
O procurador José Augusto Vagos, o decano da força-tarefa da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro, investiga crimes de corrupção há duas décadas. Em longa entrevista ao JOTA, ele conta como andam os preparativos do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ) para criar forças-tarefa no estilo dos grupos de combate à corrupção dos MPs estaduais e, assim, tornar permanente o modelo de dedicação exclusiva aos casos de colarinho branco. Para ele, isso faz parte da reflexão de que a Lava Jato não é um “fim em si mesma”.
“A Lava Jato não tem um fim em si mesma, a repressão que ela ostenta, e que é passageira, deveria abrir as portas para a prevenção, para que desvios de dinheiro público não mais ocorressem. Ou, pelo menos, não assim, de forma tão despudorada”, avalia o procurador da República.
Para ele, a corrupção está longe de acabar, como sugeriu o presidente Jair Bolsonaro no início de outubro. “Se você questiona o fim da Lava Jato por falta de outros fatos ilícitos ou investigações, posso dizer que também por esse viés a FT do RJ estaria longe de ser extinta”, diz. “Veja que nas últimas semanas fizemos operações contra a corrupção cometida por auditores fiscais e dois ex-deputados federais. Pedimos a prorrogação da FT à PGR porque estamos em franca atividade, após um complexo de operações que já passou por 51 fases, praticamente uma por mês, sem recuar durante a pandemia.”
Ao defender um modelo de organização ao estilo dos Gaecos estaduais, Vagos destaca que a Força Tarefa do Rio investigou organizações capilarizadas no espaço, alcance e crimes, todos de elevado grau de sofisticação e complexidade. “Identificamos, por exemplo, mais de 20 tipologias de lavagem de dinheiro, até a nível transnacional”, diz.
Os investigadores tiveram acesso aos sistemas dos maiores doleiros do país, que registram sofisticadas “operações de dólar-cabo, pagamentos em espécie com uso de pessoas e empresas intermediárias para distanciar o dinheiro da sua origem ilícita, e que revelam crimes antecedentes de corrupção e sonegações multimilionárias”. “Não dá para deixar de investigar, o interesse público exige. São fatos gravíssimos e somos poucos, apenas 12 procuradores (8 com dedicação exclusiva), um grupo pequeno e com modesto apoio de servidores, diante da magnitude dos fatos”, avalia o procurador da República.
Vagos vê semelhanças da Lava Jato com a Operação Mãos Limpas no processo de reação da política — e, para ele, a reação “vem muito mais por acertos de investigações do que por erros, que existem e devem ser corrigidos”.
Um dos exemplos dessa reação aconteceu neste ano no âmbito da operação Esquema $, que investigou crimes envolvendo desvios de recursos federais do Sesc e Senac do Rio, inclusive com uso de escritórios de advocacia. Vagos diz que Orlando Diniz, ex-gestor do Sistema S no Rio de Janeiro, gastou R$ 600 milhões em contratos advocatícios e de publicidade nos últimos quatro anos sem qualquer controle finalístico ou de escopo, sem licitação e sem ser impedido desses descalabros pelos órgãos a quem cabe fiscalizá-las. “É preciso discutir onde estão as falhas e prevenir reiterações, mas até agora não se viu nenhum movimento neste sentido”, afirma Vagos.
Pelo contrário, avaliou o procurador da República, a operação gerou forte reações da advocacia e de ministros de Corte Superiores, e suspensa há 77 dias por força de uma liminar do ministro Gilmar Mendes. Vagos sustenta que, em nenhum momento, os procuradores da República investigaram ministros de cortes superiores — inclusive um dos ministros citados foi descrito pelo MPF como vítima de um esquema de vendas de sentenças.
“Alguns acusados, seccionais da OAB e até o ministro do STJ que proferiu aquela liminar [ministro Napoleão Nunes] ajuizaram Reclamações no STF alegando que procuradores da FT usurparam sua competência, porque estariam investigando magistrado com foro na Suprema Corte”, diz Vagos, acrescentando jamais o investigamos direta ou indiretamente.
