Nara Cristina Takeda Taga

Tathiane Piscitelli

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<p>No início da semana passada, o Ministério da Fazenda publicou uma minuta de proposta do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (RICARF), com o objetivo de submeter o documento a uma consulta pública, cujo prazo para contribuições se encerra em 04/05. Essa medida é uma resposta quase que imediata às investigações da Operação Zelotes. Diante das denúncias de corrupção, a ordem do dia passa a ser o saneamento do tribunal, por meio de mudanças estruturais – melhoria da gestão do Conselho, aumento da celeridade dos processos e fortalecimento da transparência e controle do órgão são pontos levantados na exposição de motivos e, portanto, condutores do espírito geral do novo regimento.</p>
<p>Contudo, ainda que louvável e necessária a postura do Ministério da Fazenda, a apresentação do novo regimento como reação às acusações de corrupção havidas no âmbito da operação deflagrada pela Polícia Federal é criticável. Muitas das alterações apresentadas trazem a impressão de que o uso das más práticas era generalizado e não pontual. Para ilustrar essa questão, tome-se como exemplo a criação de diversos impedimentos para os conselheiros representantes dos contribuintes.</p>
<p>Segundo o inciso II, do artigo 42, do Anexo II, estará impedido de votar o conselheiro que possuir “interesse econômico ou financeiro, direto ou indireto” na causa julgada. Adicionalmente, na última quinta-feira (30.04.15), foi publicado o Decreto 8.441/15, que se utiliza dos dispositivos da Lei 12.813/14 para acentuar ainda mais as restrições ao exercício de atividades profissionais aplicáveis aos representantes dos contribuintes. Em contrapartida, o mesmo Decreto estabelece o pagamento de uma gratificação de presença para tais conselheiros, que será de aproximadamente R$ 11 mil.</p>
<p>Em outras palavras, tais medidas tornam incompatível o exercício da advocacia privada em assuntos tributários com a função de conselheiro do CARF. A publicação do referido Decreto provocou, quase que imediatamente, uma renúncia em massa dos representantes dos contribuintes.</p>
<p>Esse movimento gera enorme preocupação na iniciativa privada: é factível a possibilidade de manutenção de Conselheiros com experiência e aprofundada expertise na prática tributária, mesmo que mediante vinculação total com remuneração “compatível a de mercado”? É inegável, em nosso entendimento,</p>
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<p>o risco de transformação do CARF em tribunal administrativo sem a senioridade necessária para o enfrentamento de questões cada dia mais complexas e que demandam experiência e notório saber jurídico da extensa regulamentação tributária ora em vigor. Parece-nos improvável que o atual corpo de conselheiros dos contribuintes abriria mão de suas carreiras privadas a fim de se dedicar exclusivamente à carreira de conselheiro representante dos contribuintes, já que, ao contrário do que acontece com os conselheiros do Fisco, não há garantias de que haja um posto de trabalho à sua disposição quando do término de seu mandato.</p>
<p>O combate à corrupção e aos conflitos de interesse pode e deve ser realizado mediante a criação e aperfeiçoamento de mecanismos de controle efetivos, ligados ao aumento de transparência e governança no órgão, a exemplo do que já é proposto pela minuta quanto à definição de regras claras sobre a estrutura, finalidade e funcionamento do Comitê de Acompanhamento, Avaliação e Seleção de Conselheiros (CSC), cujas deliberações passarão a ser publicadas.</p>
<p>Outro ponto polêmico está relacionado à manutenção das regras atinentes ao voto de qualidade. Nos moldes da disciplina atual, as turmas são presididas por representantes do Fisco, os quais, na hipótese de empate no julgamento, terão competência para proferir um voto de desempate. O resultado desse mecanismo é perverso: nos julgamentos acirrados, acaba por prevalecer a posição da Fazenda. O argumento que está por detrás disso seria o benefício da sociedade em um sentido amplo, já que a receita tributária se presta ao financiamento do Estado. Porém, essa mesma decisão pode gerar demandas judiciais desnecessárias e, assim, aumentar ainda mais o gasto decorrente da alta litigiosidade no Brasil. Uma saída possível seria a alternância dos cargos de presidências entre representantes do Fisco e dos contribuintes. Esse é um ponto crucial, que asseguraria efetiva imparcialidade nos julgamentos, e que deve ser enfrentado.</p>
