Bárbara Mengardo

Uma nova leva de ações populares questiona decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que livraram empresas de pagarem mais de R$ 8,36 bilhões em tributos. Os processos foram ajuizados pelo mesmo casal que tentou anular acórdãos do tribunal administrativo em 2012 com o ajuizamento de ações no Distrito Federal. Desta vez, as demandas foram propostas no Rio de Janeiro, onde residem Renato Chagas Rangel e Fernanda Soratto Uliano Rangel.
São pelo menos quatro ações populares propostas na 1ª instância da Justiça Federal fluminense. Santander e a MMC estão entre as partes. Ambas são investigadas na Operação Zelotes por suposta compra de votos no Carf.
Os processos datam do final de 2015 e começo de 2016, e não tiveram o mérito julgado até agora.
Para questionar as decis?es do tribunal administrativo, a autora das ações, Fernanda Soratto Uliano Rangel, se baseia na decisão tomada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que considerou incompatíveis as atividades de advogado e conselheiro do Carf. Isso porque o entendimento da Ordem, de acordo com a autora, apenas deixou clara uma proibição que já existia anteriormente.
Banespa
Entre as decisões questionadas na nova leva de ações populares a que possui valor mais alto envolve o Santander. Trata-se de processo administrativo de mais de R$ 8 bilhões, no qual o Carf considerou legal o aproveitamento de ágio decorrente da aquisição do Banespa, pelo banco espanhol.
A decisão foi proferida em 2011 pela 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção do Carf por unanimidade. Fernanda Soratto Uliano Rangel alega que o resultado seria irregular por terem votado à época três conselheiros que também atuavam como advogados. Tratam-se dos julgadores Ana Clarissa Masuko dos Santos Araújo, Leonardo Henrique Magalhães de Oliveira e Moisés Giacomelli Nunes da Silva. Hoje em dia apenas Ana Clarissa atua no Carf.
A autora da ação popular destaca que em maio de 2015 o Conselho Federal da OAB entendeu que é incompatível com a advocacia exercer a função de conselheiro do Carf depois que a presidente Dilma Rousseff instituiu por decreto uma remuneração para a atividade.
Fernanda defende que a proibição já existia antes das alterações normativas. "É inequívoca a imoralidade na chancela surreal da União Federal para que Juízes Administrativos pudessem advogar perante o próprio tribunal em que exerciam suas funções judicantes (CARF), razão pela qual é imperiosa a procedência integral da presente ação popular", diz a autora, na petição inicial da ação popular proposta contra o Santander.
Em relação à operação questionada no Carf, Fernanda classifica como "tosco" o raciocínio utilizado pelos conselheiros para cancelar a exigência de R$ 8 bilhões. Para ela, os julgadores deram "um salto mortal interpretativo" em relação à argumentação utilizada pela 1ª instância administrativa para manter a autuação fiscal.
"Será que é dessa maneira que se joga no lixo mais de R$ 8 bilhões, enquanto pessoas humildes morrem nos hospitais tão carentes dos recursos alforriados?!!!", questiona a autora em outro ponto da inicial.
Citada na ação, Ana Clarissa contesta a argumentação apresentada por Fernanda. Para a conselheira do Carf, caso o entendimento fosse seguido seria necessário anular todos os julgamentos já proferidos pelo tribunal administrativo antes da decisão da OAB. Segundo Ana Clarissa, na época da análise do tema pela Ordem a grande maioria dos julgadores que representavam os contribuintes eram advogados.
Em relação ao mérito do processo administrativo envolvendo o Santander, Ana Clarissa recorda que o julgamento levou cerca de seis meses, e foi acompanhado de perto por diversos advogados. "A turma não teve dúvidas. Todos entenderam pela legitimidade daquele ágio", diz.
Zelotes
As petições iniciais das demais ações populares ajuizadas no Rio de Janeiro seguem o mesmo script. Ao todo mais de seis conselheiros são elencados para embasar os pedidos de nulidade de julgamentos.
