Até que ponto uma marca pode usar --sem abusar-- da criatividade em suas campanhas publicitárias para aumentar o interesse sobre seus produtos? O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) parece ter estabelecido um limite na semana passada, ao julgar reclamações contra duas marcas por suposto abuso no uso do chamado “storytelling”.
Segundo especialistas em direito do consumidor ouvidos pelo Jota, esse limite é a verdade – ou, pelo menos, uma ligação mínima com ela.
Foi o que faltou à fabricante de sorvetes “gourmet” Diletto, que baseou sua estratégia de marketing na história do avô de um dos fundadores, que teria inventado a fórmula do gelato na Itália, no início do século passado. Acontece que a história era falsa, criada para agregar valor ao produto.
Ao julgar o caso, o órgão recomendou que a Diletto acrescente um disclaimer às embalagens, explicando que a história era fictícia.
“Ninguém quer proibir as campanhas de marketing das marcas. O que se busca é harmonizar os interesses legítimos das empresas de fazer marketing e a proteção aos direitos do consumidor”, comenta Patrícia Helena Marta, do TozziniFreire Advogados, para quem a decisão do Conar foi “sensata”.
Segundo Patrícia, a decisão deve influenciar o mercado publicitário, que deverá ter mais cautela. “As estratégias de marketing vão e devem continuar a ser utilizadas, mas a empresa não pode se descuidar da informação que é passada ao consumidor”, acrescenta. “O storytelling pode se basear em fatos reais ou fictícios. Se forem fictícios, é recomendável o alerta ao consumidor”.
“Decisões recorrentes no mesmo sentido pelo Conar tendem a alterar a estratégia de marketing das empresas”, concorda a advogada Letícia Zuccolo Paschoal da Costa, do Edgard Leite Advogados, que no entanto alerta: “Mas não se pode negar que mesmo em casos mais pacíficos no órgão –que envolvam publicidade para criança, por exemplo— ainda existe publicidade em desacordo”.
Por pouco
Se o Conar foi rígido com a propaganda da Diletto, a fabricante carioca de sucos Do Bem teve mais sorte. Acusada de tentar ludibriar os consumidores com a história de que as laranjas usadas para fabricar seus sucos são "colhidas fresquinhas todos os dias, vêm da fazenda do senhor Francesco do interior de SP”, a empresa teve seu processo arquivado.
A Do Bem conseguiu provar, por meio de uma nota fiscal, que um de seus fornecedores realmente se chama Francisco, apesar de as frutas também serem processadas por empresas grandes, como a Brasil Citrus, que fornece para outras marcas. Ou seja, a história contada nas caixinhas se baseou em fatos reais.
Mas isso não foi o suficiente para convencer o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). “O Idec entende que as duas empresas utilizaram-se de propaganda enganosa”, afirma a advogada Claudia Almeida. “A sucos Do Bem faz o consumidor entender que se trata de um produto orgânico, que remete à agricultura familiar. Leva o consumidor a erro”.
No entanto, a advogada do Idec vê poucas chances de um consumidor que tenha se sentido enganado consiga uma indenização na Justiça. “O consumidor teria que conseguir provar que comprou o produto influenciado por aquela propaganda. A Justiça brasileira não é tão rigorosa em ações de consumidores contra empresas como é no Estados Unidos, por exemplo”.
Por outro lado, Claudia classifica a decisão do Conar sobre a Diletto como um marco. “Essa estratégia de marketing [o storytelling] vai ter que ser repensada. A marca pode usar a criatividade desde que ela não conte uma mentira para agregar valor ao produto”, conclui.

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JOTA

Decisão do Conar contra propaganda da Diletto serve de alerta ao mercado publicitário

Limites para o storytelling

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