Imagens de satélite da Amazônia podem se tornar um instrumento eficaz para produzir provas na Justiça contra desmatadores ilegais, segundo uma pesquisa feita pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), divulgada nesta terça-feira (5/7). O estudo mostra que as ações civis públicas propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) entre 2017 e 2020, dentro do Programa Amazônia Protege, resultaram em pouquíssimas condenações — somente 51 de mais de 3,5 mil processos em tramitação — em primeira instância. No entanto, os recursos apresentados em instâncias superiores geraram precedentes que, a partir do uso da tecnologia, podem reverter esse cenário nos próximos anos.
Os números atuais são pouco animadores para os defensores da Amazônia. Os pesquisadores do Imazon analisaram 3.561 processos movidos pelo órgão nos nove estados que compõem a Amazônia Legal contra desmatadores ilegais. Dessas ações civis públicas, 650 (18%) tinham sentença em primeira instância até outubro de 2020. Desse total já julgado por um juiz, somente 51 casos (8%) eram de sentenças condenatórias, com pagamento de indenização. Apenas duas já foram efetivamente pagas — ambas somaram R$ 42 mil. As demais condenações ainda aguardam a fase de cumprimento de sentença ou julgamento de recursos.
Outros 506 casos já julgados (78%) foram extintos “sem resolução do mérito” — isto é, quando juízes entendem que o MPF não apresentou elementos suficientes para a tramitação das ações. Houve ainda 80 casos (12%) enviados pelos magistrados para julgamento da Justiça Estadual. Por fim, 13 casos (2%) foram de sentenças improcedentes, em que os juízes negaram todos os pedidos do MPF.
De acordo com o advogado Jeferson Almeida, pesquisador do Imazon, essas ações não prosperaram em primeira instância porque os magistrados não consideravam imagens de satélites como prova nem aceitavam ações com réus incertos — isto é, quando não é possível atrelar o desmatamento a um CPF.
Porém, os pesquisadores também se debruçaram sobre as 117 decisões de recursos em primeira e segunda instância até fevereiro de 2021, bem como os 13 recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgados até junho de 2021. Ainda que a maior parte das decisões tenha sido contra o MPF, o estudo identificou a formação de jurisprudência que pode abrir o caminho para a condenação de desmatadores num futuro próximo, mudando o rumo da impunidade.
Nos casos de ações com réu identificado, o estudo mostra que decisões de segunda instância deram razão ao MPF no cruzamento de imagens de satélite do INPE com dados de imóveis rurais presentes no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e em sistemas de órgãos fundiários, como o Sigef, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para identificar os desmatadores. De acordo com o Imazon, em 69% dos casos é possível atrelar o desmatamento a um CPF — mesmo em áreas públicas, como terras indígenas, grileiros se valem da autodeclaração no CAR para demandarem a propriedade da área.
Outra decisão importante obtida nos recursos foi a aceitação de ações com réu incerto. Em novembro de 2020, o ministro do STJ Herman Benjamin deu provimento a um desses recursos especiais — Resp 1.905.367 – DF (2020/0102194-1) — que chegou à Corte. Prevista no Código de Processo Civil (CPC), a medida permite abrir ações para responsabilização pelo desmatamento ilegal mesmo quando não seja possível identificar os responsáveis pela área, além de tornar pública a busca judicial por eles.
Nesse caso, solicita-se ao juiz a publicação de um edital para tentar localizá-los. “Antes disso não existia um instrumento consolidado, nem existia um entendimento de ações contra réus incertos. É um grande avanço porque já tem um precedente muito forte do STJ e as próximas ações já têm forte respaldo jurídico”, explica Almeida.
Com essas ações, acrescenta o advogado, é possível obter o embargo da área, para evitar “uma futura regulamentação fundiária”. Também é possível conseguir uma determinação judicial para apreender, retirar e destruir maquinários usados para o desmatamento ou que estejam impedindo a regeneração da floresta.
“A tecnologia está sendo aliada no combate ao desmatamento da Amazônia. Hoje em dia você já consegue ter um raio-x das áreas desmatadas sem que o Ibama precise estar in loco“, argumenta. “Essas mudanças mostram que é possível obter provas periciais a partir de imagens de satélite e propositura de ações civis públicas contra pessoas não identificadas pra resguardar áreas desmatadas”.