tanto crimes de guerra quanto contra a humanidade foram cometidos na Ucrânia”, afirmou em nota. “Minha intenção é que essa investigação inclua quaisquer novas suspeitas de crimes que possam ter sido cometidos por um dos lados do conflito e em território ucraniano”.
Inicialmente, Khan havia afirmado, por meio de nota divulgada pelo tribunal na última sexta-feira (25/2), que estava acompanhando os eventos recentes “com preocupação” e já havia recebido pedidos de investigação sobre crime de agressão, uma das ofensas a que o TPI se dedica.
Entretanto, disse que não teria jurisdição para atuar, já que Ucrânia e Rússia não ratificaram o Estatuto de Roma, documento que baseia a atuação do tribunal para julgar criminalmente indivíduos por crimes de guerra, contra a humanidade, genocídios, além de agressão.
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A mudança de entendimento partiu da noção de que, embora a Ucrânia não seja membro do TPI, o país pode dar jurisdição à Corte para investigações em seu território, o que aconteceu em duas ocasiões, segundo o procurador.
A primeira ocasião foi a partir de novembro de 2013, início das manifestações que tiveram intensa repreensão policial e levaram à queda do presidente ucraniano Viktor Fedorovych Yanukovych, aliado da Rússia. Em um segundo momento, a anexação da Criméia pelo vizinho russo, em 2014, levou a uma nova declaração, válida até o presente.
Khan afirmou que o seu time está reunindo todas as evidências; em seguida, pretende solicitar à Câmara de Pré-Julgamentos do Tribunal para abrir uma investigação oficial. Portanto, a ação não seria imediata.
“Rota alternativa seria algum Estado membro do Estatuto de Roma levar a situação diretamente à Procuradoria, o que permitiria a nós, ativa e imediatamente, proceder com investigações independentes e objetivas”, disse o procurador-geral na manifestação. Após o apelo, 39 Estados enviaram pedidos, abrindo a investigação.
No caso do TPI, a abertura de uma investigação não, necessariamente, é seguida por encaminhamento de denúncia pela Procuradoria e, menos ainda, de julgamento. Tradicionalmente, a equipe de investigadores do Tribunal acompanha centenas de casos ao mesmo tempo, mas abre investigações oficiais apenas para parte deles e julga fatia ainda menor.
Desde que o Estatuto de Roma entrou em vigor, em 2002, há 30 casos em estágio mais avançado no TPI. O próximo julgamento está marcado para começar em 5 de abril, contra um ex-comandante do Sudão Muhammad Ali Abd-Al-Rahman, acusado de 31 crimes de guerra e contra a humanidade. A Procuradoria havia pedido a prisão dele pela primeira vez em 2009, mas ele só foi preso em 2020, então o processo pôde avançar.
Muitos casos permanecem parados, já que a realização dos julgamentos depende da presença do réu, o que frequentemente depende que ele seja enviado pelo seu Estado de origem. É o caso do ex-presidente do Sudão Omar Hassan Ahmad Al Bashir. O país concordou apenas recentemente em entregá-lo. Entre outros investigados, o comandante líbio Mahmoud Busayf al-Werfalli também precisa se entregar.
O foco do TPI é nas pessoas de maior poder; para casos menores, ele faz uma espécie de auxílio às cortes nacionais. Há, porém, uma série de fatores que podem afastar uma possível responsabilização penal de Vladimir Putin, mesmo se constatados crimes de guerra e contra humanidade.
“Responsabilizar as lideranças depende da quantidade de provas que se tem, por isso a Procuradoria foca em poucos casos e, ainda assim, tem dificuldades. Nesse sentido, há críticas de que após anos de investigações, o réu acabe absolvido”, afirma o advogado criminalista Rodrigo Faucz, um dos três brasileiros autorizados a representar no Tribunal.
Para citar alguns, há as acusações contra o ex-militar sudanês Bahar Idriss Abu Garda que não foram aceitas pelo Tribunal, em 2010. E em 2016 e em 2019, foram absolvidos Laurent Gbagbo e Charles Blé Goudé de acusações de crimes contra a humanidade após eleições na Costa do Marfim.