“Esclarecemos em nossas informações, como partes reclamadas em uma delas, que o magistrado reclamante era, na verdade, vítima dos fatos (!). Mostramos a denúncia por exploração de prestígio, onde o magistrado aparece como vítima da “venda de fumaça”, e reafirmamos que jamais o investigamos direta ou indiretamente. E esclarecemos que quem poderia fazê-lo (PGR) declinou formal e justificadamente. A PGR concordou em parecer, até porque ela também teria sido usurpada em suas atribuições caso a história fosse verdadeira. Mas, mesmo assim, as Reclamações foram admitidas e numa delas decisão liminar do ministro Gilmar Mendes suspendeu a ação penal, as buscas e toda a operação”, narra Vagos ao JOTA.
Segundo ele, o efeito dessa suspensão é que duas ações penais já propostas e as investigações estão paralisadas. “Todo o material telemático, bancário e telefônico obtido com quebras judiciais mais recentes ficou pendente de apreciação”, afirma. “Seguem inviabilizados o exame do material extraído de computadores e smartphones apreendidos, que costumam ter elementos valiosíssimos às investigações, além de documentos e um chip de memória jogado durante as buscas no vaso sanitário por um investigado por ser o “maleiro” de um advogado responsável por desvios.”
Vagos também critica a tramitação em urgência do PL 5284/2020, que altera uma série de dispositivos do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para ele, da maneira como foi redigido, o texto praticamente “inviabiliza que advogados sofram buscas ou sejam delatados em acordos de colaboração, privilégio que daria imunidade a uma categoria de 1 milhão de pessoas”. “A operação E$quema S deveria ter aberto a reflexão a isso, e não o oposto. Tenho certeza que os advogados sérios, que são esmagadora maioria, concordam que regras de compliance deveriam ser exigidas por lei”, afirma.
Questionado sobre o excesso de delações premiadas usados pela Lava Jato, Vagos avalia que, no Rio, a operação denunciou 550 pessoas e apenas 38 são colaboradores.
Confira a íntegra da entrevista com o procurador da República José Augusto Vagos
A operação Esquema $, que trata de fatos relacionados ao Judiciário e advogados, completa 70 dias suspensa por decisão do STF nesta segunda-feira (14/12). Por que há tantos obstáculos para investigar o Judiciário no Brasil quando fatos graves são delatados e investigados?
Há de fato investigações mais complexas a depender dos envolvidos, mas o Judiciário não está imune a elas. Basta ver que dias atrás duas desembargadoras do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) foram presas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas a operação Esquema $, de primeira instância, não investigou o Judiciário, e sim um grupo de advogados que vendia influências junto a esse Poder e ao TCU. Claro que chamou a atenção um advogado, filho de ministro do STJ, receber R$ 80 milhões em honorários para supostamente remunerar uma única obrigação de resultado, que seria uma liminar no interesse pessoal do então gestor das entidades do Sistema S no Rio de Janeiro. E comprovadamente sem serviço jurídico prestado. Muitos contratos advocatícios tinham falsos escopos e datas retroativas e eram feitos pela Fecomércio, pagos com dinheiro público do Sesc e Senac Rio, sem licitação e controle de conselhos fiscais e do TCU.
Esse mesmo gestor, após firmar colaboração premiada com o MPF, admitiu que os valores, pagos a pretexto de honorários (somando R$ 151 milhões desviados e já objeto de acusação formal), eram cobrados e pagos para a prática de tráfico de influência e exploração de prestígio, na expectativa de ele se manter na gestão das entidades paraestatais custe o que custasse. A Procuradoria-Geral da República, no uso de sua exclusiva opinio delicti quanto a autoridades com foro no STF, concluiu que a narrativa do colaborador não trazia indícios mínimos de corrupção por magistrados. Então, devolvida a investigação para a força-tarefa e produzidas as provas – e não foram poucas –, a conclusão foi de que alguns advogados se valiam de proximidade ou parentesco com ministros do STJ e do TCU para convencer o cliente de que valores exorbitantes deveriam ser pagos se quisesse decisões em seu favor. Não há provas de valores desviados parando nas mãos de magistrados.
