Corte IDH

Ex-militar pede condenação do Equador por represálias após denúncia de corrupção

Adido naval denunciou favorecimento a militares de alto escalão durante processo para contratar seguros de aeronaves

Juízes durante a audiência pública do caso Baraona Bray. Crédito: Corte IDH/Divulgação

O ex-militar Julio Rogelio Viteri Ungaretti pediu à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em audiência realizada na segunda-feira (20/3), a condenação do Equador por represálias que sofreu ao denunciar um esquema de corrupção nas Forças Armadas.

Ele afirma ter presenciado atos de favorecimento a militares de alto escalão quando trabalhava como adido naval na embaixada equatoriana no Reino Unido, em 2001.

Segundo Viteri, uma das situações foi quando uma comissão formada por quatro membros de alta patente das Forças Armadas esteve em Londres para realizar um processo de contratação de seguros para aeronaves. Sem avisar, eles levaram familiares e passaram a tratar a viagem oficial como férias, disse o denunciante.

“A comissão tinha 15 dias para fazer o processo de contratação de seguros de aeronaves militares, mas, no segundo dia em que estiveram lá, em três minutos eles decidiram qual era a companhia ganhadora do concurso. Quinze dias se converteram em três minutos. Eles receberam envelopes, que tinham passagens aéreas para viagens de lazer em Paris e em Roma. Eles só voltaram no 14º dia a Londres, dizendo que eu deveria organizar uma festa de despedida”, contou o depoente.

Viteri também afirmou que, quando se mudou para Londres, estranhou o valor que era pago por dez anos pelo aluguel da sede onde trabalhava. “Na minha análise, com o que havíamos pagado por dez anos, poderíamos comprar uma sede. Teríamos um lugar próprio e não dependeríamos de ninguém”, relatou.

O ex-militar disse que levou as denúncias ao embaixador equatoriano no Reino Unido e logo viu que os jornais começaram a noticiar o esquema. Uma semana depois, recebeu ordem para voltar com urgência ao Equador. Ao prestar depoimento ao comando das Forças Armadas, ele foi imediatamente preso por “conduta inadequada”.

Viteri contou na audiência que ficou detido por 15 dias em uma unidade militar em más condições. “Negaram água, negaram alimentação. Colocaram guardas armados com ordem para disparar se eu quisesse escapar”, relatou.

Depois de solto, o ex-adido disse que foi destituído do cargo, retirado da lista de promoção e ele e família passaram a receber ameaças por telefone e até nas ruas de Londres. “Foi praticamente meu fim. Foi como se tivessem cavado minha cova”, comentou na audiência.

Em agosto de 2002, a Corte Constitucional do Equador julgou que as sanções administrativas foram aplicadas sem garantias processuais, mas não apontou outras violações. “Não serviu para nada, porque os danos já estavam feitos. Por mais que eu tenha tido amparo constitucional, eu já não podia seguir minha carreira”.

Até hoje, Viteri e a família vivem em Londres. “Há 21 anos, minha família e eu carregamos uma cruz muito pesada, consequência de uma denúncia de corrupção no cumprimento dos meus deveres como cidadão e por ter jurado defender a Constituição e as leis da República. Nosso país, nossas raízes, nossa cultura, nosso ambiente é o Equador. Tivemos que deixar tudo isso para trás”, declarou o ex-militar.

Em razão dos fatos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu a condenação do Estado do Equador por violações aos direitos à liberdade de expressão, à proteção judicial e à liberdade pessoal em detrimento de Viteri. Também identificou a violação do direito de locomoção e residência e do direito à integridade psíquica e moral em detrimento do ex-militar e da família dele.

María Fernanda Álvarez, representante do Estado na audiência, contestou a alegação de violação ao direito de liberdade de expressão. Segundo ela, Viteri não foi impedido de fazer as denúncias, que terminaram com punição aos militares de alto escalão envolvidos.

“No presente caso, o senhor Viteri exerceu seu direito à liberdade de expressão, tanto em sua dimensão coletiva como individual. Como consequência das denúncias do senhor Viteri, foram abertos processos administrativos, disciplinares militares e penais”, afirmou. “De fato, houve consequências adversas para o senhor Viteri, mas a sentença da Corte Constitucional anulou as sanções. Os obstáculos que poderiam afetar a liberdade de expressão do senhor Viteri foram removidos pelo tribunal constitucional”, disse a representante.

Farith Simon, representante de Viteri, concordou que as sanções foram anuladas posteriormente, mas afirmou que o Estado se apega apenas a papéis e não enxerga que os danos já tinham sido consumados.

“Me parece que os representantes do Estado olham para a vida das pessoas através de papéis. Para eles, perder três ou quatro anos de vida, não ter trabalho ou não poder sair se resumem em 25 ou 30 horas lendo papéis. Os representantes não dão conta que, depois que o senhor Viteri denunciou atos de corrupção, sofreu uma modificação substancial da sua vida”, reclamou o defensor.

Além dos pedidos de condenação pelas violações listadas pela CIDH, o advogado de Viteri também pediu a condenação pela violação do direito ao trabalho, com base no artigo 26 da Convenção Americana. 

As partes têm, a partir da audiência, um mês para entregar as alegações finais escritas à Corte IDH. Depois disso, os juízes podem emitir sentença a qualquer momento.