Mariana Muniz

Atos infracionais cometidos na adolescência podem servir para justificar a prisão preventiva da pessoa quando adulta, levando-se em conta a periculosidade do réu. O entendimento é da  Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o argumento de preservação da ordem pública.
A prisão preventiva é uma medida cautelar usada pelo juiz durante um inquérito policial ou já na ação penal com o objetivo de impedir que o réu continue praticando crimes, evitar que o processo seja atrapalhado e garantir que a lei seja cumprida. Diferentemente da prisão temporária, que ocorre para que seja possível coletar as provas necessárias para a investigação. Ambas precisam de um mandado judicial para ocorrer.
No julgamento do RHC 63.855, a Seção pacificou o entendimento de que, embora não seja possível utilizar atos infracionais pretéritos como maus antecedentes ou fundamento para reincidência, eles podem ser interpretados como indicativos de risco de reiteração delitiva. Portanto, servem como fundamento para decretação da prisão preventiva.
O ministro Rogerio Schietti Cruz foi o autor do voto prevalente.
“Nos parece que se pode ter como válida a prisão preventiva para garantia da ordem pública, de maneira a evitar a prática de novos crimes pelo investigado ou acusado, ante sua periculosidade”, votou o ministro Schietti.
A periculosidade, explicou o magistrado, seria manifestada na forma de execução do crime, ou no seu comportamento, anterior ou posterior à prática ilícita.
O caso em questão dizia respeito a um adulto acusado de mandar matar uma pessoa por causa de dívida de drogas. De acordo com o juiz que decretou a preventiva, o réu já havia praticado diversas infrações quando menor, inclusive relacionadas ao tráfico.
O relator, ministro Nefi Cordeiro, entendeu que os atos cometidos quando o réu era inimputável não poderiam ser considerados para nenhum efeito no direito penal.
A maioria dos ministros, no entanto, seguiu a posição de Schietti, para quem “a avaliação sobre a periculosidade de alguém impõe que se perscrute todo o seu histórico de vida”.
O entendimento do relator foi acompanhado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura. O ministro Gurgel de Faria discordou da tese por considerar que "os antecedentes juvenis não são o único fundamento a supedanear a custódia cautelar do recorrente". Gurgel de Faria foi acompanhado pelo ministro Felix Fischer.
Debate
Segundo Schietti, os atos infracionais, por não constituírem crimes, não podem ser considerados como maus antecedentes ou como reincidência para agravar a pena do condenado, mas “não podem ser ignorados para aferir o risco que a sociedade corre com a liberdade plena do acusado”.
“Se uma pessoa, recém-ingressa na maioridade penal, comete crime grave e possui histórico de atos infracionais também graves, indicadores de seu comportamento violento, como desconsiderar tais dados para a avaliação judicial sobre a periculosidade do réu? ”, questionou o ministro.
Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) também já havia admitido, ao analisar medida cautelar no RHC 134.121, a possibilidade de atos infracionais servirem como fundamento para prisão preventiva em nome da ordem pública.
Periculosidade
Por proposta do ministro, relator para o acórdão, a seção estabeleceu que a autoridade judicial deve examinar três condições: a gravidade específica do ato infracional cometido, independentemente de equivaler a crime considerado em abstrato como grave; o tempo decorrido entre o ato infracional e o crime em razão do qual é decretada a preventiva; e a comprovação efetiva da ocorrência do ato infracional.
Para a advogada criminalista Gisela Aguiar, por se tratar de pessoa em condição de desenvolvimento, caracterizada, entre outros fatores, pelo pleno estado de desenvolvimento pessoal (físico, cognitivo, emocional e sociocultural), os atos praticados na infância e na adolescência não poderiam ser utilizados para subsidiar o exercício da coerção ou da imposição da pena já na fase da vida adulta.
Aguiar lembra que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 143, veda a divulgação de atos judiciais relativos a crianças ou adolescentes a que se atribua a autoria de ato infracional e inexiste previsão legal de que este sigilo cesse com a maioridade do agente.
“Por essa perspectiva, o registro de atos infracionais seria relevante, internamente, na esfera da Justiça da Infância e da Juventude, mas não da Justiça Criminal”, aponta a advogada.
A advogada Érika Lula de Medeiros, do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e dos Adolescentes do Distrito Federal (Cedeca-DF) avalia que a decisão do STJ abre um precedente criminoso de relativização de direitos. “Abre-se uma brecha para que atos infracionais cometidos por adolescentes sejam considerados para histórico de vida, e isso é muito grave”, afirmou.
Pela Constituição, atos infracionais cometidos por menores de idade não podem ser considerados para fins de reincidência nem para maus antecedentes. “Essa argumentação de considerar atos infracionais como possibilidade de fundamentar decisões desse tipo é, na prática, uma forma de reduzir a maioridade penal”, aponta.
Para Lula de Medeiros, a decisão do STJ faz parte de um cenário de criminalização de certos setores da população brasileira, que enxerga a prisão como um instrumento de política de combate à violência.
Dados do último relatório do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, mostram que o país detém a quarta maior população carcerária do mundo.

15990647061_ba871ef78e_k

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

Infração na adolescência justifica prisão preventiva na idade adulta

Entendimento é da 3ª Seção do STJ