Apesar disso, alguns acusados, seccionais da OAB e até o ministro do STJ que proferiu aquela liminar ajuizaram Reclamações no STF alegando que procuradores da Força Tarefa (FT) usurparam sua competência, porque estariam investigando magistrado com foro na Suprema Corte. Esclarecemos em nossas informações, como partes reclamadas em uma delas, que o magistrado reclamante era, na verdade, vítima dos fatos (!). Mostramos a denúncia por exploração de prestígio, onde o magistrado aparece como vítima da “venda de fumaça”, e reafirmamos que jamais o investigamos direta ou indiretamente. E esclarecemos que quem poderia fazê-lo (PGR) declinou formal e justificadamente. A PGR concordou em parecer, até porque ela também teria sido usurpada em suas atribuições caso a história fosse verdadeira. Mas, mesmo assim, as Reclamações foram admitidas e numa delas decisão liminar do ministro Gilmar Mendes suspendeu a ação penal, as buscas e toda a operação.
A situação ficou até inusitada: dissemos à vítima que ela não é suspeita, mas ela insistiu em ser tratada como suspeita… Alguns acusados insistiram em dizer que ela não era vítima, e seccionais da OAB também! A PGR não viu indícios contra ela, mas ela, a vítima, disse que havia ou deveria haver… Nunca tinha visto alguém não investigado achar que deve ser considerado suspeito – e com apoio da OAB! Enfim, esse paradoxo serviu de argumento ao manejo de uma “ação canguru”, que abriu as portas para a apreciação dos argumentos pelo ministro do STF prevento nos processos da Lava Jato/RJ.
Como essa suspensão afeta o andamento das investigações?
Duas ações penais já propostas e as investigações estão suspensas até o STF definir seus destinos. Todo o material telemático, bancário e telefônico obtido com quebras judiciais mais recentes ficou pendente de apreciação. Seguem inviabilizados o exame do material extraído de computadores e smartphones apreendidos, que costumam ter elementos valiosíssimos às investigações, além de documentos e um chip de memória jogado durante as buscas no vaso sanitário por um investigado por ser o “maleiro” de um advogado responsável por desvios. Esse, segundo o ex-gestor do Sistema S fluminense, devolveu R$ 2 milhões a ele (kickback), prática que seria comum a vários acusados e que vinha sendo investigada.
Esse vácuo investigatório é acompanhado de um silêncio sepulcral sobre questões sensíveis. Não era de se esperar uma reflexão profunda sobre disfuncionalidades que podem fazer crer que julgamentos não seriam justos ou que magistrados de alta corte teriam sua isenção e honorabilidade postas em dúvida? Sem contar o não menos ensurdecedor silêncio quanto ao descontrole na gestão das paraestatais do Sistema S, financiadas por contribuições compulsórias incidentes sobre a folha de pagamentos e repassadas pelos comerciários à Receita Federal. Elas oneram a todos, empresários e consumidores, e deveriam, pela lei, ser investidas na qualidade de vida (Sesc) e no aperfeiçoamento profissional (Senac) das centenas de milhares de comerciários do Estado do Rio de Janeiro.
Para se ter uma ideia, em quatro anos o então gestor dessas entidades fluminenses gastou R$ 600 milhões em contratos advocatícios e de publicidade, o que é quase seu orçamento anual, sem qualquer controle finalístico ou de escopo, sem licitação e sem ser impedido desses descalabros pelos órgãos a quem cabe fiscalizá-las. É preciso discutir onde estão as falhas e prevenir reiterações, mas até agora não se viu nenhum movimento neste sentido… A Lava Jato não tem um fim em si mesma, a repressão que ela ostenta, e que é passageira, deveria abrir as portas para a prevenção, para que desvios de dinheiro público não mais ocorressem. Ou, pelo menos, não assim, de forma tão despudorada.
Muito se fala sobre o combate à corrupção. E alguns dizem que a Lava Jato acabou. Como o senhor entende esta declaração?
