Guilherme Pimenta

Iuri Dantas

A Medida Provisória 784 permite que o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) assinem acordos de leniência, reduzindo ou eliminando a punição por infrações administrativas no sistema financeiro e no mercado de capitais. O instrumento é usado no direito da Concorrência e na Lei Anticorrupção, contra empresas investigadas.
Mas no caso da MP 784, a quem precisamente serão aplicadas as novas regras? Além de bancos privados e instituições reguladas pelo BC, de investidores, corretoras de valores e empresas fiscalizadas pela CVM, o texto permite no caso brasileiro que instituições financeiras gigantes e sob controle da União recebam punições mais suaves em meio à maior operação de combate a corrupção da história – a Lava Jato.
Entram nesta hipótese não apenas o Banco do Brasil e a Caixa, mas também o BNDES. O gigante de desenvolvimento financiou boa parte das obras investigadas na Lava Jato e é apontado por empresários como um elo importante do esquema que abastecia o cartel de empreiteiras. O banco fornece empréstimos a juros muito mais baixos que os de mercado e seu comando é indicado pelo ministro da Fazenda e nomeado pelo presidente da República.
<a href="https://jota.info/especiais/lava-jato-poe-credibilidade-da-cvm-em-xeque-25052017" target="_blank" rel="noopener noreferrer">+ JOTA ESPECIAL: A CVM e os casos da Petrobras ligados à Lava Jato</a>
No caso da Lava Jato, o banco também foi colocado no olho do furacão pelo delator Joesley Batista, da JBS, e pelo ex-bilionário Eike Batista, entre outros. No mês passado, a economista Maria Silvia Bastos Marques pediu demissão da presidência do banco dias depois de vir à tona o acordo de delação premiada de Joesley Batista.
Os §1º e 2º do artigo 2º da MP especificam os agentes econômicos que estão sujeitos às sanções do Banco Central. Entre eles, as instituições financeiras e os integrantes dessas companhias, como "administradores, membros da diretoria, do conselho de administração, do conselho fiscal, do comitê de auditoria e de outros órgãos previstos no estatuto ou no contrato social".
Diz o texto da MP:
Art. 2<s>º</s>  Este Capítulo dispõe sobre infrações, penalidades, medidas coercitivas e meios alternativos de solução de controvérsias aplicáveis às instituições financeiras, às demais instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil e aos integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro, e estabelece o rito processual a ser observado nos processos administrativos sancionadores no âmbito do Banco Central do Brasil.
§ 1<s>º</s>  O disposto neste Capítulo aplica-se também às pessoas físicas ou jurídicas que:
I - exerçam, sem a devida autorização, atividade sujeita à supervisão ou à vigilância do Banco Central do Brasil;
II - prestem serviço de auditoria independente para as instituições de que trata o caput; e
III - atuem como administradores, membros da diretoria, do conselho de administração, do conselho fiscal, do comitê de auditoria e de outros órgãos previstos no estatuto ou no contrato social de instituição de que trata o caput.
§ 2<s>º</s>  Na hipótese de pessoa jurídica que preste serviço de auditoria independente para instituições financeiras e demais instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil, o disposto neste Capítulo se estenderá ao responsável técnico.
"Como instituição financeira, mesmo sendo um banco público, o BNDES está sujeito a essa lei, e pode ser punido por possíveis infrações administrativas", avalia Erik Oioli, professor de direito empresarial do Insper e sócio de mercado de capitais e direito bancário do escritório VBSO. "Pela ótica do agente privado, eventuais desvios podem e devem ser punidos, lembrando que o próprio BNDES pode propor esse acordo."
Joesley Batista e Eike Batista não foram os únicos a citar a existência de irregularidades no BNDES. O empreiteiro Marcelo Odebrecht, no acordo de delação premiada que firmou com o MPF, relatou que acertou R$ 64 milhões com o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci para obter aumento de uma linha de crédito para financiamentos em Angola. Os envolvidos negam irregularidades.
Além disso, especula-se que Palocci, preso em Curitiba, esteja próximo de fechar um acordo de delação premiada, que atingiria em cheio o coração do Sistema Financeiro Nacional. Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, ele próprio falou que está disposto a colaborar.
