Não é possível homologar no Brasil sentenças arbitrais que tenham sido anuladas em seus países de origem. A decisão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por unanimidade, negou pedido para que passasse a valer no Brasil decisão tornada sem efeito na Argentina.
Essa é a primeira vez que o STJ analisa o assunto, de acordo com advogados. O processo julgado tem como plano de fundo a compra e venda de ações entre empresas francesas, argentinas e espanholas, e contou com a manifestação de diversos ministros. “Aqui [no STJ] só se dá eficácia àquilo que é válido em outros países”, afirmou o ministro João Otávio de Noronha.
O tema foi debatido por meio da Sec 5.782, julgada nesta quarta-feira (2/12) pela Corte Especial. Composta pelos ministros que estão há mais tempo no tribunal, a instância é responsável por homologar decisões estrangeiras. O mecanismo permite que os títulos judiciais ou arbitrais tenham efeito no Brasil.
A ação analisada envolve a francesa EDF international, que adquiriu ações da argentina YPF e da espanhola Endesa. De acordo com o advogado da Endesa, Fabiano Robalinho, do escritório de advocacia Sérgio Bermudes, o contrato de compra e venda previa um reajuste caso ocorresse desvalorização cambial, o que foi constatado na prática.
O fato levou a EDF a procurar a arbitragem em Buenos Aires, o que resultou em uma sentença arbitral que condenava as outras duas empresas a pagarem o equivalente a US$ 130 milhões à companhia francesa. O título, porém, foi anulado em dezembro de 2009 pelo Judiciário argentino, que considerou que a sentença estava em desacordo com as normas locais.
De acordo com o advogado, desde então a empresa tem tentado homologar o título em diversos países, sem sucesso. Apesar de não haver nenhuma empresa brasileira envolvida na arbitragem, a “nacionalização” da sentença no Brasil possibilitaria, por exemplo, a penhora de bens que a YPF e a Endesa possuam no país.
No STJ, o caso teve como relator o ministro Jorge Mussi, que não chegou a analisar a questão da compra e venda de ações. O magistrado citou que diversos tratados internacionais, leis e até mesmo o regimento interno do tribunal impedem a homologação de sentenças nulas em seus países de origem. A norma interna do STJ trata do assunto no artigo 216-D, segundo o qual, para ser homologada, a sentença estrangeira precisar ter transitado em julgado em seu país de origem.
Na sustentação oral, Robalinho afirmou que o fato de a sentença ter sido anulada fez com que ela nunca tivesse transitado em julgado. “Se não houve trânsito em julgado, por óbvio que essa sentença não pode ser homologada”, afirmou.
O advogado da YPF, Aluízio Napoleão, do Pinheiro Neto Advogados, afirma que o tema é tratado em pelo menos três tratados internacionais: o Protocolo de Las Leñas (1992) e as convenções de Nova York (2002) e Buenos Aires (2003).
Durante o julgamento, após votar com o relator, Noronha citou que em 2006 o STJ analisou tema semelhante na Sec 211. Na ocasião, os ministros decidiram que o fato de haver ação anulatória de uma sentença arbitral estrangeira em trâmite em outro país não impede que o STJ homologue o título no Brasil.