O nome é aumentativo: Theotonio Negrão. Suas principais obras – Código Civil e Legislação Civil em vigor e Código de Processo Civil e Legislação Civil em vigor – são épicas: passam da 30ª edição, venderam mais de 2 milhões de exemplares e se mantém inabaláveis no topo do ranking dos livros mais vendidos da área. Na pré-história pré-internet, o trabalho do jurista e de sua equipe era o pote de ouro no fim do arco-íris das pesquisas jurídicas.
Foi tudo superlativo, até Theotonio Negrão virar substantivo. Hoje, o homem que atualiza seus livros é mais jovem que a obra.
Luis Guilherme Aidar Bondioli nasceu em São Paulo, em 1975, um ano depois da publicação da primeira edição do Código de Processo Civil de Theotonio Negrão, em abril de 1974.
Filho de advogado, ele lembra de ver os livros de Theotonio em cima da mesa do escritório de advocacia do pai, Carlos Alberto Bondioli, quando ainda era criança.
O próprio Theotonio era conhecido da família, seu escritório ficava na Rua Riachuelo, perto do Largo São Francisco, vizinho do escritório do pai de Luis Guilherme. Não foram poucas as vezes que o advogado lembra de observar o pai e Theotonio tomando um café na padaria ali do lado ou nas visitas à banca.
Desde essa época, Luis Guilherme considerou o Direito como uma possível profissão e em 1994 entrou na faculdade de Direito do Largo São Francisco. Lá, as obras de Theotonio ficaram ainda mais presentes na vida dele. Foi por elas que o jovem advogado estudou na graduação, no mestrado e no doutorado. Todo o estudo de Luis Guilherme foi focado em Direito Processual Civil.
Quando ele começou a advogar no escritório do pai conheceu José Roberto Gouvêa, sócio de Theotonio. Gouvêa o ajudava a atualizar as suas obras e foi quem pegou o bastão quando o jurista faleceu, em março de 2003.
Gouvêa conhecia bem Theotonio. Começou a trabalhar com ele ainda estagiário, seguiu a carreira no Ministério Público, e quando se aposentou, passou a advogar com o jurista.
Luis Guilherme e Gouvêa se tornaram amigos e saíam sempre para almoçar na região central da cidade. Em 2005, em um desses almoços com Gouvêa, no La Bourse, que ficava dentro do prédio da Bovespa, Luis Guilherme recebeu o convite para começar a atualizar as obras de Theotonio. Ele não hesitou.
A partir daí, passou a se dedicar às obras. O contato com os livros já não era mais o mesmo de quando os estudara no passado. Era preciso conhecer de novo o Código de Processo Civil e o Código Civil de Theotonio.
“Ele precisava de alguém que o ajudasse nessa tarefa árdua mas gratificante e enriquecedora que é a atualização dos códigos do Theotonio. Nós, nessa atividade, acabamos lendo todos os acórdãos do STJ, pelo menos batemos o olho em todos. É preciso ler as revistas, os acórdãos de outros tribunais, e se atualizar com relação as leis que acabam sendo editadas, e ver os impactos de tudo isso na informação que já existe no livro, que é grande”, conta Luis Guilherme.
Na mesma época, Gouvêa convidou o advogado João Francisco Naves da Fonseca para também ajudá-lo a escrever as obras. Os três são discípulos do mesmo mestre: Cândido Dinamarco, professor titular de Direito Processual Civil da USP e desembargador aposentado do TJSP.  Dinamarco foi professor e orientador de Luis Guilherme de Direito Processual na Faculdade do Largo São Francisco tanto no mestrado, quando no doutorado.
“Ele sempre foi pessoa que nunca fez questão de tratamentos formais, sempre foi muito simples e procurou irradiar essa característica dele para a atividade profissional e todo mundo que convive com ele acaba sendo contaminado, no bom sentido. Ser claro e objetivo é algo fundamental dentro e fora do Direito”, conta Luis Guilherme.
A afinidade dos três permite que as regras não sejam tão rígidas na atualização dos livros. Não existe uma divisão estanque. Todo mundo faz um pouco de tudo e atualiza os dois códigos ao mesmo tempo. O João tem um enfoque mais na legislação, em doutrina, acórdãos de tribunal local, ele divide essa atividade com o José Roberto e eu fico mais com a parte do STJ.
Ainda assim, a pesquisa é diária. Luis Guilherme conta que eles não param para atualizar as obras por alguns meses do ano, já que todo dia tem uma decisão nova, uma revista nova, teses recentes. “É um trabalho que não pode deixar acumular, sob pena de perder a qualidade”. Tudo precisa estar pronto até janeiro para o lançamento anual dos dois códigos, geralmente publicados entre fevereiro e março.
A organização dos três permite momentos de descanso. É quando Luis Guilherme aproveita para viajar com a mulher Andressa e as duas filhas, Cecília de três anos e Clara de sete anos. Ele lembra com carinho do tempo em que passou na Espanha e França na adolescência, Washington aprendendo inglês e da viagem à Patagônia Chilena, em 2007.
Luis Guilherme é cuidadoso em não levar trabalho para casa. Em dias corridos, acorda mais cedo e vai direto para o escritório. Esse ano, ele passou a fazer parte do escritório Stocche Forbes e como um bom canceriano, Luis Guilherme não gosta de mudanças, mas afirma que está aprendendo que novos desafios são necessários.
Agora, o advogado coordena uma coleção de comentários ao Novo CPC, a ser publicada no ano que vem. Mas, sobre o novo código, Luis Guilherme aponta algumas falhas e critica sua sistematização, por exemplo, na parte do cumprimento da sentença.
"Em vez de se pensar numa substanciosa parte geral para regular o cumprimento da sentença, estabelecendo-se um modelo mais uniforme e preservando-se para as disposições especiais apenas aquilo que é realmente particular, construiu-se uma parte geral pobre e alocaram-se nas disposições especiais regras genéricas, com uma série de remissões confusas entre os dispositivos. E manteve-se injustificável incongruência: por que as sentenças que condenam ao pagamento de quantia dependem de requerimento do exequente para seu cumprimento e as que condenam a fazer, não fazer e entregar coisa independem de requerimento para serem cumpridas? Não se sabe".
Sua crítica à sistematização no Novo CPC é acentuada pelo fato de a bandeira do novo código ser justamente o combate a uma colcha de retalhos. “O código teve como mote a ideia da sistematização. Falou-se que o Código de 73 se tornou uma colcha de retalhos, objeto de pelo menos três grandes ondas reformistas. Porém, o código novo é outra colcha de retalhos".
“O que não vai faltar nesse novo CPC são dúvidas. Eu tenho uma visão crítica do código. Acho que o momento escolhido para a edição dele não foi dos melhores, já que vivemos uma transição do processo de papel para o processo eletrônico. Seria melhor aguardar a consolidação de um processo eletrônico para depois editar um novo código, já afinado com o processo sem papel”.

Vintage books in library. Concept of education or book store.

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Perfil - Luis Guilherme Aidar Bondioli, o Theotonio Negrão de 40 anos

Responsável por atualizar as obras do jurista, é mais jovem que os livros