Bárbara Pombo

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu um primeiro passo na quarta-feira (12/08) para afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às relações de entidades fechadas de previdência e seus participantes. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Marco Buzzi, mas com a sinalização de pelo menos quatro ministros a favor da tese de que o contrato de adesão de pensionistas com planos fechados de previdência não caracteriza relação de consumo.
O relator do recurso nº 693.694/MG, ministro Luis Felipe Salomão, propôs uma interpretação da Súmula 321 da Corte, segundo a qual o código do consumidor se aplica à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes. De acordo com o voto, a orientação passaria a ser seguida apenas em litígios entre beneficiários e planos abertos de previdência, oferecidos por bancos e seguradoras. O Judiciário entende que esse serviço se encaixa no que se entende por mercado de consumo, e no conceito dado pelo CDC para consumidor e fornecedor.
A decisão será a primeira tentativa da seção de direito privado do STJ de pacificar o assunto. Recentemente, as turmas do tribunal passaram a relativizar a súmula ao diferenciarem as entidades fechadas das entidades abertas de previdência, particularidades que já são reconhecidas pela doutrina.
No caso que começou a ser analisado nesta quarta-feira, a defesa da Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social (Valia) argumentou que, ao contrário das abertas, as entidades de previdência fechada – reguladas pelas Leis Complementares 108 e 109 de 2001 - não visam o lucro. A gestão dos recursos é conjunta entre os participantes e o patrimônio não é da fundação, mas de todos os assistidos.
Além disso, argumentou-se que existe cooperativismo entre os participantes configurando uma relação multilateral, e não bilateral (fornecedor-consumidor), como ocorre nos planos abertos.
“Com a aplicação do CDC, o Judiciário teria que interpretar uma cláusula do contrato de forma favorável ao participante autor da ação. Mas o impacto de eventual condenação não recairia sobre a entidade, mas sobre todos os participantes do plano. Temos nessa relação uma parte fraca contra outros fracos”, afirma o advogado da Valia, Adecir Reis, fazendo referência ao artigo 47 do código do consumidor.
Apesar de vincular apenas o plano de previdência da Vale, a decisão do STJ terá impacto sobre 290 fundações fechadas de previdência existentes no Brasil.
Competência
A discussão entre os ministros foi aberta na solução do caso concreto. O regulamento da Valia prevê que qualquer litígio será resolvido no Rio de Janeiro, apesar de a mineradora ter funcionários (participantes do plano) em diversos Estados do país.
Com base no Código Civil e nas legislações que regulam as entidades fechadas, o ministro Luis Felipe Salomão considerou que a cláusula poderia dificultar o acesso à Justiça dos participantes do plano. No caso concreto, o autor da ação é um funcionário da Vale que mora no interior de Minas Gerais. Dessa forma, entendeu que o caso deveria ser remetido para o domicílio do autor da ação. “É uma solução que demanda criatividade para atender os interesses das partes”, afirmou.
O ministro João Otávio de Noronha ponderou que o juiz não poderia remeter de oficio a abusividade da cláusula e remeter os autos para o domicílio do participante do plano. “A cláusula deve ser respeitada. Se a parte demonstrar prejuízo com a previsão [do foro exclusivo] o juiz poderia remeter”, afirmou.
Os ministros Isabel Galloti e Ricardo Villas Bôas Cueva afirmaram que eventual pulverização de ações pelo país contra cláusulas do regulamento de previdências fechadas criaria uma onerosidade ao fundo e, consequentemente, a todos os participantes. “Permitir que as ações se pulverizem conforme o domicílio do autor dificulta a instrução do processo e a solução uniforme aos casos”, afirmou a ministra Galloti. “Obrigaríamos a Valia a litigar no país todo, o que criaria onerosidade para a coletividade”, completou o ministro Cueva.
Para o ministro Salomão, a seção teria que ponderar o acesso à justiça com a onerosidade da entidade fechada. “A onerosidade é um risco que se corre por garantir acesso à justiça”, afirmou.

15158636159_98e3385e3f_k

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

STJ discute se CDC deve ser aplicado em litígio entre entidade fechada e pensionista

Há relação de consumo na previdência fechada?

STJ discute se CDC deve ser aplicado em litígio entre entidade fechada e pensionista