Arbitragem

Para advogados e árbitros, mudanças na Lei de Arbitragem trariam insegurança

Há uma ação no STF e um projeto de lei em análise na Câmara que podem mudar as regras da arbitragem no Brasil

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Adriana Braghetta (professora da FGV), Carlos Alberto Carmona (professor da USP), Francisco Müssnich (professor PUC-Rio) e Luis Felipe Salomão Filho (sócio na Salomão, Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cotta Advogados). Crédito: CBMA/Divulgação

Advogados, árbitros e representantes das câmaras de arbitragem brasileiras estão preocupados com possíveis mudanças na Lei de Arbitragem, que foi promulgada em 1996 e modificada em 2015, com a Lei 13.129. Está em análise na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 3293/2021, que propõe alterações nas práticas da arbitragem no país, e também há uma uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando os critérios do dever de revelação dos árbitros.

As possíveis alterações na legislação foram discutidas ao longo do VI Congresso Internacional CBMA de Arbitragem, que foi realizado no Rio de Janeiro nos últimos dias 10 e 11 de julho. Muitos palestrantes se manifestaram dizendo que temem que alterações feitas às pressas, por pessoas não familiarizadas, causem insegurança jurídica e prejudiquem a prática. “A possibilidade de mudança causa temor, porque pode acarretar na perda de credibilidade que conquistamos ao longo dos últimos 26 anos”, diz Flávia Bittar, presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil (Camarb).

Para Diego Fernandez Arroyo, professor da escola de Direito da Sciences Po, na França, esses questionamentos “são o preço que se paga pelo sucesso da arbitragem” e não podem ser ignorados. “Há 20 anos, quando era uma quimera aqui no Brasil, ninguém se preocupava com esses temas. Mas agora, com a expansão e jurisdição quase exclusiva da arbitragem no comércio internacional, essas perguntas surgem, é normal”, afirma.

No caso do projeto de lei proposto pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), os pontos que geraram mais controvérsia são a proposta de que os árbitros não poderão ter mais de dez processos sob sua análise e o impedimento de que existam tribunais arbitrais com os mesmos membros, independentemente da função por eles desempenhada. O texto aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

“O mercado sabe se regular muito bem nesse tema. Já vi várias revelações de números expressivos de arbitragem e isso não foi relevante para as partes”, disse Adriana Braghetta, professora da FGV São Paulo e árbitra. Carlos Alberto Carmona, professor de Direito da USP, concorda com a colega. Para ele, também não há problema na repetição de árbitros em tribunais. “As colocações feitas [no PL] são problemáticas e ‘jabuticabescas’. Por que não repetir árbitros em tribunais? O que há de errado nisso? São detalhes colocados por pessoas que não têm vivência de arbitragem”, disse o professor.

O ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), disse acreditar que o projeto não será aprovado – pelo menos, não como está hoje. “Cada vez que se fala em mexer é um transtorno para os investidores, para os contratos e para o sistema jurídico como um todo, dada a relevância que a arbitragem tem hoje para a solução de litígios. Mudanças assim, de supetão, sem discussão, não são salutares”.

Quanto à ação que está no STF, a questão em pauta é o dever de revelação dos árbitros. A Lei de Arbitragem estabelece no seu artigo 14 que “as pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”.

Na ADPF 1.050, o partido União Brasil pede que o STF declare quais são os critérios constitucionais do exercício do dever de revelação pelos árbitros previsto na Lei de Arbitragem e afaste interpretações que fujam a esse entendimento. A ação foi distribuída ao ministro Alexandre de Moraes, que a conheceu como uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). O partido alega que muitos árbitros estão desvirtuando o dever e omitindo informações para poderem participar de certos litígios.

Os árbitros e representantes das câmaras contra-argumentam que o dever de revelação está sendo usado como uma ferramenta para que insatisfeitos com o resultado de uma arbitragem tentem anular casos.

O professor José Roberto de Castro Neves, da PUC Rio de Janeiro, defende que a comunidade de arbitragem discuta mais a ética nos procedimentos e deixe de lado essas “táticas de guerrilha”.

Para ele, o ambiente da arbitragem fica fragilizado quando os advogados buscam qualquer indicativo de parcialidade do árbitro para tentar anular a sentença. “Até onde você vai para ganhar uma causa? Todos queremos ganhar, mas ter o Judiciário como ‘instância revisora’ da arbitragem é ruim para todos”.

* A reportagem viajou a convite do VI Congresso Internacional CBMA de Arbitragem