Bárbara Mengardo

Juiz federal auxiliar da presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que abarca os Estados do sul do país, Artur César de Souza não considera preocupante que, antes mesmo de entrar em vigor, o novo Código de Processo Civil (CPC) já tenha sido alterado pelo Congresso. Ele critica, porém, a decisão de derrubar o artigo que previa que os julgamentos deveriam ser realizados em ordem cronológica.
Para Souza, ter seu processo julgado na ordem em que chegou ao tribunal é direito das partes. "Me parece mais justo que o processo mais antigo na lista de ordem cronológica seja julgado em primeiro lugar, pois já está aguardando há mais tempo que outros", afirma.
Em entrevista ao JOTA, o juiz salientou que a entrada em vigor do novo CPC no dia 18 de março exigirá mudanças nos sistemas de peticionamento eletrônico dos tribunais. O processo já está em curso no TRF4, mas Souza pede compreensão dos advogados para eventuais falhas. "Por mais que você se preocupe em fechar todas as possibilidades de equívocos, é possível evidentemente que haja uma falha", diz.
Juiz em Londrina (PR), Souza atua com processos que não têm "começo, meio e fim bem definidos". Titular da vara de execuções fiscais do município, o juiz cuida de cerca de 14 mil processos, e acredita que o novo CPC também pode alterar a rotina de quem, como ele, trabalha na fase de cobrança dos casos tributários.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Como está a preparação no TRF4 para o Novo CPC?
Instituímos no ano passado uma comissão de estudos para a alteração do nosso sistema eletrônico, para adaptá-lo às mudanças do novo Código de Processo Civil, além de diversos cursos para servidores e magistrados sobre essas modificações que virão a partir do dia 18 de março.
O senhor sente que os juízes e desembargadores estão preparados para essas alterações?
A preparação é diuturna. O novo CPC é um instrumental importante para os magistrados, e os desembargadores e juízes estão paulatinamente se preparando para se adequar às novas mudanças, então é preciso compreender melhor as mudanças e procurar interpretar de uma forma condizente as alterações que vão surgir com o novo CPC. Eu acredito que eles estão preparados, mas é uma evolução paulatina.
Um dos objetivos do novo CPC é garantir maior segurança jurídica, mas antes mesmo de entrar em vigor ele foi alterado. O senhor considera esse um mal sinal?
Não vejo como um mal sinal. Penso que a maneira como estava a admissibilidade de recursos especiais e extraordinários, por exemplo, poderia gerar um certo estrangulamento desses recursos se eles fossem concentrados só no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Então me parece que o legislador, mediante provocação de determinadas instituições, inclusive de alguns ministros do Supremo e do STJ, percebendo que não haveria estrutura suficiente nesses tribunais superiores para concentrar o juízo de admissibilidade, teve por bem alterar. Mas isso levou em consideração uma questão mais estrutural do que um equívoco normativo.
O legislador não pensou que não há estrutura suficiente, então voltou atrás, justamente porque teríamos que contratar milhares de servidores para fazer esse tipo de juízo de admissibilidade, o que no momento atual não seria pertinente. Eu não considero um mal presságio, mas um retrocesso plenamente justificado pela falta de estrutura.
Outro ponto polêmico que acabou sendo alterado é o julgamento por ordem cronológica. Como o senhor vê essa questão?
Eu penso que o legislador deveria ter mantido a ordem cronológica. Sou muito favorável ao julgamento dos processos pela ordem de conclusão ou de despacho, e tanto o artigo 12 [do novo CPC] quanto os demais dispositivos que tratam da ordem cronológica de processos já estabeleciam que o juiz poderia abrir exceções nessa lista. Me parece mais justo que o processo mais antigo na lista de ordem cronológica seja julgado em primeiro lugar, pois já está aguardando há mais tempo que outros.
O próprio [novo] Código já abria exceções, como em casos de processos repetitivos, processos urgentes, então não achei muito interessante essa troca de terminologia da ordem cronológica obrigatória para a ordem cronológica preferencial. Da maneira como estava caracterizava um julgamento mais célere para quem está há mais tempo na fila.
Muitas pessoas que são contrárias ao julgamento por ordem cronológica dizem que existem processos mais simples, que poderiam ser passados na frente dos demais, enquanto processos mais longos poderiam acabar atravancando o andamento de outros que são mais fáceis. Como o senhor vê esse argumento?
