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Judiciário tem sido usado como instrumento colonizador, diz Txai Suruí

Ativista criticou o distanciamento da Justiça em relação aos povos tradicionais em evento do IDS e do Imazon

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A ativista Txai Suruí / Crédito: Divulgação

Rodeada por autoridades e operadores do Direito, a ativista Txai Suruí manifestou seu descontentamento com a condução da Justiça frente às demandas dos povos indígenas. “O Judiciário não pode ser um instrumento colonizador, não pode ser um instrumento que, na verdade, ajuda a nos atacar. E é o que eles estão fazendo,” afirmou nesta quinta-feira (20/4) em um evento sobre responsabilização judicial por desmatamento na Amazônia, organizado pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e pelo Imazon.

A fala foi dirigida a um companheiro de palco, Marcio Luiz Coelho de Freitas, membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Após uma pergunta da plateia, a ativista emendou um questionamento sobre como aproximar o Judiciário das comunidades tradicionais porque “muitas vezes o que eu vejo é que os julgadores, os juristas, os juízes não sabem nada sobre a gente. Têm essa cabeça colonizadora e acabam desrespeitando a nossa lei, a nossa Constituição”.

Freitas, ao responder, recorreu a um enunciado atribuído ao poeta Carlos Drummond de Andrade: “Os lírios não nascem da lei”. Nas suas próprias palavras, “o Direito pode muito, mas não pode tudo”. Segundo o conselheiro do CNJ, mudanças legislativas e jurisprudenciais não alteram a realidade e só com a mobilização da sociedade civil será possível tornar concretos os avanços necessários ao propósito efetivo do Judiciário.

“A gente ainda vai ter, durante muito tempo, alguns focos no Judiciário de resistência a qualquer avanço e tentativa de manutenção. Há um espaço de luta dentro do próprio judiciário no sentido de albergar, cada vez mais, posições que garantam efetivamente direitos fundamentais. Nem sempre a gente consegue fazer isso,” afirmou o conselheiro.

A maioria dos magistrados está alinhada a uma corrente conservadora, continuou, muito mais afeita a conflitos individuais de A contra B. “É muito difícil a gente introjetar essa nova percepção de um papel que o Judiciário deve cumprir. Mas o fato de ser difícil não deve ser encarado como algo que nos faço esmorecer. Pelo contrário. Tem que ser encarado como um incentivo para a gente continuar a dar murro em ponto de faca, até a hora que ela quebrar”.

Para a procuradora da República Ana Carolina Bragança, é necessário repensar como são montadas as bancas para concurso e feitas as seleções de profissionais da magistratura e do Ministério Público. “Muitas vezes os colegas entram muito desconhecedores da temática ambiental. Ela é cobrada de um modo muito técnico, mas totalmente descolado da realidade dos povos e comunidades tradicionais. Selecionar pessoas que tenham essa sensibilidade.”

Bragança foi a primeira falar no painel que o Direito não pode servir como ferramenta de colonização. De acordo com a procuradora da República, se o planejamento não for eficiente, se não vier da base e com ela mantiver uma relação de escuta, esse é o risco que se corre. “Não existe possibilidade de enfrentamento ao desmatamento da Amazônia sem participação efetiva e escuta dos povos da floresta.”

André Lima, secretário extraordinário de Controle dos Desmatamentos e Ordenamento Ambiental e Territorial Ministério do Meio Ambiente, adotou um tom mais otimista. Lima, que também é advogado, disse que, de 30 anos para cá, os ventos ficaram mais favoráveis.

“Hoje, é possível fazer muita coisa de forma mais ágil, e o que não se faz é por falta de vontade política. Não é por falta de lei, não é por falta de Direito, não é por falta de jurisprudência, não é por falta de ferramentas, não é por falta de condições objetivas.”

Ele fez um convite público a Freitas, conselheiro do CNJ, para marcar uma reunião para discutir estratégias de colaboração entre o Judiciário e o Executivo para a redução do desmatamento da Amazônia.

Plataforma JusAmazônia

Além do painel, o evento também contou com o lançamento da plataforma JusAmazônia, um resultado da parceria entre o IDS, o Imazon, a Iniciativa Internacional do Clima e Florestas da Noruega (NICFI) e o Jusbrasil.

Como sintetizou Tiago Trentinella, do Rusch Advogados, o objetivo foi construir uma ferramenta que permitisse monitorar os processos no tempo e no espaço. “A gente não tira uma fotografia, a gente mostra um filme, com passado, presente e futuro das ações em curso hoje na Amazônia Legal.”

A plataforma reúne atualmente 6.489 ações civis públicas contra o desmatamento ilegal na região amazônica. Nela, os usuários têm acesso, em tempo real, a dados que permitem a avaliação da localização dos processos, sua evolução e resultados.

A ferramenta é alimentada pelo Jusbrasil e visa conferir maior transparência às ações civis públicas relacionadas ao desmatamento da Amazônia. Assim, a sociedade poderá acompanhar, estudar e avaliar a atividade judiciária, além de propor medidas que melhorem a sua eficácia.

Luiz Paulo Pinho, cofundador do Jusbrasil, ressaltou que, com a plataforma, é possível entender o que está acontecendo e observar “a evolução, seja do aspecto jurídico, seja do aspecto social do problema”.

“Sinto que esse site como uma conexão de pontos, uma constelação. A gente vai criando conexões, fazendo laços, afinando raciocínios para poder, portanto, avançar em projetos que sejam realmente inovadores e disruptivos,” disse a engenheira legal Jurema Paes, que integra o projeto.