O youtuber Júlio Cocielo não terá de pagar R$ 7,5 milhões de indenização por tuítes considerados racistas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). A decisão foi tomada pelo juiz Caramuru Afonso Francisco, da 18ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo.
Em setembro de 2018, os promotores de Justiça Eduardo Valério e Bruno Orsini Simonetti, do MPSP, ajuizaram uma ação civil pública em que pediam para que Júlio Cocielo pagasse R$ 7 milhões por dano social coletivo. Para chegar a esse valor, os promotores multiplicaram o número de seguidores do youtuber na rede social Twitter, plataforma na qual ele publicou dezenas de tuítes considerados racistas, por R$ 1.
A ação foi motivada pelas publicações de Júlio Cocielo no Twitter, durante a Copa do Mundo de 2018, quando ele afirmou que o jogador francês Kylian Mbappé “conseguiria fazer uns (sic) arrastão top na praia, heim?”.
Além desse tuíte, a Promotoria anexou diversas outras publicações nas quais o youtuber ofende negros. Em 28 de dezembro de 2013, Júlio Cocielo escreveu que “o Brasil seria mais lindo se não houvesse frescura com piadas racistas. Mas já que é proibido, a única solução é exterminar os negros”.
O youtuber também postou no dia 11 de dezembro do mesmo ano: “gritei VAI MACACA pela janela e a vizinha negra bateu no portão de casa pra me dar bronca.”
Júlio Cocielo não é racista, diz juiz
O magistrado Caramuru Afonso Francisco considerou que Júlio Cocielo não agiu “com dolo, culpa grave nem se apresenta como exemplo negativo, não é racista nem jamais defendeu o supremacismo racial, o que, na lição de Antonio Junqueira de Azevedo, descaracteriza a sua conduta como ensejadora de responsabilização civil por danos sociais”. Leia a íntegra da decisão.
O que o youtuber fez, afirma o juiz, foi se utilizar da “zombaria de estereótipos”, “inclusive para, dentro do papel social do humorista, levar a sociedade a refletir sobre o ranço discriminatório que ainda existe na sociedade e que precisa ser superado dentro de uma sociedade que se diz fraterna, mas uma sociedade que também prima pela liberdade e que jamais pode compactuar com a imposição do “discurso politicamente correto”.
Ele afirma que não há qualquer respaldo jurídico para se entender
que piadas, como as de Júlio Cocielo, que se utilizem de estereótipos que podem ter surgido em ambiente impregnado de racismo sejam considerados como discurso de ódio e que tenham potencialidade ofensiva, que causem danos sociais, como preconizado na petição inicial.
“Quando se verifica o requerido, é inegável que ele não se enquadra no fenótipo da ‘gente branca, de olhos azuis’, como certa vez mencionou o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando trouxe bem a ideia que perpassa toda a discussão a respeito do racismo, em que se considera que há um grupo dito ‘superior’, que teria ‘supremacia’, os ‘brancos’ e o grupo dito ‘inferior’, que seriam os ‘negros”, escreveu o magistrado.
Ele afirma que, a despeito do que considera o Ministério Público, “tem-se claramente que é a este grupo que pertence o requerido que, se hoje faz parte de uma classe social dita alta, por causa do sucesso que alcançou em sua atividade, é, sim, de um histórico nitidamente vinculado à plebe e às camadas onde, normalmente, estão os negros e ditos pardos ou mestiços, em decorrência da própria história do país, o último a abolir a escravatura no Ocidente”.
Ao julgar a ação improcedente, o magistrado também analisa diversas postagens de Júlio Cocielo:
“Para tanto, o autor traz um post de 11/12/2013, que está às fls.9: “gritei VAI MACACA pela janela e a vizinha negra bateu no portão de casa pra me dar bronca”. Veja-se que este post se deu, segundo o autor, no dia do jogo da Copa SulAmericana de futebol masculino entre a Ponte Preta e o Lanús e todos sabem que a Ponte Preta é conhecida como “macaca”.
Procurou o requerido associar os negros a macacos, ou quis denunciar, em tom de humor, o estereótipo existente?
A defesa do extermínio dos negros estaria demonstrada no post datado de 28/12/2013, constante de fls.14, em que está escrito: “o brasil seria mais lindo se não houvesse frescura com piadas racistas, mas já que é proibido, a única solução é exterminar os negros”.
Há aqui uma defesa do extermínio dos negros ou uma crítica ao discurso politicamente correto, identificado como a “frescura com piadas racistas”?
A associação que o requerido faria de negros a ladrões estaria presente no post já mencionado, que deu origem à presente demanda, onde, também, há de se perguntar: o comentário sobre o jogador da seleção francesa se deveu à cor da sua pele ou à sua velocidade?
Há o post datado de 20/9/2012, constante de fls.8, em que o requerido afirma: “se o cara dos racionais falar ‘mão para cima’ eu não sei se é assalto ou comemoração’. Há aqui a vinculação da cor negra ao crime ou do próprio ambiente dos artistas de rap, que enaltecem a droga e o próprio narcotráfico?
No post datado de 2/11/2010, o requerido afirma: “Porque o Kinder ovo é preto por fora e branco por dentro?… porque se ele fosse preto por dentro o brinquedinho seria roubado, kkk#maldade”. Existe aqui uma consideração de que os negros são criminosos, ou uma denúncia deste estereótipo existente na sociedade, tanto que de imediato diz que isto seria “maldade”?
No post datado de 24/11/2013, fazendo alusão ao dia da consciência negra, temos a seguinte afirmação: “eu queria ter gravado um vídeo sobre o dia da consciência negra, só que aí eu deixei quieto porque na cela não tem wi-fi”.
Temos aqui uma afirmação de que negro é criminoso ou uma denúncia de que a maior parte da população carcerária é negra a demonstrar o racismo estrutural da sociedade brasileira?
Notamos, pois, que, ao se verificarem os posts, por si só, já se tem uma dubiedade, uma ambiguidade que exige que se tenha, pois, o contexto em que foram produzidos e em que consiste a atividade profissional do requerido.”
A ação tramita com o número 1095057-92.2018.8.26.0100. Cabe recurso da decisão.