Mariana Muniz

De um lado, a petroleira norte-americana Chevron, acusada de contaminar a região de Lago Agrio, na parte amazônica do Equador. Do outro, um grupo de indígenas equatorianos vítimas da poluição ambiental que teria sido causada pela gigante do ramo energético.
No jogo de acusações, a petroleira se diz vítima de uma sucessão de fraudes judiciais. Enquanto um advogado encampa uma verdadeira cruzada para fazer com que a empresa pague uma indenização bilionária. Um nó que, embora longe de ser solucionado, pode ter uma de suas pontas desatadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), aqui no Brasil.
A batalha judicial chegou à Corte Especial do STJ, que reúne os 15 ministros mais antigos do tribunal, em 2012. Mas começou muito antes, em 1993, quando o advogado norte-americano Steven Donziger entrou com uma ação em nome de 30 mil indígenas de Lago Agrio, no nordeste equatoriano, exigindo uma indenização da Texaco por ter contaminado as águas da região com suas práticas extrativas. A Texaco foi adquirida em 2001 pela Chevron.
Advogado formado pela prestigiosa Universidade de Harvard, Donziger está há duas décadas tentando responsabilizar a Chevron pela poluição da floresta nativa do país latino-americano. A ideia é fazer com que a multinacional indenize os moradores da região pela contaminação do solo e da água causada durante os quase 30 anos de permanência da Texaco no país.
Entre 1964 e 1992, a antiga Texaco perfurou centenas de poços no país. E, segundo a população local, durante esse período, a saúde dos moradores da área contaminada foi comprometida, aumentando os índices de câncer, leucemia, abortos, anomalias congênitas e doenças crônicas.
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A petroleira argumenta que, antes da Texaco interromper suas operações no país, iniciou um trabalho de reparação dos danos ambientais. Tarefa que foi encerrada pela Chevron. E diz que, em acordo firmado em 1998, o governo do Equador reconheceu que os impactos haviam sido sanados de maneira adequada – livrando a empresa de responsabilidade.
Ainda segundo a defesa da Chevron, quem não cumpriu sua parte na remediação de alguns locais de produção foi a estatal equatoriana, Petroecuador – sócia e herdeira da Texaco na exploração de petróleo em Lago Agrio.
Imbróglio judicial
Apesar de Donzinger ter dado entrada no processo em Nova York, a Texaco conseguiu que o processo fosse admitido no Equador e, quando a Chevron comprou a companhia, em 2001, "herdou" a disputa.
Após chegar ao Equador, o tribunal de Lago Agrio proferiu uma sentença, em 2011, condenando a Chevron a indenizar os equatorianos em aproximadamente US$ 18,2 bilhões por danos ambientais. O montante, porém, foi reduzido para US$ 9,5 bilhões quando da confirmação da sentença pela Corte Nacional de Justiça do Equador – instância máxima do Judiciário equatoriano.
No mesmo ano, em 2011, a petroleira entrou com uma nova ação nos Estados Unidos – tomando como base a lei federal RICO (Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act), de combate a organizações criminosas. A Chevron rebate que a decisão do tribunal equatoriano é produto de suborno e fraude por parte de advogados, ativistas, peritos, técnicos e consultores conspirados para extorquir uma grande quantia da empresa.
A multinacional argumenta ainda que os defensores dos indígenas e colonos subornaram o juiz Nicolas Zambrano, responsável pelo caso, para cancelar as vistorias no local e forjaram os relatórios das inspeções.
A Chevron sustenta também que os advogados dos moradores da região falsificaram evidências para comprovar a contaminação dos solos e águas – por meio de peritos subornados – e que a decisão determinando o pagamento da indenização não foi redigida pelo juiz, mas pelo advogado equatoriano que trabalha com Dozinger, Pablo Fajardo.
Nas telas
A longa batalha legal entre a Chevron e os moradores de Lago Agrio foi documentada em "Crude", um documentário de 2009 dirigido por Joe Berlinger. O filme mostrou dois anos da saga jurídica e exibiu depoimentos dos moradores do local. Celebridades como o cantor Sting e a esposa, Trudy, também falam para as câmeras.
O filme, premiado no Festival de Cinema Ambiental de Yale e no Festival de Cinema Independente de Boston, é simpático ao drama dos indígenas. Mas a Chevron conseguiu acesso a cenas que foram cortadas da edição final do documentário por meio de uma ordem judicial. A empresa usou essa evidência para mostrar que o advogado americano usou métodos pouco ortodoxos para obter um resultado positivo na corte equatoriana.