Depende do que se entende por “acabar”. Pouquíssimas operações grandes nos últimos 15 anos “acabaram”. Delas vieram ações penais que, em sua maioria, ainda tramitam. Então, sob esse viés, a Lava Jato não acabou nem acabará tão cedo. Veja os números da LJ/RJ: 100 ações penais ajuizadas contra 550 pessoas, mais de 2.000 processos cautelares e R$ 2,2 bilhões de valores já ressarcidos aos cofres públicos, com muitos outros bilhões a ressarcir em bens e valores bloqueados. Esses números resultam de investigações conduzidas pelo MPF e a Polícia Federal, que já demandaram e ainda vão demandar, sem exagero, milhares de atos processuais e extraprocessuais entre audiências, oitivas, reuniões, participação em buscas, pedidos de cooperação internacional etc. Daí o MPF ter de manter uma estrutura apta a dar conta do trabalho silencioso nas ações e medidas cautelares, onde os melhores escritórios de advocacia do país estão sempre a nos desafiar. É preciso constante interlocução com outras instâncias do MPF que trabalham junto a tribunais, nos processos, habeas corpus e sessões. Aliás, esses colegas são extremamente competentes e graças a eles a maioria dos atos da FT do RJ têm sido legitimados pelo TRF2, STJ e STF.
Se você questiona o fim da Lava Jato por falta de outros fatos ilícitos ou investigações, posso dizer que também por esse viés a FT do RJ estaria longe de ser extinta. Veja que nas últimas semanas fizemos operações contra a corrupção cometida por auditores fiscais e dois ex-deputados federais. Pedimos a prorrogação da FT à PGR porque estamos em franca atividade, após um complexo de operações que já passou por 51 fases, praticamente uma por mês, sem recuar durante a pandemia. Temos potencial para muitas outras, diante do material já arrecadado em todas essas fases. Essa prorrogação também será necessária na transição da FT, que é provisória, à estrutura que vier a absorver seus trabalhos.
Sob outra vertente, os efeitos positivos da Lava Jato ou outras grandes operações deveriam ser permanentes. Falo na mudança nas rotinas burocráticas, nos elos entre o público e o privado, nas leis, em sistemas de conformidade, para se prevenir crimes. Para dispensar grandes operações anticrimes em desfavor da administração pública. Um exemplo após a prisão e o afastamento de cinco conselheiros do TCE/RJ (Op. Quinto do Ouro): a fiscalização sobre contratos e serviços ficou mais rígida, com aumento considerável das multas aplicadas. É claro que inibe a corrupção e desvio nas licitações e contratos. Esse o verdadeiro papel das cortes de contas. Mas infelizmente também se veem efeitos negativos, como mudanças de jurisprudências e leis para dificultar investigações.
O senhor vê uma reação do sistema político no Brasil semelhante à que ocorreu na Itália durante a Operação Mãos Limpas?
Sim, e acredito que todos veem facilmente. E a reação vem muito mais por acertos de investigações do que por erros, que existem e devem ser corrigidos. Quando o ministro Luís Roberto Barroso lançou o livro “Sem data venia: um olhar sobre o Brasil e o mundo”, comentou uma articulação pela mudança de entendimento do STF sobre a possibilidade de execução da pena após julgamento em segunda instância, e a “revanche dos que pretendem que tudo permaneça como sempre foi”. Com isso, principalmente os processos criminais do colarinho branco voltam a um estado de eternização, até a prescrição. A pena nunca é cumprida e os cofres públicos deixam de ser ressarcidos. Claro que a posição jurisprudencial reinstaurada estimula a prática de ilícitos, em vez de inibi-los.