Apesar do uso de recursos públicos do Tesouro Nacional e participação em políticas públicas no Brasil e no exterior, o BNDES mantém uma política rígida de sigilo de suas operações, sendo constantemente cobrado na Justiça e no Congresso Nacional por maior transparência.
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Na avaliação do ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) Luiz Navarro, a MP 784 permite que o BNDES firme acordo de leniência, mas sem tratar de atos de corrupção.
"Trata-se de infrações diferentes, que estão sujeitas à Lei n 12.846 [Lei Anticorrupção] e cuja competência para firmar acordos de leniência é da CGU", explicou Luiz Navarro.
Teto de R$ 2 bi para pessoa física
Além de definir quem pode firmar acordos com o BC e a CVM, o texto da MP 784 também permite a aplicação de multas em valores muito maiores que os praticados até hoje. O teto para sanções do fiscal do mercado de capitais subiu de R$ 500 mil para R$ 500 milhões, ao mesmo tempo em que a fiscalização da autoridade monetária poderá aplicar multas de até R$ 2 bilhões – ante os R$ 250 mil anteriores.
A mudança era esperada por parte do mercado. <a href="https://jota.info/justica/planalto-prepara-mp-para-reformar-2a-instancia-de-bc-e-cvm-08102015">Em outubro de 2015, o JOTA publicou a intenção do governo de reformar o Processo Administrativo Sancionador</a> por medida provisória – com a íntegra do texto sob discussão à época.
Advogados, porém, alertam para a proporcionalidade entre sanções aplicadas a bancos e grandes empresas e para pessoas físicas. O art. 7º da MP 784 especifica que o teto da multa que poderá ser aplicado pelo Banco Central a quem for condenado pelos processos administrativos sancionadores.
Por não fazer distinção entre o teto aplicado para pessoa física ou jurídica administradores e controladores estão sujeitos a sanções de até  R$ 2 bilhões. Diz o texto da MP:
Art. 7<s>º</s>  A penalidade de multa não excederá o maior destes valores:
I - 0,5% (cinco décimos por cento) da receita de serviços e de produtos financeiros apurada no ano anterior ao da consumação da infração, ou, no caso de ilícito continuado, da consumação da última infração; ou
II - R$2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais).
Segundo o advogado Tiago Severo Gomes, do escritório Pinheiro Neto, especialista em direito administrativo punitivo no mercado financeiro, é preciso definir tetos diferentes antes de a MP virar lei.
"Independentemente da instância administrativa, uma decisão de carácter punitivo não deixar de ser um ato administrativo em sentido estrito", argumentou. "Para isso, os limites da discricionariedade são fundamentais para a manutenção da segurança jurídica. Caso contrário, a pena de multa pode deixar de ser educativa e sancionatória para eventualmente assumir um papel expropriatório."
As altas punições podem atingir muitas pessoas físicas em casos de recursos mantidos no exterior sem conhecimento do Banco Central – um tipo de conduta relativamente comum.
O advogado Fábio de Almeida Braga, sócio da área de Direito Bancário do escritório Demarest, aposta que o Banco Central terá bom senso para aplicar as punições e eventualmente disciplinar o tema em regulamentações no futuro.
"Não vejo como problemático pois acho que o BC tem discricionariedade para agir dentro dos limites da lei, ou seja, estabelecerá padrões proporcionais de multa para pessoa física ou jurídica", argumentou. "Caso isso não aconteça com o passar dos julgados, aí sim será arbitrário."
Há um ponto, porém, que é unânime entre os ouvidos pela reportagem: a elevação do teto de multas está diretamente atrelada a mais responsabilidade pelos órgãos reguladores.
"O desafio serão os casos em que não era fácil aplicar a dosimetria correta. Além disso, há um receio que os agentes do mercado recebam multas desproporcionais, que possam inviabilizar a operações", disse Fernando de Andrade Mota, advogado da área Societária do BMA.
O JOTA publica uma série de reportagens, artigos e entrevistas sobre a MP 784. Receba diariamente os textos publicados:
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BNDES

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JOTA

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