Em algumas cenas captadas nos copiões de “Crude”, é possível ver Donziger conversando com o advogado Pablo Fajardo sobre o que seria um pagamento de propina. Outras mostram o absoluto desconhecimento dos indígenas sobre o caso – muito embora tivessem assinado a ação civil pública contra a petroleira.
Foi então que o advogado começou a perder a partida.
No STJ
Apesar da decisão favorável no Judiciário equatoriano, a execução da multa e da indenização não foram efetivadas porque a Chevron não tem mais ativos no Equador. A estratégia, então, passou a ser tentar homologar a decisão em países onde a empresa possui ativos, como forma de garantir que a decisão se cumpra. Isso explica o envolvimento do Brasil no imbróglio bilionário.
O caso chegou ao STJ por meio de um pedido dos equatorianos de homologação de sentença estrangeira, a SEC 8.542. Com a homologação pelos ministros brasileiros, a decisão poderia ser executada no Brasil, onde a Chevron opera por meio de subsidiárias há anos. Há também uma tentativa de executar a indenização bilionária no Canadá. O pedido é assinado por 46 indígenas – com sobrenomes como Huatatoca, Yumbo, Payahuaje.
A Chevron contesta o pedido de homologação na Corte brasileira. Representada pelo escritório do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso e pelo Pinheiro Neto Advogados - uma das maiores bancas do país - a empresa afirma que há interesse econômico do governo do Equador por trás da decisão.
A Chevron afirma que a validação da sentença minaria as garantias constitucionais de um julgamento justo e imparcial e argumenta que os tribunais brasileiros não têm jurisdição para reconhecer a decisão pelo fato de ela não ser definitiva no país andino.
Representando os equatorianos no STJ está o escritório de Sergio Bermudes.
“O STJ apenas vai avaliar se a sentença equatoriana preenche os requisitos para que possa produzir efeitos no Brasil. E são requisitos muito simples”, afirmou ao JOTA o advogado Fabiano Robalinho, que lida com o caso desde que chegou ao Brasil.
Segundo Robalinho, o valor da condenação foi estabelecido para fins de correção dos danos ambientais.
“É para montar um sistema de saúde para ajudar os equatorianos com problemas físicos por conta do dano ambiental, para recuperar a fauna, a flora e o lençol freático e estabelecer ainda um sistema de água potável para as vítimas”, explicou, rebatendo as acusações da Chevron de que a sentença equatoriana seria fraudulenta.
Após diversas mudanças na relatoria, o processo atualmente está nas mãos do ministro Luís Felipe Salomão. De acordo com a última movimentação processual, em fevereiro de 2017, o caso foi concluso para despacho do magistrado – mas ainda sem previsão de quando será julgado.
Pênaltis 
No último 19 de junho ocorreu mais um lance na batalha judicial entre Chevron e Equador. A Suprema Corte dos Estados Unidos manteve sanções contra Donziger, pedindo que o advogado devolvesse à petroleira qualquer receita percebida com a sentença equatoriana de US$ 9,5 bilhões.
A mais alta instância da justiça norte-americana considerou que o processo foi manchado por evidências de fraude e corrupção.
Em 2014, o Tribunal de Apelações dos Estados Unidos para o Segundo Circuito, em uma decisão de 127 páginas, confirmou as descobertas do juiz distrital dos Estados Unidos Lewis Kaplan – que em uma decisão de 2014 classificou o julgamento equatoriano como o produto de uma "fraude notória".
Entre outras coisas, o tribunal entendeu que Donziger e sua equipe escreveram a sentença e ofereceram US$ 500 mil ao juiz equatoriano por sua assinatura. Por isso, o advogado apresentou à Suprema Corte um pedido de revisão da sentença. O que foi negado. A Chevron comemorou a decisão.
“Os fatos do esquema equatoriano de extorsão e a ilegalidade das condutas dos advogados dos autores equatorianos foram finalmente e conclusivamente confirmados pelo sistema jurídico dos Estados Unidos”, afirmou R. Hewitt Pate, vice-presidente e conselheiro geral da Chevron. “A decisão é um passo importante para que esse esquema ilegal chegue a uma conclusão final”.
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JOTA

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