Os desdobramentos da Operação Zelotes também são citados nas ações com o objetivo de anular as decisões administrativas. No caso do Instituto Unibanco, por exemplo, Fernanda transcreve matéria jornalística para provar que um dos conselheiros que defendeu a derrubada de uma autuação de RS 301,8 milhões contra a instituição é investigado na força-tarefa.
Trata-se do conselheiro Valmir Sandri, que recebeu a visita da Polícia Federal em sua residência e em seu escritório em outubro de 2015. Fernanda alega que a banca de Sandri atuava no Carf no período em que ele atuava como conselheiro, o que possibilitaria que o advogado criasse precedentes favoráveis a seus próprios clientes.
Nas quatro ações, a autora também transcreve trecho da única vitória obtida pelo casal na Justiça Federal do Distrito Federal em uma das ações populares que questionam decisões do Carf. A sentença foi deferida em fevereiro pelo juiz Renato Borelli, da 20ª Vara Federal da capital.
<a href="https://www.jota.info/juiz-cita-zelotes-para-anular-decisao-do-carf">Borelli utilizou a Zelotes</a> como um dos argumentos para anular uma decisão de 2012 que livrou o Itaú de uma cobrança de R$ 331 milhões. A exigência é relativa ao não recolhimento de PIS e Cofins.
Citando matérias jornalísticas sobre a Zelotes, o magistrado afirmou na sentença que “não há como não considerar o desenrolar da Operação Zelotes que investiga o envolvimento de conselheiros em possíveis irregularidades na apreciação de recursos em processos fiscais, tema fartamente noticiado nos últimos meses na mídia nacional”.
Para o juiz, a decisão do Carf que livrou o Itaú da cobrança fiscal não tratou “com zelo necessário” os fatos narrados na autuação da Receita Federal e na decisão da primeira instância administrativa.
Mais de 60
Na Justiça fluminense, as ações foram distribuídas na 4ª, 8ª, 11ª e 17ª Varas Federais. Até agora, os juízes não analisaram o mérito dos casos. Os despachos que constam nos processos requerem a citação das partes e a prestação de informações pela OAB.
Com os processos, já passam de 60 as ações populares ajuizadas por Fernanda e seu marido, Renato Chagas Rangel. A grande maioria dos casos foi ajuizada na Justiça Federal do Distrito Federal, mas a autora alega que, por residir no Rio de Janeiro, o Judiciário fluminense também seria competente para analisar os pleitos.
Com exceção do processo julgado de forma procedente por Borelli, as demais ações populares propostas na capital foram extintas sem resolução do mérito pelo Judiciário.
Renato Chagas Rangel atua como advogado de Fernanda nas ações populares. Ex-procurador da Fazenda Nacional, Rangel foi exonerado do cargo em 2010 “pela prática de atos de improbidade administrativa e por valer-se do cargo para lograr êxito pessoal, em detrimento da dignidade da função pública”.
Na época em que os casos foram propostos, advogados chegaram a questionar se o casal estaria entrando com as ações com o objetivo de receber o valor de eventuais honorários de sucumbência.
Procurado pelo JOTA, o Santander afirmou que não foi citado na ação. A MMC não retornou até a publicação da reportagem.
Em nota, o Instituto Unibanco afirmou que ainda não foi intimado sobre ação popular questionando a decisão proferida pelo CARF, que reconheceu a isenção fiscal de entidade sem fins lucrativos, desde que os recursos sejam revertidos para as finalidades estatutárias.
"Ressalte-se que a autora da ação popular já propôs 59 ações populares na Justiça Federal da 1ª Região, das quais 53 possuem decisão desfavorável ao seu pleito, sendo que destas 14 já foram encerradas, e que a decisão prolatada pelo CARF seguiu a legislação aplicável ao caso concreto. O Instituto Unibanco reitera seu firme compromisso com a ética e a legalidade, em linha com os seus valores institucionais", completou o instituto.
Números dos processos citados na matéria:
0148185-83.2015.4.02.5101 - MMC AUTOMOTORES DO BRASIL LTDA
0027009-06.2016.4.02.5101 - BRASIL WARRANT - ADMINISTRAÇÃO  DE  BENS E EMPRESAS S.A
0062481-68.2016.4.02.5101 - INSTITUTO UNIBANCO
0027720-11.2016.4.02.5101 - BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
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JOTA

Leva de ações populares foi proposta no Rio de Janeiro

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