Márcio Falcão

Mariana Muniz

Por unanimidade, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça negou nesta terça-feira (6/3) a concessão de um habeas corpus preventivo para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pudesse recorrer em liberdade a tribunais superiores contra sua condenação no caso triplex, no âmbito da Lava Jato.
Os ministros consideraram que não há risco iminente de prisão do petista que justifique o HC preventivo ao ex-presidente. Isso porque o Tribunal Regional Federal da 4ª Região estabeleceu que a execução provisória da pena só será executada após o fim da fase recursal -ainda não há prazo para isso. Para os ministros, portanto, o HC preventivo seria antecipação da fase processual.
A Turma também decidiu não analisar o pedido para suspender a inelegibilidade, um dos efeitos da prisão em segunda instância, por considerar que a análise da questão implicaria em supressão de instância.
Os ministros Felix Fischer, Jorge Mussi, Reynaldo da Fonseca, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik entenderam que a execução provisória da pena não fere o princípio da presunção da inocência. A defesa de Lula pode apresentar embargos de declaração contra decisão da Turma ou recorrer ao Supremo Tribunal Federal.
Pressão
A decisão do STJ, inclusive, joga pressão sobre o Supremo, que tem outro HC do ex-presidente que também tenta evitar a prisão em segunda instância. A presidente do STF, Cármen Lúcia, tem resistido em pautar o tema, mas há movimentações internas para colocar em julgamento tanto o pedido da defesa do petista quanto o debate amplo sobre a tese da execução provisória da pena após condenação em segunda instância.
O entendimento do STJ também não representa a imediata prisão do petista. Isso porque a prisão em segunda instância só ocorre após esgotarem as chances de recursos. Como a condenação foi unânime pela 8ª Turma do TRF4, o ex-presidente teve direito ao chamado embargo declaratório. Ontem, o MPF entregou as contrarrazões pedindo a rejeição dos embargos e o início do cumprimento da pena de 12 anos e um mês pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Com isso, o relator, Gebran Neto, irá preparar o voto e depois marcar o julgamento na 8ª Turma.
O julgamento
Integrante da defesa do ex-presidente e responsável pela sustentação oral, o ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence abriu o julgamento afirmando que a ordem de prisão é inválida em vários aspectos e defendeu que o Supremo fala apenas na possibilidade - não obrigatoriedade - da prisão em segundo grau.
Em sua fala, Pertence ainda respondeu a críticas de que estaria fazendo tráfico de influência a favor de Lula ao cuidar da defesa nos tribunais superiores. O ex-ministro do STF disse que tem 57 anos de reputação firmada no Judiciário.
Ao encerrar sua exposição no STJ, Pertence afirmou que o que busca ao pedir a concessão do HC para o ex-presidente Lula é reafirmar o princípio constitucional básico da presunção de inocência que protege qualquer cidadão, "tenha amigos ou não, tenha exercido a presidência ou não”.
Na defesa de Lula, Pertence mantém o mesmo entendimento sobre execução provisória da pena que defendia quando ainda era ministro do Supremo.  "A execução da sentença, antes de transitada em julgado, é incompatível com o texto do art. 5 , LVII da  Constituição do Brasil. Colho, em voto de Sua Excelência, (no caso o Ministro Sepúlveda Pertence) , no julgamento do HC nº 69.964, a seguinte assertiva - (agora, palavras do Ministro Sepúlveda Pertence): "(...) quando se trata de prisão que tenha por título sentença condenatória 
recorrível, de duas, uma: ou se trata de prisão cautelar, ou de antecipação do cumprimento da pena. 
(...) E antecipação de execução de pena, de um lado, com a regra constitucional de que ninguém será considerado culpado antes que transite em julgado a condenação, são coisas, data venia, que hurlent de se trouver ensemble. (...)", afirmou.
Votos
Ao longo de três horas de julgamento, os ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça deram sinais sobre como veem a situação do ex-presidente Lula na Corte após o fim dos recursos no TRF4. Os cinco integrantes defenderam a possibilidade de prisão em segunda instância, mas destacaram que excepcionalidades podem suspender a medida.
Portanto, o principal recado para a defesa de Lula foi no sentido de que será preciso apontar alguma excepcionalidade no caso do petista para conseguir que o colegiado se manifeste a favor de permitir que o ex-presidente recorra em liberdade, uma vez que a regra é a prisão em segunda instância.
Nos votos, os integrantes do colegiado ainda fizeram questão de reforçar que atuam de forma técnica e que estão apenas seguindo o entendimento do Supremo sobre a prisão em segunda instância.
Relator, Félix Fischer fez o voto mais duro e citou decisão do TRF-4 que confirmou a condenação por corrupção e lavagem de dinheiro, e ressaltou sobretudo a gravidade dos crimes de colarinho branco. 
