A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) inaugurou formalmente o ano judiciário de 2023 com a promessa do presidente, Ricardo Perez Manrique, de que o colegiado seguirá como um “tribunal de portas abertas” aos cidadãos do continente.
“Cumprindo o propósito de ser um tribunal de portas abertas, a Corte pode retomar visitas aos Estados após a pandemia – ponto fundamental para o relacionamento entre os órgãos de Justiça -, com o objetivo de manter um diálogo ativo com os diversos atores institucionais e sociais. Os órgãos de Justiça têm que ser corpos abertos, que não tenham medo do relacionamento e do diálogo com os países. Isso permite que os juízes e juízas tenham uma visão privilegiada a respeito dos desafios do continente”
Em cerimônia realizada na sede do tribunal, em São José, na Costa Rica, na terça-feira (7/2), Manrique destacou vários ganhos em 2022, como a chegada de três juízas e o do juiz brasileiro Rodrigo Mudrovitsch, e a implementação de um sistema híbrido de trabalho, com atividades presenciais e virtuais.
Segundo ele, a nova composição e o novo modo de trabalho, aliado à tecnologia, melhoraram os resultados do tribunal. “Os resultados são categóricos. O tribunal se reuniu, de maneira colegiada, por 24 semanas. Foram realizadas 42 audiências públicas e três diligências sobre casos contenciosos. Foram emitidas 25 sentenças e nove interpretações, assim como uma opinião consultiva”, pontuou o presidente.
Para além dos números, ele ressaltou vários avanços jurisprudenciais no ano que se passou. “Em 2022, a Corte pôde se posicionar sobre temas como a independência judicial, a liberdade de expressão e suas responsabilidades, os direitos políticos e de liberdade de expressão de partidos de oposição e a responsabilidade do Estado por repressão e extermínio motivados por ideologia política; o direito das mulheres a uma vida livre de violência, a violência obstétrica, os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, os limites da pena de morte, os requisitos para legitimar uma prisão preventiva, entre outros importantes temas”, elencou Manrique.
Outro destaque foi para a inovação na notificação de sentenças, que passou a ser com atos públicos, abertos à imprensa e aos cidadãos. “Isso permitiu incrementar a cobertura que se realiza sobre a jurisprudência do tribunal e, consequentemente, o conhecimento dos cidadãos a respeito”, disse o presidente.
Manrique também fez menção à consolidação da justiciabilidade de direitos econômicos e sociais culturais e ambientais, os chamados “Desca”. Em sentença contra a Costa Rica, em setembro de 2022, os juízes reconheceram, por quatro votos a dois, que o Estado deve ser responsabilizado por violar um desses direitos (o direito ao trabalho, no caso específico julgado), com base no artigo 26 da Convenção Americana.
“Em uma região como a América Latina, com altíssimos índices de pobreza e desigualdade, a contribuição da Corte para a proteção de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais foi uma resposta não só essencial, mas prioritária. Todos os países da região enfrentam grandes desafios nesse sentido – a crise econômica, a situação pós-pandemia, a crise de imigração, os problemas ambientais e outras questões estão enfraquecendo as democracias e o Estado de Direito. Hoje, diante dos problemas da sociedade, é possível dizer que nossa jurisprudência se tornou fundamental”.
Ricardo Manrique finalizou o discurso de abertura do ano judicial citando Eduardo Galeano e sua visão de utopia.
“Me permitam recordar Eduardo Galeano, quando se referiu à utopia, que eu identifico como o compromisso de fazer efetivos os direitos humanos de todas as pessoas, especialmente os mais vulneráveis. Disse Galeano: ‘A utopia está no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos’. Então para que serve a utopia? Para isso: serve para caminhar. Hoje, todos olhamos para o horizonte de proteção dos direitos humanos, que nos obriga, dia a dia, a dar o melhor de nós mesmos para não deixarmos nunca de caminhar”.
Presidente do STJ ressalta importância da independência judicial
O evento contou com participação brasileira da presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a ministra Maria Thereza de Assis Moura. No discurso, ela abordou a importância da independência de juízes e juízas como forma de evitar violações em meio ao que chamou de “preocupante proliferação de ataques às instituições democráticas”.
“Vivemos em sociedades cada vez mais desiguais e polarizadas, que se converteram em terreno fértil para líderes políticos que oferecem respostas fáceis a problemas complexos. Em muitos casos, por vias excepcionais e contrárias à construção de consenso que é a base da democracia contemporânea”, lamentou a ministra.
Ela agradeceu aos juízes da Corte pelo trabalho em defesa das democracias da região e destacou sentenças que resultaram em mudanças internas ao Brasil, como a criação de regras mais rígidas para prisões em flagrante, a adoção de um protocolo judicial com perspectiva de gênero e ações para diminuir a letalidade policial.
“No nosso caminho sempre inconcluso de formação das democracias da região, esta Corte cumpre papel fundamental. Suas decisões nos oferecem pautas e parâmetros para melhorar nossas realidades e superar as páginas tristes da nossa história”.
Maria Thereza também reforçou o compromisso brasileiro de cooperar com a Corte IDH. “Renovo o compromisso do Superior Tribunal de Justiça do Brasil com a defesa da cidadania e dos direitos humanos, com nossa melhor disposição para aprofundar e ampliar a cooperação com a Corte Interamericana. Trabalhemos juntos para fortalecer as democracias da região, fazendo realidade a proclamação do artigo 1 da Declaração Universal de Direitos Humanos: todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, finalizou.