Há também reações no Legislativo, como ao desvirtuar o “pacote anticrimes”, aprovar a Lei do abuso de autoridade e agora aprovar regime de urgência na Câmara para o projeto de lei que insere no estatuto da advocacia dispositivos que, a pretexto de preservarem a garantia da inviolabilidade entre advogados e clientes, conferem verdadeira carta branca para a lavagem de dinheiro, como a figura da “consultoria verbal” sem “procuração ou contrato”. Vimos casos assim na operação Calicute, primeira fase da Lava Jato/RJ. Note que o projeto, como está, praticamente inviabiliza que advogados sofram buscas ou sejam delatados em acordos de colaboração, privilégio que daria imunidade a uma categoria de 1 milhão de pessoas. A operação E$quema S deveria ter aberto a reflexão a isso, e não o oposto. Tenho certeza que os advogados sérios, que são esmagadora maioria, concordam que regras de compliance deveriam ser exigidas por lei. Mas setores do Parlamento sinalizam em sentido contrário com esse projeto, desprezando recomendações da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) e do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro (Gafi) às vésperas de o país ser avaliado sobre a eficiência dos seus mecanismos de controle.
A Força Tarefa do Rio de Janeiro vem descobrindo casos novos a cada mês, ampliando o escopo das diligências. Nesse sentido, há discussão sobre uma transição das Forças Tarefa para um modelo no estilo dos Gaecos para tornar permanente o modelo de investigação integrada. Como tem sido essa questão?
Essa discussão é muito importante. O CSMPF discute hoje um projeto para normatizar forças-tarefas no MPF, que existem há muitos anos, sendo bem conhecida a do caso Banestado, entre 2003 e 2007. Também há grupos de trabalho criados via designação especial pedida pelo procurador natural da causa ao PGR, para crimes complexos. Na essência, as FT e os GT não diferem e é consenso que ambos devem ser provisórios, visto que normalmente são concebidos para investigar e processar um conjunto de crimes proveniente de uma mesma quadrilha ou organização criminosa.
Ocorre que a FT/RJ se deparou com organizações capilarizadas no espaço, alcance e crimes, todos de elevado grau de sofisticação e complexidade. Identificamos, por exemplo, mais de 20 tipologias de lavagem de dinheiro, até a nível transnacional. Tivemos acesso aos sistemas dos maiores doleiros do país, que registram sofisticadas operações de dólar-cabo, pagamentos em espécie com uso de pessoas e empresas intermediárias para distanciar o dinheiro da sua origem ilícita, e que revelam crimes antecedentes de corrupção e sonegações multimilionárias. Não dá para deixar de investigar, o interesse público exige. São fatos gravíssimos e somos poucos, apenas 12 procuradores (8 com dedicação exclusiva), um grupo pequeno e com modesto apoio de servidores, diante da magnitude dos fatos. Por isso, e por investigar corrupção estrutural, não apenas circunstancial, a FT se estende por mais de quatro anos. Mas para que essa estrutura não se perpetue no tempo, e não é desejável que isso ocorra, está em discussão no MPF/RJ a criação do Gaeco, tal como já criado em outras unidades.
Como se daria esse procedimento? Quais as vantagens?
Seria uma estrutura permanente, com ofícios ocupados por colegas que concorrem às vagas por afinidade com o tema e esperando que encontrem condições de trabalho favoráveis. Se fosse diferente, ninguém se aventuraria a sair do ofício atual, trocar o certo pelo incerto frente a crimes altamente complexos e de trabalho extenuante. A iniciativa de criar Gaecos é de cada unidade do MPF nos Estados, em divisão de trabalho cuja homologação cabe ao CSMPF. Será fundamental a PGR dotar ofícios com atribuição exclusiva e meios materiais e humanos para os trabalhos. No caso da LJ/RJ, a equipe está bem ajustada e produzindo resultados incontestáveis. Para essa eficiência não se perder, deve haver tempo minimamente razoável de transição entre modelos, até para compartilhamento das técnicas, experiências, conhecimentos e interlocuções com órgãos nacionais e internacionais acumulados nestes anos. Se isso ocorrer, vejo grade vantagem ao interesse público a estrutura do Gaeco no MPF/RJ, que poderia ir absorvendo não só feitos da LJ mas outros contra organizações criminosas em todo o estado.
Por que a Lava Jato do Rio sempre acaba voltando a fazer operações sobre a quadrilha do MDB do Rio? É como uma boneca-russa?