Não acredito que haja processos simples ou complexos. É muito difícil fazer essa distinção. A complexidade está na matéria jurídica e na matéria de fato. Como explicar para a pessoa que está aguardando há anos que o processo dela é complexo e portanto pode ficar mais algum tempo aguardando julgamento? Me parece que o juiz tem que se debruçar seja o processo complexo ou simples, não deixando de lado o processo para o momento oportuno.
Tenho dificuldade em entender o que é complexo e o que é simples porque às vezes um processo que tem poucas folhas, por exemplo, é complexo, e em um processo com 50 volumes a decisão do juiz é tão simples que torna o processo simples. A parte, me parece, tem o direito de ver seu processo julgado se chegou em uma ordem anterior ao outro.
Seria competência do próprio Judiciário se instrumentalizar para conseguir julgar em ordem cronológica?
Acho que sim. A mudança de terminologia de obrigatório para preferencial não retira a ordem cronológica dos processos. Na 4ª Região estamos elaborando uma lista por ordem cronológica.
Acredito que os magistrados federais na 4ª Região, na medida do possível, vão seguir a ordem cronológica, é isso que tem sido feito. Eu vejo que os magistrados na 4ª Região têm procurado, na medida do possível, julgar de acordo com a antiguidade do processo e isso faz parte de determinações do Conselho Nacional de Justiça, que estabelecem metas para que sejam julgados os processos mais antigos. Não vejo muita dificuldade no âmbito da 4ª Região. Tendo em vista que vamos implantar a listagem de ordem cronológica os juízes poderão perfeitamente seguir essa ordem de conclusão.
Poderia explicar o que é a lista de ordem cronológica?
Um processo que chegar ao juiz para julgamento vai entrando em uma lista. Então o juiz sabe que o primeiro [processo] é o que está há mais tempo para julgamento, e vai procurar sempre julgar na ordem cronológica de chegada. As partes poderão consultar na página do tribunal qual a ordem do seu processo para julgamento, sabendo que o juiz poderá julgar de acordo com a ordem ou não.
Essa lista já existe ou ainda será implementada?
Estamos implementando. Supomos que até a entrada em vigor [do Novo CPC] ela já esteja perto do final.
Qual será o efeito prático dessa lista para os magistrados e para as partes?
Para o magistrado será a preocupação de visualizar nessa lista quais os processos mais antigos e procurar ao máximo possível julgar a partir dessa ordem de chegada. E as partes verificarão em que momento se encontra o processo delas nos processos conclusos para o magistrado, em que momento foi concluso e qual a posição para julgamento. Elas poderão ter uma noção maior do tempo que levará para julgar seu processo.
O senhor falou um pouco sobre o processo eletrônico. Quais mudanças serão necessárias para adaptação ao Novo CPC?
As mudanças que teremos que implementar passam pela contagem de prazos, que passam a ser em dia úteis, e não corridos, as formas de intimação e as formas de marcação de audiências. O principal é a contagem de prazo, que antes era feita em dias corridos, contando sábados e domingos, e pelo Novo CPC ocorrerão apenas em dias úteis.
E essas alterações vão estar prontas até a entrada em vigor do Novo CPC?
Estamos fazendo o possível e o impossível para que esteja tudo pronto na hora da virada de um código para o outro. Claro que haverá um período de transição, em que vamos ter que manter o Código de Processo Civil [antigo] para alguns determinados processos que foram interpostos quando da vigência dele. Será um período de transição, em que teremos que manter os dois procedimentos.
Outros tribunais estão se preparando para alterar seus processos eletrônicos?
Acredito que sim. No Conselho Nacional de Justiça, que tem o PJ-e, eu não tenho dúvida que já estão se debruçando para adaptar o sistema ao Novo CPC. É uma necessidade tremenda. A partir do dia 18 de março é uma nova realidade.
Com esses cortes de gastos que estamos vendo, o dinheiro tem sido um problema para fazer essas alterações no processo eletrônico?
Nós temos uma equipe técnica, de servidores do próprio tribunal, e são eles que fazem esse desenvolvimento para produzir as alterações sem necessidade de verbas orçamentárias.