<p>Ademais, a proposta do novo regimento traz duas mudanças importantes no funcionamento das turmas. A primeira, prevista no artigo 6o da minuta de Portaria, prevê a extinção de turmas e redução do número total de conselheiros do órgão. O objetivo, aqui, seria possibilitar maior controle, qualidade e eficiência às atividades do órgão, sem impactos da produtividade. Apesar da aparente racionalidade da mudança, a verdade é que o CARF já se encontrava sobrecarregado de processos por conselheiro, devido à excessiva quantidade demandas complexas a serem apreciadas e julgadas, das mais variadas matérias. A diminuição dos quadros de conselheiros em quase 40%, erroneamente endereçada pela dedicação “exclusiva e remunerada” imposta aos representantes dos contribuintes mediante o alargamento das hipóteses de impedimento, não parece ser a solução para imprimir maior celeridade ao processo administrativo.</p>
<p>A outra alteração diz respeito à dedicação exclusiva dos conselheiros integrantes da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), que não mais estarão presentes nos julgamentos das turmas ordinárias; atuarão, apenas, na</p>
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<p>Câmara Superior. Tal medida deve ser aplaudida e visa a promover maior disponibilidade de tempo para que os conselheiros da CSRF possam se dedicar integralmente à elaboração de votos de forma célere e aprofundada, gerando efetiva independência da instância máxima do órgão. Se aprovada, isso significará um aceleramento na decisão sobre os mais de 12.000 processos que atualmente aguardam sua admissibilidade e apreciação na CSRF.</p>
<p>Além dessas aqui destacadas, diversas outras estão contempladas no novo regimento e se resumem a aspectos operacionais e procedimentais não menos importantes, que igualmente proveem maior controle social e transparência às ações do órgão, tais como a distribuição eletrônica, pedido de vistas coletivas, hipóteses mais claras de conexão, maiores atribuições ao comitê de seleção e medidas preventivas ao nepotismo.</p>
<p>Ainda que louvável a iniciativa de se trazer à consulta pública o novo regimento do CARF, notamos a ausência de um debate mais aprofundado acerca do papel que o processo administrativo deve assumir no contexto normativo nacional. A estrutura atualmente existente induz à utilização da esfera administrativa como uma tentativa pouco custosa de composição com o Fisco; decisões não favoráveis aos contribuintes poderão ser discutidas em âmbito judicial.</p>
<p>Porém, reflexões que levem a uma revisitação do papel do processo administrativo no Brasil são prementes e não podem ficar alheias no momento em que se repensa o regimento do tribunal administrativo que, por sua atuação e tecnicidade, assumiu um papel de relevância nacional. Ainda que tais discussões demandem uma revisão mais profunda do ordenamento jurídico atualmente vigente, elas devem ser enfrentadas, sob pena de se conduzir uma reforma apenas parcial e limitada, focada em questões operacionais, que resulte na manutenção do status quo.</p>
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<p><em>Nara Cristina Takeda Taga é professora da FGV Direito SP. Doutora pela Queen Mary and Westfield College, University of London (Inglaterra); Doutoranda, mestre e bacharel pela USP. Coordenadora do Núcleo de Direito Tributário Aplicado do Mestrado Profissional da FGV Direito SP.</em></p>
<p><em>Tathiane Piscitelli é professora da FGV Direito SP. Doutora e Mestre em Direito pela USP. Coordenadora do Núcleo de Direito Tributário Aplicado do Mestrado Profissional da FGV Direito SP.</em></p>
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reforma administrativa

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