Kalleo Coura

O relatório inédito “Tortura em tempos de encarceramento em massa”, feito pela Pastoral Carcerária Nacional, mostra que, de 105 casos de possível tortura no sistema prisional ou no momento da prisão denunciados pelo braço da Igreja, nenhum resultou em responsabilização de um agente público ou do próprio Estado, nas esferas civil, criminal ou administrativa.
Em apenas 22% dos casos, foram instaurados inquéritos policiais e, em outros 39%, houve abertura de procedimentos internos do Ministério Público. Em quatro casos, foi proposta ação civil pública para lidar com as situações denunciadas. Não foi instaurada ação penal em relação a nenhum caso.
Só em um caso um servidor foi responsabilizado administrativamente, com uma repreensão escrita, mas não pela prática do ato denunciado -- apenas por ter descumprido normas internas que determinavam o encaminhamento imediato da vítima para a realização de exame de corpo de delito.
“Não se trata de uma falha específica do sistema. Para manter o encarceramento em massa, o Estado depende de um exercício de violência aguda que muitas vezes pode se caracterizar como tortura. E o sistema de Justiça funciona como validador deste tipo de situação”, afirma Paulo César Malvezzi Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional.
A amostra da pesquisa foi construída de forma não linear. Dos 105 casos acompanhados, 72 denúncias de tortura foram feitas entre julho de 2014 e julho de 2016 pela Pastoral Nacional. As outras 33 foram resgatadas do acervo de São Paulo entre dezembro de 2005 e janeiro de 2013 – o critério foi de incluir no levantamento os casos com melhor documentação.
De todos os casos, 66% citam agressões físicas. Agressões verbais, divididas entre ofensas e ameaças, estiveram presentes em 33% dos casos. Em 21%, foram relatadas situações de omissão na prestação de assistência médica, algumas resultando no óbito da vítima e, em 20%, foi apontada alguma forma de negligência na prestação de assistência material em relação a itens básicos de higiene, alimentação e vestuário.
Em 25% dos casos, outras condições degradantes de aprisionamento foram denunciadas, como a superlotação, celas pouco iluminadas, sem ventilação ou insalubres. Seis denúncias dizem respeito a alguma forma de violência sexual.
A pesquisa aponta ainda que, em 70% dos casos, não houve oitiva de testemunhas não ligadas ao sistema prisional e, em menos de um terço deles, sequer as próprias vítimas puderam contar a sua versão perante defensores, promotores ou juízes.
“Fora isso, todos os exames de corpo de delito que chegaram a ser feitos estavam em desacordo com padrões nacionais e internacionais", afirma Malvezzi Filho. "Trata-se de um conjunto de procedimentos irracionais e deficientes que impedem a apuração adequada das denúncias”.
O relatório será lançado nesta quinta-feira (20/10), às 19h, no auditório Flamínio Fávero da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

cadeia

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JOTA

Levantamento foi feito pela Pastoral Carcerária 

Em 105 casos de alegada tortura em prisões, nenhum servidor foi responsabilizado

Levantamento foi feito pela Pastoral Carcerária