Os advogados devem se preocupar com a possibilidade de problemas tecnológicos nos processos eletrônicos quando começar a vigência do Novo CPC?
Em toda novidade, por mais que você se preocupe em fechar todas as possibilidades de equívocos, é possível evidentemente que haja uma falha. Isso é natural em uma modificação de um sistema pra outro. Espero que os profissionais da área jurídica compreendam que a gente possa corrigir rumos. Estamos dispostos também a ouvir críticas ou sugestões sobre interpretações de dispositivos do código, porque estamos fazendo uma interpretação própria do tribunal, que pode sofrer alguma análise a posteriori. Os profissionais do direito têm toda a liberdade de buscar a correção de rumos para uma melhor interpretação do código em relação ao procedimento do processo eletrônico.
Qual o principal desafio que o Novo CPC traz para os juízes?
Acho que o principal desafio é exercer a atividade jurisdicional de forma justa e célere. Espero que esse instrumental possa facilitar a agilização do processo, a agilização da prestação jurisdicional sem que se perca a qualidade dessa atividade e sempre buscando o fim último do exercício da atividade jurisdicional, que é a aplicação da Justiça através do direito.
Para o senhor, o Novo CPC aumenta ou diminui o número de processos?
Não é o instrumental, como é o código, que aumenta ou não o número de processos ajuizados. O aumento de litígios é uma realidade social. As concepções sociais, a cultura de um determinado Estado de direito, o amplo acesso à Justiça decorrente da Constituição Federal faz com que tenhamos mais ou menos proposituras de demandas no Poder Judiciário.
O Código de Processo Civil é um instrumento. É como um médico: o instrumental dele não interfere na doença. A doença é preexistente ao instrumental. Ela ocorre e o médico se utiliza do instrumental para resolver aquele problema.
No direito é a mesma coisa: o processo civil é o instrumental do magistrado, que não interfere no acesso à Justiça, apenas tentando agilizar ao máximo o processo depois de instaurado. O processo civil não vai interferir no número de demandas que virão ao  Judiciário, apenas poderá agilizar a solução dessa demanda.
O senhor trabalha em uma vara de execuções fiscais, que o CNJ aponta serem as campeãs em congestionamento de processos. Isso realmente ocorre?
O processo de execução se encerra quando há o pagamento ao credor. O credor geralmente em execuções fiscais são os entes federados, e os devedores às vezes não têm bens, então os processos ficam suspensos. É um processo problemático. Não é tão simples quanto outros, que têm começo, meio e fim bem definidos.
Na execução fiscal, a não ser que se tenha bens plausíveis, se penhore e pague o credor, é muito difícil, existem muitos incidentes, então isso faz com que o processo às vezes não se encerre tão rápido quanto os demais. E por isso vai acumulando, porque não para de entrar processos. Tenho em torno de 14 mil processos. Uma vara de São Paulo deve ser na faixa de quase 100 mil processos.
Qual seria a solução para essa situação?
Talvez a solução seria termos um Estado seguro, democrático, em que as pessoas tenham confiança nos órgãos governamentais e as empresas possam trabalhar com segurança jurídica, sabendo quais são suas responsabilidades tributárias. Também que o governo haja da mesma forma. Evitar execuções fiscais, sonegações tributárias depende muito da cultura que os nossos governantes transmitem para a nossa sociedade.
É mais uma questão cultural do que jurídica, porque as pessoas deixam de pagar impostos por uma série de fatores. Às vezes deixam de pagar por problemas financeiros, porque pensam: "por que eu vou pagar imposto se meu dinheiro não é bem aplicado?", ou não pagam impostos porque outros também não pagam. Eu diria que é mais sociológico do que jurídico.
O Novo CPC traz alguma alteração em relação às execuções fiscais?
Não especificamente às execuções fiscais porque temos a Lei de Execuções Fiscais [6.830/1980], mas como o Código de Processo Civil é aplicado subsidiariamente nós, juízes de execução fiscal, aplicaremos muitas das regras do Novo CPC.
O senhor tem algum exemplo?
Essa é uma interpretação minha do Novo Código de Processo Civil, mas acho que a aplicação dos prazos em dias úteis e não mais em dias corridos, a questão da penhora e dos embargos à execução.
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JOTA

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