"Frente a tais considerações não se vislumbra qualquer ilegalidade de que o paciente [Lula] venha a iniciar o cumprimento provisório da pena. Denego a ordem de habeas corpus", concluiu Fischer.
O ministro ainda fez questão de citar vários votos dos colegas da Turma nesse sentido. Fischer destacou que o entendimento do Supremo até 2009 era pela possibilidade da prisão em segunda instância, o que foi retomado em 2016. O relator destacou que essa autorização já ocorria sob os efeitos da Constituição de 1988.
Fischer ainda ressaltou que não é o momento de tratar sobre a suspensão da inelegibilidade de Lula, uma das consequências da condenação em segunda instância.“Nesse painel, a peculiaridade da situação é que ditará excepcionalmente atribuir efeito suspensivo ao recurso especial ou recurso extraordinário e com isso obstar o início da execução da pena."
Em seu voto, o ministro Jorge Mussi afirmou que não se pode utilizar a via do habeas corpus que não há o risco de prisão iminente de Lula que justificasse o recurso preventivo. Portanto, o risco de prisão não representa ameaça à liberdade.
"Não se pode utilizar o habeas corpus para obstaculizar eventuais ilegalidades ou constrangimentos ainda não existentes e que sequer se sabe se eles ocorrerão ou se poderão ser reconhecidos", declarou o ministro.
Presidente da Quinta Turma, Reynaldo da Fonseca deu o voto decisivo pela rejeição do HC e reforçou que a possibilidade de execução provisória da pena é o atual entendimento do Supremo. "Na seara constitucional a última palavra é do Supremo Tribunal Federal. Não cabe às instâncias ordinárias nem ao STJ alterar o entendimento da Suprema Corte. Somente os membros da Suprema Corte podem alterar, mitigar o efeito vinculante”, afirmou.
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas afirmou que já se manifestou a favor da prisão em segunda instância desde sua sabatina para o cargo. “Em todos os casos em que se discutiu a pena privativa de liberdade, salvo quando havia ilegalidades, esta corte superior entendeu que a execução deveria ter início”, disse.
Joel Parcionik ressaltou que recursos contra a condenação ao próprio STJ e o STF não têm efeito suspensivo, para evitar a prisão após a condenação de segunda instância. “É certo que referida ameaça [de prisão após esgotamento da segunda instância] não decorre de ato ilegal, mas de condenação confirmada em grau de recurso de apelação", afirmou.
A seguir
O habeas corpus preventivo no STJ foi apresentado pela defesa de Lula em janeiro de 2018, quando a corte estava de recesso. Assim, o pedido de liminar foi julgado não pelo relator, mas pelo vice-presidente do STJ, ministro Humberto Martins. Ele negou a solicitação dos advogados do ex-presidente. 
Segundo o ministro, como Lula ainda tinha direito a recorrer ao próprio TRF, não havia risco imediato de prisão.
A negativa do habeas corpus não encerra a batalha jurídica ainda no STJ. Lula pode contestar a condenação via recurso especial e pedir uma decisão provisória (cautelar) do STJ para suspender os efeitos do acórdão do TRF4. No recurso especial, para o STJ, os advogados podem atacar questões processuais e de interpretações de leis, alegando que o Direito foi mal aplicado ao seu caso, como na situação de haver falhas na produção de provas, entre outros.
Se eventualmente o TRF4 autorizar início da execução da pena, cabe ainda um novo habeas corpus ao STJ, além de recursos ao STF. Além do HC no STF, os advogados podem apresentar o recurso extraordinário, apontando alguma questão constitucional a ser enfrentada pelo tribunal no caso, como desrespeito aos princípios do amplo direito de defesa, do juiz natural e devido processo legal, entre outros.
Os recursos aos tribunais superiores, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), são interpostos no TRF4. A partir da publicação do acórdão dos embargos de declaração, a parte deve interpor o recurso dirigido à vice-presidência no prazo de 15 dias corridos. Depois desses 15 dias, a parte contrária pode apresentar contrarrazões em 15 dias. Encerrados os prazos, o processo fica na dependência da decisão da vice-presidente do tribunal.
Os recursos especial (STJ) e extraordinário (STF) são submetidos à Vice-Presidência, que realiza o juízo de admissibilidade, verificando o preenchimento dos requisitos necessários ao recebimento e remessa aos tribunais superiores.
Na prática, isso funciona como um filtro de acesso às instâncias superiores. Nos casos de interposição conjunta de recurso especial e extraordinário, após o juízo de admissibilidade, os autos serão remetidos ao STJ que, concluindo o julgamento do recurso especial, remete o recurso extraordinário ao STF, caso este não esteja prejudicado.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Decisão pressiona STF a decidir sobre caso do ex-presidente ou ações que tratam da execução provisória da pena

STJ nega HC preventivo para Lula evitar prisão em 2ª instância

Decisão pressiona STF a decidir sobre caso do ex-presidente ou ações que tratam da execução provisória da pena