Bárbara Mengardo

Qual a solução a ser dada nos casos em que o júri popular decide absolver pessoas que, de acordo com as provas do processo, são claramente culpadas?
A questão ainda opõe advogados de defesa e o Ministério Público. Por um lado, há os que acham que o júri deve ser livre para julgar de acordo com suas convicções, mesmo que isso signifique analisar ações com base em compaixão ou clemência, por exemplo. Por outro, está a convicção de que decisões opostas às evidências trazidas no processo são irregulares, e devem ser anuladas e refeitas.
A discussão veio à tona em um processo em pauta no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O caso envolve um homem acusado de auxiliar o irmão a cometer um homicídio, e apesar de os integrantes do júri popular reconhecerem que ele participou do crime, optaram por não condená-lo. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) recorreu e a decisão foi anulada na segunda instância.
A discussão, no entanto, vai além do caso concreto. Advogados dizem que são raras, mas ocorrem situações em que o júri opta por não condenar pessoas inequivocamente culpadas, se utilizando de elementos de caráter íntimo.
Entraria nesse critério, por exemplo, o caso real de uma mulher que matou o homem que estuprou o seu filho, após encontrá-lo algemado em uma delegacia. Em outra situação, uma mulher foi absolvida por assassinar o pai, que abusou dela desde a infância.
O professor de processo penal da Universidade de São Paulo (USP) e advogado criminal Mauricio Zanoide conta que já presenciou julgamentos desse tipo. "Os jurados se colocaram na posição daquela família e se perguntaram 'nessa situação, eu teria matado?'", diz.
Júri X juiz togado
O júri é formado por cidadãos comuns, que são chamados a julgar crimes dolosos contra a vida. Entram nessa categoria, entre outros, os homicídios, os infanticídios (assassinatos de crianças), as participações em suicídios e os abortos.
O advogado Thiago Anastácio, diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), explica que em um tribunal do júri, o resultado é proferido após serem feitas três perguntas aos seus integrantes: se houve intenção de matar, se o réu foi autor do crime e se deve haver condenação.
Os motivos para o resultado final não são explicitados. "Há uma previsão legal de que não se consultam os jurados sobre os motivos pelos quais eles condenam ou absolvem. Os jurados têm a permissão de julgarem como bem entenderem", diz.
No caso que chegou o STJ - o HC 350.895 - a polêmica tem como base o fato de os jurados terem respondido "sim" às duas primeiras perguntas e mesmo assim terem absolvido o acusado. Para o MP-RJ, a decisão é nula porque as provas dos autos demonstravam claramente que o homem era culpado.
De acordo com a defensora pública pelo Estado do Rio de Janeiro Thais dos Santos Lima, que atuou na ação, o réu teria dado suporte ao irmão, que assassinou uma pessoa por vingança. Ela afirma não saber os motivos da absolvição, mas defende o direito do júri popular de fazê-lo.
"O jurado não se confunde com o juiz [togado], não só por não ter sido formado em direito, mas por fazer parte do corpo social do julgado", afirma.
O MP-RJ, por outro lado, defende que os jurados se confundiram ao admitirem a absolvição, já que optaram por não condenar o réu apesar de reconhecerem que ele participou do crime. O órgão ressaltou que durante o julgamento a defesa não sustentou que o acusado era inocente.
"Se as provas apontarem que o acusado é culpado e ele for absolvido pelo Conselho de sentença em inobservância a estas provas contidas nos autos, ou seja, absolvido de forma contrária à Lei, o Promotor de Justiça certamente recorrerá ao Tribunal Superior", afirmou a 1ª Promotoria Criminal de Magé (RJ) por meio de sua assessoria de imprensa.
O caso foi analisado em junho de 2015 pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que entendeu que, mesmo que o júri não tenha que mostrar as razões para sua decisão, tampouco pode julgar de forma contrária às provas dos autos.
"Falta ao Tribunal do júri a possibilidade de conceder clemência. A soberania do Tribunal do júri não vai a esta extensão", diz o desembargador que relatou o caso, Antônio Carlos Nascimento Amado.
A previsão de anulação de um julgamento, conforme determinou o TJRJ, consta no artigo 593 do Código de Processo Penal (lei 3.689/41). A norma admite o ajuizamento de recursos contra decisões do tribunal do júri, porém não permite que o mesmo caso tenha sentença anulada mais de uma vez.
Absolutamente igual
No STJ, por enquanto, a discussão está empatada, com a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, mantendo a decisão de 2ª instância e o ministro Sebastião Reis Júnior divergindo. Faltam ainda três votos.
A defensora pelo Estado de São Paulo Juliana Beloque, que integra o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), diz que é comum que o MP recorra de decisões nas quais o júri popular absolveu o réu. Em relação às provas, Juliana diz que muitas vezes as versões apresentadas pela vítima e pelo réu e mesmo pelas testemunhas são divergentes.
"Muitas vezes a prova indica dois caminhos possíveis, é uma questão de interpretação", diz.
Ela afirma que já presenciou absolvição por clemência em um caso no qual um homem cometeu um crime, mas posteriormente sofreu um acidente que o fez perder parte da capacidade cognitiva e o obrigou a utilizar cadeira de rodas. A decisão do tribunal do júri reconheceu que o réu era culpado, mas mesmo assim o absolveu.
Caso semelhante é narrado por Anastácio. Ele conta que certa vez presenciou o julgamento de uma mãe, que foi informada que o filho de sete anos havia sido estuprado e encontrava-se hospitalizado.
Ela foi à delegacia, e encontrou o agressor, que havia sido preso em flagrante, rindo. A mulher notou que o escrivão estava descascando uma laranja, e utilizou a faca para matar o estuprador.
Nesse caso, segundo o advogado, a mulher foi absolvida. Para ele, em situações como essa as evidências do crime podem levar o júri a pensar que "faria absolutamente igual", decidindo pela absolvição. "A prova não revela somente a autoria. Muitas vezes ela revela o motivo [do crime]", diz.
Thais também atuou em um caso de absolvição por clemência, na qual uma mulher de 44 anos foi absolvida apesar de ter contratado duas pessoas para matarem seu pai. Ela narrou que foi abusada sexualmente desde os nove anos, e teve com o pai 12 filhos.
Após ouvir a história o júri condenou os executores, mas absolveu a mulher.
Para a defensora, em situações como essa o júri popular tem o direito de absolver uma pessoa que é culpada. "Não pode ser tirado o direito do jurado de julgar pela sua íntima convicção", diz.

Martello del giudice

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JOTA

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