Luis Viviani

“Estamos diante de agentes que utilizaram meios escusos para obterem resultados concretos. Uma verdadeira distorção de valores que se revelou na atrocidade cometida. Um cidadão torturado até a morte é uma mancha na imagem das UPPs. A tão propagada estratégia de Segurança Pública implantada em várias comunidades do Estado, a partir deste insulto contra o Estado de Direito, revela o despreparo e ineficiência de policiais que estariam nas UPPS justamente para a pacificação. A paz não se faz com guerra. A suposta finalidade de pacificação não se coaduna com a utilização de meios extremos e medievais.”
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Foi assim que a juíza Daniella Alvarez Prado, da 35ª Vara Criminal da Capital (RJ), criticou a atitude dos policiais envolvidos no sumiço do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza. A magistrada condenou, nesta segunda (01/02), 13 de 25 policiais militares apontados na ação penal ajuizada pelo Ministério Público. 
Os crimes foram tortura seguida de morte, ocultação de cadáver e fraude processual. Cabe recurso da sentença.
Comando da UPP condenado
Entre os condenados estão o ex-comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha e major Edson Raimundo dos Santos (13 anos e sete meses de reclusão), o tenente e ex-subcomandante da UPP Luiz Felipe de Medeiros (10 anos e sete meses) e o soldado Douglas Roberto Vital Machado (11 anos e seis meses).
Amarildo, ou “boi”, como era conhecido na favela da Rocinha, Zona Sul do Rio de Janeiro, nasceu e viveu toda a sua vida na comunidade. Casado e pai de seis filhos, foi levado por policiais à sede da UPP da região no dia 14 de julho de 2013, ironicamente no Dia Universal da Liberdade, ou Dia da Liberdade de Pensamento, pois marca a data do início da Revolução Francesa, em 1789. De lá, nunca mais foi encontrado. O motivo da captura seria que Amarildo era um dos traficantes perseguidos pela polícia após a operação Paz Armada.
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Uma ampla campanha foi feita logo após o sumiço do pedreiro. “Cadê Amarildo?” virou símbolo e foi compartilhada nas redes sociais, por movimentos como Mães de Maio, em diversos muros de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo e até mesmo famosos, como Caetano Veloso e Wagner Moura, repercutiram a história. A Anistia Internacional e a Comissão da Verdade do RJ também se manifestaram. 
A defesa dos policiais disse que Amarildo tinha sido vítima de traficantes de drogas depois de supostamente liberado da sede da UPP. Segundo a assessoria do Tribunal de Justiça do RJ, o processo reúne mais de 10,2 mil páginas, 50 horas de gravação de depoimentos, cinco audiências de instrução e 25 réus.  
Decisão
A Juíza Daniella Prado afirmou na sentença que Amarildo não sumiu, de fato, e sim foi assassinado. Ela fez duras críticas ao comportamento da polícia e da marginalização da sociedade: 
 
“Infelizmente sabemos que ele não sumiu. Amarildo morreu. Não resistiu à tortura que lhe empregaram. Foi assassinado. Vítima de uma cadeia de enganos. Uma operação policial sem resultados expressivos. Uma informação falsa. Um grupo sedento por apreensões. Um nacional vulnerável à ação policial. Negro. Pobre. Dentro de uma comunidade à margem da sociedade. Cuja esperança de cidadania cedeu espaço para as arbitrariedades”, critica.
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Para ela, os agentes sabiam que não se tratava de um traficante, como propagava a defesa dos policiais acusados.
“Amarildo era morador da comunidade e já conhecido dos denunciados. Não havia qualquer motivo lógico para conduzir a vítima ao CCC [Centro de Comando e Controle], considerando que os agentes sabiam que não se tratava de um traficante”, afirma.
Além disso, segundo a magistrada, Amarildo portava sua identificação e tinha o direito de permanecer no bar onde se encontrava, pois não havia qualquer crime em curso ou atitude relevante capaz de justificar a apreensão do pedreiro.
Câmeras desmontam hipótese de libertação do pedreiro
Ainda de acordo com a juíza Daniella, os comandantes da capturação de Amarildo “encobriram” o ocorrido. E a explicação de que teria sido solto é falsa, já que existem cerca de 80 câmeras instaladas pela Secretaria de Segurança Pública e nenhuma teria registrado sua suposta saída.
“Evidente que Edson não queria testemunhas da morte de Amarildo no local. Quanto menos policiais permanecessem na sede, maiores as chances de “encobrir” o ocorrido. Era necessário um plano para que o crime não fosse descoberto, já que praticado na sede da UPP, sob o manto do Comando da Unidade”, diz a magistrada.
“Ainda que não tenha efetivamente “colocado as mãos” em Amarildo, Edson foi o mentor intelectual da tortura qualificada pelo resultado morte. Teve o domínio do fato. Fomentou e possibilitou que tudo ocorresse sob o manto de seu comando”, afirma a juíza sobre o major Edson Santos.
Com relação ao tenente Luiz Felipe Medeiros: 
“Diante dos depoimentos colhidos em juízo, restou comprovada a participação do acusado no delito. Medeiros, subcomandante da unidade, não só orquestrou todo o crime junto a Edson, como participou pessoalmente da execução. Durante a tortura, Medeiros foi ao local verificar o que ocorria e passou a integrar o grupo de homens que interrogava Amarildo. Após a morte da vítima, foi pessoalmente buscar a capa de moto junto a Alan, conforme relatos coesos e harmônicos prestados sob o crivo do contraditório”.
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E sobre o soldado Douglas Roberto Vital Machado: 
“De fato, a participação de Vital se destaca. Percebemos de todas as provas encartadas que o réu atuou desde o início até o exaurimento do crime. Deu ensejo a todos os acontecimentos decorrentes de sua ação inaugural”, diz a sentença.
“Assim, entre a UPP e a encosta, sob o domínio e a vigilância dos réus, policiais pertencentes ao grupamento de operações externas da Polícia Militar, Amarildo, sozinho e sem possibilidade de reação, foi torturado e veio a falecer”, aponta a magistrada.
Nº do processo: 0271912-17.2013.8.19.0001

ENTERRO SIMBÓLICO DO PEDREIRO AMARILDO DE SOUZA NA ROCINHA

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JOTA

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