As investigações recaem sobre fatos, não sobre pessoas ou partidos. Mas é sabido que no Rio de Janeiro o PMDB era representado por lideranças nacionais e dominava ou tinha influência direta no Executivo e no Legislativo. Então a recorrência da sigla é efeito natural dos fatos investigados. É mais ou menos como nessa boneca. No brinquedo, cada nova boneca é necessariamente menor do que a anterior. Nas operações, nunca se sabe se a próxima será menor ou maior que a anterior.
Ficou mais fácil provar corrupção na Justiça depois da Lava Jato?
Acredito que a partir da Lei 12.850/2013, especialmente sobre a disciplina da colaboração premiada como técnica especial de investigação, os inquéritos e procedimentos investigatórios de corrupção, organizações criminosas e lavagem de dinheiro passaram a ser mais efetivos e céleres. Não só nas operações da Lava Jato, mas em todas as outras. Também a cooperação internacional tem um papel fundamental nesse processo.
Qual a diferença do standard probatório em relação a escândalos recentes, como Silveirinha?
Silverinha é réu até hoje no caso Propinoduto, da chamada “máfia dos fiscais” no Rio de Janeiro, sentenciada em 2003, logo quase 18 anos. Há mais de US$ 33 milhões bloqueados na Suíça aguardando a condenação definitiva que talvez não venha antes da prescrição. Ele era tesoureiro de campanha da então candidata ao governo do RJ, Rosinha Garotinho, e sua esposa assessora do então presidente da Alerj, Sérgio Cabral. Os recursos previstos no CPP e os gargalos nos tribunais que tornam alguns processos eternos até prescreverem existem até hoje… mas quem sabe se na época fosse previsto o instituto da colaboração premiada e o Silverinha se tornasse colaborador ? Será que o Rio não teria sido administrado por outros governadores e não os que acabaram presos por corrupção? No mínimo, se ele fosse colaborador, esses valores na Suíça já teriam sido repatriados. Veja que os US$ 101 milhões do Cabral retornaram aos cofres públicos brasileiros em apenas três meses porque a repatriação foi pactuada em acordo de colaboração com os seus doleiros. Não fosse assim, teriam que aguardar uma distante condenação definitiva.
Existe um limite para a quantidade de delatores na Lava Jato-RJ ou todo réu pode ganhar o direito de assinar delação?
Não existe limite. Cada situação é analisada individualmente e ao MPF cabe avaliar se a sociedade tem a ganhar mais com a colaboração ou não, em termos de revelação de fatos e coautores de crimes, restituição de bens e valores, e pena a pactuar. Na LJ/RJ já foram denunciadas 550 pessoas e apenas 38 são colaboradores.
Forças-tarefas como a Lava Jato podem ser um exemplo de Justiça multiportas, estimulada no novo CPC?
Em matéria criminal, todas as soluções de conflitos passam necessariamente pela tutela jurisdicional do Estado, mesmo nos casos de transação penal, acordo de suspensão do processo, acordo de não persecução penal ou colaboração premiada. Em relação aos nossos colaboradores, estamos mais próximos do conceito de Justiça Restaurativa, em busca de pacificação das relações entre criminoso e vítima – neste caso, a própria sociedade. Além de reconhecer a prática de crimes e receber uma pena por isso, o colaborador se obriga a apontar ao Estado caminhos para apurar delitos e ressarcir o prejuízo que causou.
Quais as expectativas da FT do Rio para 2021?
Conseguir dar cabo das investigações em andamento, promover denúncias que faltam, sanear os processos e conseguir uma transição segura para um modelo perene (Gaeco) sem que haja descontinuidade quanto aos projetos e resultados, e no qual as boas práticas e experiências possam ser aproveitadas no combate à corrupção e ao crime organizado.
O episódio 47 do podcast Sem Precedentes analisa o julgamento do Supremo Tribunal Federal que decidiu pela inconstitucionalidade da reeleição dos presidentes do Congresso. Ouça: