Jamile Racanicci

O PL 7448/17 cria"embaraços ao controle contra a corrupção e má gestão pública". É o que entende o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti.
O <a href="http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2130119" target="_blank" rel="noopener">projeto</a>, que altera a aplicação do Direito Público ao mudar a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), <a href="https://www.jota.info/justica/lei-punicao-agentes-publicos-vetos-temer-26042018" target="_blank" rel="noopener">foi sancionado com vetos nesta quinta-feira (26/04)</a>.
Proposto pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), o texto tem como objetivo promover a segurança jurídica na gestão pública, mas enfrenta críticas de órgãos como a Procuradoria-Geral da República (PGR) e entidades como ANPR.
Robalinho Cavalcanti defendia o veto integral ao projeto por entender que o PL 7448/17 favorece a impunidade de gestores públicos e limita a atuação do Ministério Público e de tribunais de contas. Segundo Robalinho, o texto aprovado no Congresso introduz conceitos imprecisos que levariam à insegurança jurídica, já que o Judiciário levaria anos até consolidar uma jurisprudência sobre a aplicação dos termos.
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Além disso, o presidente da associação critica a tramitação rápida da proposta na Câmara e no Senado, sem convocação de audiências públicas para ouvir o MP, o TCU ou outras entidades.
"Claramente teve um déficit de debate. Embora formalmente tenha passado pelas duas Casas, não houve audiências públicas amplas, e nem a Justiça nem os órgãos de controle foram chamados ao debate", diz.
Ainda, Robalinho aponta que a suposta paralisia dos gestores públicos não se deve à atuação dos órgãos de controle, e sim à redução da impunidade promovida por operações como a Lava Jato.
Leia trechos da entrevista:
Quais seriam os efeitos práticos da aprovação sem vetos do PL 7448/17?
Primeiro os órgãos de controle interno e externo teriam fortemente prejudicada a sua atividade. Mas acho que o principal fator é exatamente o oposto do que querem os proponentes: em vez de mais segurança jurídica, teremos mais insegurança. O PL 7448/17 traz uma série de conceitos vagos e imprecisos em dispositivos importantes e vai gerar polêmica na Justiça em cada um dos seus passos.
Há muitos anos se trabalha o conceito de interesse público, construído ao longo do tempo na jurisprudência sobre a lei de improbidade administrativa. Em vez do interesse público, [o projeto] fala sobre o interesse geral, que é algo absolutamente indefinido e propositadamente diferente do interesse público. Embora nós reconheçamos as boas intenções do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), pela falta de discussão no Congresso o projeto acabou resultando em dispositivos francamente inconstitucionais.
Com a minha experiência de mais de duas décadas como procurador da República, digo que se a proposta entrar em vigor terá o efeito oposto do que querem. Haverá paralisia ainda maior do setor público, tamanha a insegurança de juízes, membros do Ministério Público e mesmo dos administradores numa discussão sobre as ações declaratórias propostas pelo PL 7448/17, sem análise prévia dos tribunais de contas sobre assuntos altamente complexos. Provavelmente essas ações não vão resultar em nada, serão paralisadas com pedidos de perícia, um atrás do outro.
Além disso, a tentativa dos proponentes era alterar a interpretação de várias questões da administração pública ao mudar a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que diz como o direito vai ser interpretado.
Só que ao introduzir conceitos vagos, o que acaba se concluindo disso é uma interferência do legislador no que o julgador vai interpretar. Então há uma invasão de poderes, ultrapassando limites do razoável.
Uma das críticas mais comuns ao PL 7448/17 é a de que ele limitaria a possibilidade de responsabilização de agentes que tenham cometido irregularidades. O senhor concorda com a afirmação?
A proposta contribui fortemente para a impunidade no setor público. Por exemplo, lidamos há muitos anos com os conceitos de dolo e culpa. Não são objetivados, mas estão muito bem definidos na jurisprudência. O PL 7448/17 retira o conceito de culpa e fala em erro grave, entrando em um tipo de conceituação que é diferente.
Isso pode provocar uma polêmica interminável ou afastar a culpa, de forma a permitir só a condenação por dolo. Mas comprovar o dolo nem sempre é fácil. Ao eliminar a culpa, ou falar que só há culpa em casos de erro grave ou absurdo, o projeto quase dá uma chancela para atos ilegais. Porque só com a pura ilegalidade ou pelo não cumprimento de princípios constitucionais você não conseguirá punir ninguém.
E o PL claramente teve um déficit de debate. Embora formalmente tenha passado pelas duas Casas, não houve audiências públicas amplas, e nem a Justiça nem os órgãos de controle foram chamados ao debate. Se os órgãos que vão aplicar a lei estão discordando da interpretação dos legisladores, muito provavelmente isso vai resultar em polêmica judicial.
A discussão que está saindo em artigos e entrevistas vai se reproduzir em processos judiciais infindáveis. O ideal seria vetar o projeto e reiniciar a discussão com toda a prioridade. Pode ser um novo projeto de lei em regime de urgência, que estaremos todos presentes, e em quatro, cinco meses seria aprovado.
Também há a colocação de que o PL 7448/17 poderia dificultar a atuação de órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público. Isso ocorrerá na prática? 
Vai haver embaraços ao controle contra a corrupção e a má gestão pública. O artigo 25 claramente ultrapassa os órgãos de controle principalmente externo. A ideia é que o gestor pode acionar o Judiciário para que declare a inconstitucionalidade independente de qualquer avaliação dos tribunais de contas, o que já prejudica muito.
O artigo 28 é outro que traz conceitos vagos e praticamente inviabiliza a condenação de alguém por culpa. O simples fato de não cumprir a lei não será mais um fator capacitado para você punir.
Já existe por jurisprudência administrativa a razoabilidade e a proporcionalidade das penas, de forma que quem seja punido por descumprir determinada norma não tem o mesmo grau de quem praticou atos por dolo.
Ao retirar a condenação por culpa, você dá uma carta de impunidade para o não cumprimento da lei. Como o dolo é muito difícil de ser comprovado em muitas matérias, isso prejudicará fortemente o sistema de fiscalização da administração pública.
Como os conceitos são abertos e não definidos, provavelmente levariam décadas para serem consolidados até que o gestor tenha segurança de saber o que é e deixa de ser o interesse geral, por exemplo. Em vez de lidar com um sistema que tem hoje estabilidade de conceitos e jurisprudência formada, cria-se a jurisprudência nova com discordância dos órgãos e sem debate.
Por outro lado, os que são favoráveis à norma apontam que ela dá respaldo e maior segurança ao gestor público. Como o senhor vê essa colocação?
É uma opinião respeitável, de que o gestor público tem que ter segurança para agir e hoje tem medo. Mas não acredito que esse temor ou essa paralisia ocorram por conta do controle. Não consigo construir na minha mente o que mudou de dez anos para cá na legislação: os tribunais de contas estão aí desde a Constituição de 1988, o Ministério Público está aqui segundo as mesmas leis. Talvez exista o temor de alguns por ter acabado a impunidade na administração pública, o que é positivo. Altos gestores estão respondendo não por problemas de culpa, e sim por dolo, situações criminais.
Na União pode haver sim um descompasso entre áreas-meio e áreas-fim em muitos ministérios. Hoje o próprio Tribunal de Contas da União (TCU) reconhece que a parte financeira, administrativa e de gestão em boa parte dos ministérios melhorou. Mas na parte da ponta, de quem ordena o gasto direto com educação e saúde, por exemplo, tem sido pouco desenvolvido nesse momento. O nível de preparo está abaixo do que os órgãos de controle exigem.
Mas propor que se rebaixe o nível de controle por falta de contratações e treinamento do setor de ponta é o oposto do que se deveria fazer. [O governo] deveria desenvolver as pessoas e as organizações que cuidam do investimento, e aumentar o contato com os órgãos de controle.
Um exemplo é o caso da Petrobras. Nos recordamos que em 2009 o TCU fez uma série de críticas nos relatórios a obras que estavam em andamento na estatal, por evidências de sobrepreço e falta de transparência. A Petrobras reagiu a isso não apenas com sucessivos mandados de segurança contra o TCU, como também puxando declarações do então presidente Luís Inácio Lula da Silva, no auge da popularidade com a descoberta do pré-sal, dizendo que a transparência poderia prejudicar os negócios da Petrobras. Não precisamos terminar a história para compreender onde isso terminou.
A reação ao controle era por proteção. Não entro no mérito pessoal do Lula, mas o fato é que havia uma quadrilha operando dentro da Petrobras, hoje temos réus confessos reconhecendo que houve sobrepreço de bilhões. Anos depois isso se comprova por trânsito em julgado de várias ações no Judiciário, e a própria estatal em seus balanços reconhece prejuízos bilionários por conta de desvios que poderiam ter sido vistos pelo controle.
A nova direção da Petrobras partiu para uma política que o mercado entendeu como correta, de correção dos rumos financeiros e desinvestimento, com vendas acentuadas de ativos. No primeiro momento o TCU pediu explicações sobre os parâmetros, e as explicações foram dadas. A Petrobras procurou o TCU, entendeu o que estava querendo, e o trabalho de desinvestimento está acontecendo com a velocidade necessária à administração pública. Isso demonstra que o problema não é o controle.
De maneira indireta, a proposta tem relação com a Lava Jato, como um símbolo de que acabou a impunidade nos grandes empreendimentos e preocupou os gestores. Não houve hipertrofia do controle nos últimos anos, o que houve foi a Lava Jato e outras operações derivadas mostrando que havia um esquema de corrupção abrangendo praticamente todo o modelo de negócio do sistema público e isso teria que mudar. Mas atacar o controle dizendo que há insegurança por conta disso não é verdade.

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JOTA

Para José Robalinho Cavalcanti, proposta ainda limita atuação do MP e de tribunais de contas

PL 7448/17 &#8216;contribui para impunidade no setor público&#8217;, diz presidente da ANPR

PL 7448/17 'contribui para impunidade no setor público', diz presidente da ANPR

Presidente da ANPR, José Robalinho, entende que o PL 7448/17 favorece a impunidade de gestores públicos e limita a atuação do MP e de tribunais de contas. Segundo ele, o texto aprovado no Congresso levaria à insegurança jurídica e guarda relação indireta com a operação Lava Jato