Felipe Recondo

Uma sequência de decisões evidencia o quadro de surdez institucional que se estabeleceu entre Executivo e o Judiciário. Um desarranjo que começa a produzir consequências negativas para as finanças públicas e para a imagem da Justiça.
Juízes e integrantes do Ministério Público garantem a si e a seus pares o recebimento do auxílio-moradia. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, pauta processos sensíveis para as contas públicas numa forma de pressionar o Executivo a concordar com o reajuste do salário dos juízes. E o governo pouco faz, preocupado como está com o segundo turno das eleições. O resultado de toda essa disputa, com ameaças e retaliações, fará do contribuinte a vítima, além de não resolver o problema que incomoda a magistratura: o progressivo desprestígio da carreira e a sempre citada deterioração das condições de trabalho.
As recentes pautas de julgamento ameaçam a saúde das contas públicas, sob escrutínio ainda maior das agências internacionais de rating. Independentemente de quem tenha razão nos casos, o uso da pauta para fortalecer a defesa de interesses corporativos pode contaminar a solução desses processos e pode virar a opinião pública contra as demandas dos magistrados.
Na semana passada, o tribunal julgava uma das mais vultosas bombas orçamentárias. Servidores públicos paulistas pedem indenização por não terem os salários reajustados anualmente. Uma decisão nesse sentido, afirmaram ministros do STF, faria o Brasil voltar ao modelo de correção monetária, com reajustes de todos os salários conforme a inflação do ano – o chamado gatilho salarial, combatido desde o Plano Real por pressionar a inflação. Ante o placar de 4 a 3, pediu vista do caso o ministro Dias Toffoli, que já havia indicado ser favorável à tese.
Nesta quarta-feira, mais três processos sensíveis para as contas fiscais. O primeiro questiona inclusão do ICMS na base de cálculo do pagamento do PIS e da Cofins. Uma conta que no passado foi estimada em R$ 90 bilhões. O segundo trata de desaposentação, um caso bilionário que afetará as contas do INSS, em que se discute a possibilidade de beneficiários da previdência recalcularem a aposentadoria a partir de novas contribuições realizadas se continuarem trabalhando.
E na terça-feira (6/10), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) reagem à decisão do governo de cortar os recursos que seriam usados para reajustar os salários de juízes e de integrantes do MP. Aprovam, no mesmo dia e com diferença de poucas horas, o pagamento de auxílio-moradia a todos os magistrados do país e a todos os promotores e procuradores.
A falta de diálogo não nasceu na gestão atual. Ao contrário, remonta às gestões dos ministros Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Nos dois últimos anos, especialmente, governo e Supremo não conseguiram chegar a acordo sequer sobre projetos de lei que seriam de interesse dos dois poderes. A discussão sobre interesses corporativos era, portanto, inviável.
O pagamento do auxílio-moradia, já aprovado e praticamente irreversível, não é o único benefício em gestação para os juízes. O presidente do STF trabalha pela aprovação do aumento salarial para a magistratura. O salário dos ministros, teto do funcionalismo público, subiria de R$ 29,4 mil para R$ 35,9 mil. 
Além disso, no Congresso tramita a proposta que cria o adicional por tempo de serviço para juízes e integrantes do Ministério Público. O texto estabelece adicional de 5% a cada cinco anos de trabalho, limitado a 35%. O benefício seria retroativo, sendo pago inclusive para magistrados e integrantes do Ministério Público que já estejam aposentados.
Em meio a este cenário, o Supremo resiste a julgar processos que questionam o pagamento de diversos benefícios a desembargadores estaduais. Pagamentos amparados por legislações estaduais sub judice e que, ao criar distorções gritantes entre os rendimentos de juízes estaduais e federais, alimentam esta confusa guerra corporativa.

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JOTA

Sequência de decisões produz consequências negativas para finanças públicas e para imagem da Justiça

Surdez prejudica relação entre Executivo e Judiciário

Sequência de decisões produz consequências negativas para finanças públicas e para imagem da Justiça