Bárbara Mengardo

“Dói, um tapinha não dói”. Uma das principais músicas-chiclete do início dos anos 2000 rendeu à sua produtora – Furação 2000 Produções Artísticas– uma condenação de R$ 500 mil. Para a Justiça federal, o funk incitaria a violência contra a mulher.
A decisão, de 15 de outubro, é do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS, SC e PR), que analisou ação ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela ONG THEMIS – Gênero e Justiça. Originalmente, além da música “Tapinha”, as partes questionavam também a música "Tapa na Cara", que descreve um homem que bate em uma mulher durante o sexo. O segundo funk, entretanto, não foi analisado pela 2ª instância, pois as organizações não recorreram em relação a esse ponto.
O resultado final no TRF4 ficou em cinco votos a quatro. Foi vencedora a posição do desembargador Luiz Alberto d’Azevedo Aurvalle, que, de acordo com a assessoria de imprensa do TRF4, considerou que a música transmitira aos jovens e ao público geral a ideia de que “mulher gosta de sofrer”.
“Músicas e letras como ‘Tapa na Cara’ e ‘Tapinha’ não se mostram simples sons de gosto popular ou ‘narrativas de relações privadas íntimas’ ou ‘ manifestação artística’ de prazer feminino masoquista, mas abominável incitação à violência de gênero”, afirmou Aurvalle, segundo a assessoria de imprensa.
A multa de R$ 500 será revertida para o Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos da Mulher
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Boa de cuspir
Apesar de ter prevalecido o entendimento de Aurvalle, está disponível no andamento do processo apenas o voto do desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Junior. Em um voto que cita de acadêmicos da Universidade Federal Fluminense a Chico Buarque o magistrado defende que impor multa significaria barrar a liberdade de expressão e a possibilidade de pautar na sociedade temas como violência contra as mulheres.
“As respectivas letras não parecem agredir nem querer agredir a mulher. Não incitam à violência. Não fazem apologia ao crime. Não banalizam a figura da mulher nem desconsideram sua função na família e na sociedade”, afirmou Leal Júnior em seu voto.
O magistrado defende ainda que frente a um problema como a violência contra a mulher, a melhor alternativa não seria proibir a vinculação de músicas que poderiam estar relacionadas e esse problema. “Nesse caso, estabelecemos quase que um monopólio da informação e da verdade, já que apenas os especialistas esclarecidos (sociólogos, antropólogos, cientistas sociais, estudiosos de questões de gênero, militantes politizados) poderão abordar o tema e mostrá-lo para os demais (leigos e opinião pública)”.
O voto traz ainda partes curiosas. Em determinado trecho, o desembargador afirma que teve “dificuldade para escutar até o final uma das músicas porque sinceramente não é um gênero musical que me agrade. Não gosto da letra nem do ritmo. Não compraria um CD pra escutá-las e provavelmente trocasse para outra estação de rádio se aquela em que estou sintonizado as incluísse na programação”.
O magistrado também narra uma situação de infância, quando sua avó (que se chamava Geni) ouviu no rádio a música “Geni e o Zepelin”, do cantor e compositor Chico Buarque. O refrão da canção repete, dentre outras, a frase “joga pedra na Geni. Ela é boa de apanhar, ela é boa de cuspir”.
“Nossa sociedade (nosso ‘mercado de ideias’) teria ganhado algo relevante se naquela época tivéssemos dado ouvidos à minha avó e impedido que crianças como eu era na ocasião não ficassem sabendo da triste história da tal maldita Geni, que era boa de cuspir e dava pra qualquer um?”, questiona o magistrado.
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Liberdade de expressão
O advogado do Furacão 2000 na ação, Fernando Moreira de Faria, diz que irá recorrer da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ele lembra que a própria Constituição Federal garante a liberdade de expressão, e que não há prova do dano causado à sociedade. “Qual a prova de que isso [a música] realmente incitou alguém a agredir alguém?”, pergunta.

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JOTA

Música transmite ideia que mulher "gosta de sofrer", segundo TRF4

Por incitar violência, &#8220;Tapinha não dói&#8221; rende multa de R$ 500 mil

Por incitar violência, "Tapinha não dói" rende multa de R$ 500 mil

Música transmite ideia que mulher "gosta de sofrer", segundo TRF-4