
O Ministério Público Federal (MPF) abriu nesta segunda-feira (30/1) um inquérito civil para investigar a responsabilidade de agentes públicos sobre eventual descumprimento de ordens judiciais e a contribuição – ou não – para a desassistência à saúde dos yanomamis, no norte do Brasil. Serão apuradas as possíveis responsabilidades civis do ex-presidente Jair Bolsonaro; da ex-ministra da Família e Direitos Humanos, Damares Alves; do ex-presidente da Funai, Marcelo Xavier; dos ex-ministros da Saúde, Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga; do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, entre outros eventuais envolvidos na crise humanitária vivida pelos povos yanomamis.
Esta investigação é na esfera cível e não na criminal, portanto, a apuração vai verificar quais as atribuições de cada agente público e político e se eles agiram conforme a função que exerciam. No âmbito penal, as autoridades com foro privilegiado, como Damares, Pazuello e Salles, que foram eleitos para compor o Congresso Nacional, devem ter as suas condutas investigadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Segundo o próprio Ministério Público, existem dezenas de procedimentos que apuram denúncias de desassistência às comunidades indígenas de Roraima, atividade garimpeira ilegal, abuso de mulheres e crianças, entre outros. No entanto, neste novo inquérito, o MPF pretende entender a exata dimensão da crise humanitária vivida pelos yanomamis, o esclarecimento de suas causas e impactos socioambientais e entender a dinâmica de envolvimento de cada agente público responsável.
O MPF entende que há evidências para a imediata responsabilização do Estado brasileiro, uma vez que: “relatórios, audiências, reuniões e informações prestadas nas diversas ações e procedimentos em trâmite nesta Procuradoria da República conferem robustas evidências de que as autoridades com dever de agir tinham pleno conhecimento da sistemática e generalizada violações de direitos ocorridas no território Yanomami”.
No despacho de abertura do inquérito, o procurador da República, Alisson Marugal, afirma que: “a gravidade do cenário é acentuada pelo fato de as autoridades com posição de comando terem estimulado atividades ilegais por meio de declarações públicas favoráveis à mineração em terra indígena e através de legislações que, na prática, empoderaram organizações criminosas e enfraqueceram a capacidade estatal de fiscalização”.
As conclusões trazidas no inquérito podem ajudar o MPF a definir as medidas de reparação e podem contribuir para a elaboração de políticas públicas para os povos indígenas de modo a evitar novas crises humanitárias.
Processos administrativos sobre a crise yanomami
Em outra frente para tentar apurar os motivos da crise humanitária com os yanomamis, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) divulgou, também nesta segunda-feira (30/1), o levantamento inicial das omissões observadas na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Segundo o Ministério, entre 2019 e 2022, a administração pública ignorou recomendações internacionais no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e agiu com descaso frente a processos administrativos encaminhados ao então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). O documento divulgado pelo Ministério inclui sete processos administrativos de conhecimento da pasta comandada por Damares Alves.
De acordo com o relatório, em 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) demonstrou preocupação frente às invasões do território do povo Yanomami por garimpeiros nos estados de Roraima e Amazonas. Em resposta à comissão internacional, o ministério de Damares apresentou um parecer positivo sobre o Projeto de Lei nº 191/2020, que propõe a legalização do garimpo na região.
O relatório preliminar também aponta sugestão de veto à obrigação do fornecimento de água e equipamentos básicos para as comunidades Yanomami durante a pandemia e a ausência de planejamento assistencial em favor de crianças e adolescentes indígenas no Plano Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes.
Entre os processos levantados constam a negativa de assistência humanitária ao governador do Estado de Roraima e a suspensão de policiamento ostensivo em favor do indígena Davi Kopenawa, integrante do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos da pasta, expondo-o a atentado em novembro de 2022.
O levantamento foi encaminhado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para investigação e futura responsabilização de agentes públicos.