A delação premiada é um programa colaborativo usado em prol da coletividade ou pode criar um tipo de comércio processual evitável? Esses dois pontos foram defendidos e criticados durante a palestra "Crime organizado e o direito penal econômico", no 21º Seminário Internacional de Ciências Criminais, realizado esta semana, em São Paulo.
A favor da colaboração premiada, está o Procurador Regional da República Vladimir Aras. Radicalmente contrário a delação, o advogado Gamil Föppel.
Aras se refere à colaboração premiada como um programa colaborativo, em que o indivíduo se compromete a se delatar e também a auxiliar na busca de provas. Aras cita como exemplo do delator que ajuda a localizar a vítima num sequestro, ou identificar onde está o corpo da vítima num homicídio, ou localizar aonde está o valor do dinheiro subtraído em caso de um crime de corrupção.
“Há um aspecto muito mais positivo, muito mais amplo, do que aquele que procura apontar exclusivamente que o colaborador é um delator. Na verdade, o instrumento vai além disso e está previsto na normativa internacional, na normativa doméstica, e tem sido usado em prol da coletividade”, explica. Mesmo assim, Aras aponta para a necessidade de o Supremo Tribunal Federal estabelecer alguns lineamentos sobre o instituto.
Já Föppel devende que há outros meios probatórios e outras formas de chegar à verdade, que não necessariamente por meio da cooperação de alguém que está sob subjetivamente comprometido com aquele procedimento.
“Não se podem estabelecer favores para um sujeito que tem um comportamento desviante em troca da obtenção de determinada verdade, que pode ser obtida de uma outra forma, por uma outra finalidade”, afirma.
Além disso, ele aponta para o problema da gestão da prova no processo penal. Isso porque, segundo Föppel, quando a delação é feita, em um primeiro momento, os advogados dos outros corréus não participam.
Com isso, “como a delação está como um produto pronto e acabado, no momento do contraditório, a possibilidade da oralidade é usurpada, já que o sujeito vai sempre se recorrer ao que está escrito. “Na dúvida vale o que ele já afirmou antes”, explica.
Entretanto, Föppel é favorável a delação premiada na hipótese de extorsão mediante sequestro, enquanto a vítima estiver com a liberdade privada. Ele considera que nessa circunstâncias há um bem maior.  “Mas fora disso, parece que a delação vai criar um tipo de comércio processual, que é por tudo e em tudo, evitável”.
“Fora que iremos criar um espécie de delatores profissionais, e não me parece que seja um mecanismo de defesa mais trabalhoso. Porque, de fato, o advogado não defende ninguém, apenas confessa, e negocia as consequências do delito”, diz Föppel.
Os dois concordam, ao menos, em um ponto: o delator comete crime se mentir. Mas, o advogado chama a atenção para o fato de que, nesse caso, a pena é menor que a prevista para falso testemunho. O  delator que imputa falsamente alguém a um fato criminoso tem pena de um a quatro anos. No falso testemunho, a pena é de dois a quatro anos.
Crime organizado
Os dois também divergem em relação ao conceito de crime organizado. Föppel acredita que ele só foi criado em 2013, já Aras considera que ele existe desde 2004.
A explicação de Aras é a de o conceito foi criado por uma composição do artigo 2 da Convenção de Palermo com o texto do inciso 7 do artigo 1º da antiga Lei de Lavagem de Dinheiro, que foi alterada em 2012. Segundo ele, entre 2004 e 2012, havia a possibilidade de utilizar o conceito para compor o crime de lavagem de dinheiro, mas não para tipificar o delito de associação e organização criminosa – “o que de fato só surgiu em 2013”, afirma.
O que acontece, explica Aras, é que o STF, no HC 96007, afastou a possibilidade de utilização num caso em que foi imputada a prática de estelionato praticado por uma organização criminosa. O conceito de organização criminosa seria retirado a partir do texto de Palerma.
“O fato é que aceitando ou não o conceito de Palermo como conceito impositivo, nessas convenções há normas de tipificação obrigatória, como esta, e de tipificação facultativa. E o texto é muito claro”, afirma.
“A partir de 2012, nós temos tanto o conceito e, em 2013, o tipo penal. Só que essas duas leis sucessivas, a lei de 2012 e a de 2013, são incompatíveis entre si e uma delas é incompatível com a normativa internacional que é a convenção de Palermo e com o direito comparado da União Europeia”, finaliza.
Por outro lado, o advogado Föppel diz que a convenção de Palermo não tinha a possibilidade de definir um conceito incriminador interno. Além disso, explica que a convenção não define o que é crime organizado e que, do ponto de vista legal, só existe conceito a partir da Lei 12.850 /2013.
“A convenção de Palermo define o que é grupo criminoso organizado. A nossa legislação trabalhava com centro de organização criminosa. A lei de 2012 tem uma ressalva na própria redação que define as hipóteses em que organização criminosa é considerada para os efeitos da lei”, explica.
Para ele, o problema transcende a questão meramente legalista, o discurso do crime organizado atende a funções não declaradas do sistema punitivo. “Existem associações criminosas, bandos ou quadrilhas, mas não há uma realidade diferente de um bando ou quadrilha que se possa chamar de crime organizado. Esse discurso do crime organizado é usado como uma forma de licença intelectual para justificar medidas de força, como delação premiada”.

Martello del giudice

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JOTA

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