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Gravação de audiência criminal por réu divide opiniões

TRF4 negou pedido de Lula para gravar encontro com Sérgio Moro

09/05/2017|19:30
Atualizado em 10/05/2017 às 00:26
Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levantou uma questão controversa ao pedir para fazer sua própria gravação em vídeo da audiência em que ele será ouvido pelo juiz Sérgio Moro para responder à acusação de ter recebido R$ 3,7 milhões em propinas da OAS.

A defesa alegou que a gravação da audiência seria uma prerrogativa funcional do advogado, “que a executa no exercício de missão indispensável à administração da Justiça, (art. 133, CF), conforme prevê expressamente o artigo 367 do Código de Processo Civil (CPC)”. No caso, segundo os advogados de Lula, o CPC deveria ser aplicado subsidiariamente ao Código de Processo Penal (CPP).

Moro negou o pedido argumentando que não há essa previsão no Código de Processo Penal. “O que há no CPP é somente a previsão legal de gravação audiovisual, sempre que possível, dos depoimentos (art. 405 do CPP). Se o CPP tem norma específica, não se aplica subsidiariamente o CPC no ponto”, escreveu o juiz.

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O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) também indeferiu o pedido da defesa, que impetrou um habeas corpus contra a decisão de Moro.

“Apesar dos esforços da defesa, não tenho como pacífica a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao caso em tela, já que o Código de Processo Penal traz previsão de registro audiovisual de audiências (art. 405 do CPP), muito embora não desça às minúcias do Código de Processo Civil. Nessa perspectiva, deve-se ter cuidado com as tentativas de processualização civil do processo penal. Havendo disposição específica especial, portanto, é inadequada ou no mínimo prematura a aplicação subsidiária do CPC”, escreveu o juiz relator Nivaldo Brunoni.

A reportagem do JOTA ouviu professores de processo civil e penal para saber o que eles pensam sobre o assunto. Um deles, ex-juiz federal, pediu para que seu nome fosse resguardado.

Luiz Dellore, mestre e doutor em Direito Processual pela USP e professor de Processo Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie
A gente trabalha dentro do processo com "cada um no seu quadrado". O CPP tem suas regras, o CPC, as suas, a CLT, as suas, e na ausência de regras específicas, o CPC é aplicado de forma subsidiária, o que está expresso no artigo 15. De uma forma geral, o Judiciário não aplica a subsidiariedade se existe regra própria. Exemplo: contagens de prazos em dias úteis, como prevê o NCPC. O CPP prevê dias corridos. Sem menor dúvida isso já está pacifico, no processo penal: o que vale são os dias corridos. É na ausência de previsões, que o CPC se aplica de forma supletiva, complementar. E no caso da audiência, de fato, ela está prevista. Em síntese, a decisão está correta, de acordo com a jurisprudência.

Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Realmente, há diferenças entre o processo penal e o processo civil, que em determinados pontos impedem o emprego de analogia de uma área para outra. Todavia, no que diz respeito à documentação dos atos processuais, não há qualquer fundamento para tal distinção. Em ambos os processos, a documentação dos atos ocorridos em audiência deve espelhar, o mais fielmente possível, os fatos corridos. Se no processo penal há interesses mais relevantes, entre eles, a liberdade do acusado, se diferença houvesse, nesse o registro deveria ser mais intenso e fiel, e não, em menor intensidade. Logo, se no processo civil as partes podem, a bem de um melhor exercício da defesa de seus direitos, gravar as audiências, com maior razão, no processo penal, o acusado deve dispor do registro o mais fiel possível de tudo o que ocorre na audiência para e ampla defesa da sua liberdade.

Advogado, ex-juiz federal
Quando nosso código de processo civil era de 1973 ele não estava tão desatualizado quanto ao código de processo penal . Como o código de processo civil foi atualizado recentemente, ficou muito descompassado em várias coisas. Ele é moderno, enquanto o código de processo penal é antigo. Tem um princípio de que a sociedade evolui. As leis mais modernas devem prevalecer sobre as leis mais antigas por causa disso. A vontade da sociedade hoje é que você grave as audiências. Essa é a expressão mais recente da vontade social. A expressão mais antiga, do código de processo penal, é de 1941! Vem de outro contexto. A gravação pela parte é um fenômeno dos smartphones, dos tempos atuais. Todo mundo tem um gravador portátil, todo mundo grava em todos os ambientes. Num ambiente de modernidade, acho que a gravação deveria ter sido autorizada. É um apego um tanto quanto formal não autorizar. Não é que o CPP proíba ou não autorize: simplesmente ninguém pensou nisso na época. A vida segue meio separada no processo penal e no processo civil, tem poucas coisas que elas se comunicam e a audiência é uma delas. Para mim audiência é audiência.

Alexis Couto de Brito, professor de Processo Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Foi uma decisão autoritária. Isso não prejudicaria em nada nenhuma das partes. A gravação traz mais segurança para o julgamento da causa. Não haveria motivo nenhum para não se permitir a filmagem. No dia-a-dia, o CPC e o CPP são integrados. O CPC acaba sendo mais abrangente. Não é uma questão de lei especial ou lei geral. O CPP é muito antigo. Ele é muito anterior à Constituição. Não haveria problema nenhum nessa integração.

Fábio Bechara, promotor de Justiça do Estado de São Paulo
É de fato aplicável o princípio da especialidade. Não tem subsidiariedade para algo que já está explícito no CPP. Além disso, o princípio da publicidade deve ser compreendido em sua dimensão interna. Essa discussão da gravação pela parte, por outro lado, teria a finalidade de atender à publicidade externa. Nesse ponto, é preciso ter cuidado para uma publicidade irrestrita e nociva. Essa restrição se justifica do ponto de vista constitucional para evitar uma exposição desproporcional que poderia colocar em risco outros valores tão importantes quanto a publicidade, como a própria regularidade do processo e a segurança das partes.logo-jota