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Corte IDH condena Peru por demissões arbitrárias no governo Fujimori

Tribunal reafirmou entendimento quanto à sua competência para julgar violações a direitos econômicos e sociais

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Crédito: Unsplash

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) declarou o Peru responsável pela demissão arbitrária de 184 funcionários do Congresso durante o governo de Alberto Fujimori. Em decisão divulgada na última quarta-feira (25/1), o Tribunal concluiu que as dispensas violaram as garantias judiciais e os direitos ao trabalho e políticos dos servidores.

As demissões ocorreram no contexto de um programa de racionalização implementado pelo ditador peruano. Em abril de 1992, o então presidente dissolveu temporariamente o Congresso e iniciou um processo de reorganização de pessoal que levou à dispensa de trabalhadores a partir de resoluções administrativas que vedavam a interposição de recurso.

A Corte IDH considerou que o Estado peruano foi incapaz de assegurar às 184 pessoas demitidas os direitos a serem ouvidas, com as devidas garantias judiciais e em um prazo razoável, e a permanecerem em cargo público em condições de igualdade. O entendimento dos juízes foi unânime em relação a isso.

Por isso, foi fixada uma indenização por danos imateriais no valor de US$ 25 mil para cada uma das vítimas. Além disso, o Peru também deverá incluir as pessoas no Cadastro Nacional de Trabalhadores Despedidos irregularmente.

Uma vez inscrita no registo, a pessoa tem de escolher um dos seguinte benefícios: reinserção ou mudança de emprego; aposentadoria antecipada; compensação econômica ou treinamento e reciclagem laboral. Das 184 vítimas, 140 já estavam cadastradas, segundo o Estado peruano.

A divergência surgiu quanto à possibilidade de responsabilizar o país por desrespeito a direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (Desca). Eles são mencionados no artigo 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), que exige um desenvolvimento progressivo para atingir sua plena efetividade.

Segundo Flávio Bastos, advogado que atua perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), os Desca diferem de direitos civis e políticos na operacionalização e dinamização. Enquanto os primeiros demandam uma postura ativa do Estado na forma de políticas públicas, os últimos são marcados pela instantaneidade.

“Para que os direitos econômicos, sociais e culturais sejam efetivos, o Estado tem que agir progressivamente, na medida das suas forças, para implantá-los. O Estado que é mais rico consegue implantar direitos econômicos, sociais e culturais com mais rapidez. O Estado que é mais pobre, não. Cada um, nas suas forças, tem que trabalhar continuamente a implementação de políticas de saúde, educação, transporte público, lazer, moradia e assim por diante,” explicou Bastos.

No caso das demissões arbitrárias no Peru, os juízes Humberto Porto e Patrícia Goldberg ficaram vencidos ao votar no sentido de que a Corte IDH não tem competência para apreciar eventuais violações aos Desca porque isso ignoraria o princípio da progressividade e a autonomia dos Estados. Trata-se de visão uma voluntarista, baseada na literalidade dos tratados internacionais.

O problema, segundo o professor da UFRJ Siddharta Legale, que coordena o Núcleo Interamericano de Direitos Humanos (NIDH), é que a leitura ignora “a interpretação evolutiva, ou histórico evolutivo, dos direitos. Eles ignoram o princípio pró-persona nessa dimensão da escolha mais favorável para o indivíduo [art. 29 da CADH], porque eles usam as regras de interpretação da Convenção de Viena dos Tratados”.

“Só que uma coisa é um tratado de importação de exportação de banana. Outra coisa é um tratado que envolve direitos humanos existenciais. Tem regras próprias de interpretação. Então, o Cançado Trindade, o Eduardo Ferrer MacGregor e o Rodrigo Mudrovitsch estão nessa linha mais protetiva dos direitos humanos, que faz muito mais sentido.”

Os juízes da Corte IDH Eduardo MacGregor, do México, e Rodrigo Mudrovitsch, que é brasileiro, escreveram um voto conjunto para o julgamento envolvendo o Peru, citando inclusive o ex-presidente da Corte IDH Cançado Trindade. Para os magistrados, a justiciabilidade imediata dos Desca foi absorvida pela linguagem do sistema americano de proteção dos direitos humanos, “transformando-a em categoria fundamental para enfrentar os problemas urgentes dos povos do continente, marcados por profundas desigualdades sociais”.

Por cinco votos a dois, o Tribunal entendeu que o Estado peruano violou o direito social ao trabalho das vítimas, protegido pelo artigo 26, em função das demissões sem justificativa e que lhes fosse permitido recorrer.

A decisão reflete que a nova composição da Corte IDH tem o compromisso de assegurar a justiciabilidade direta dos Desca, afirmou Flávia Piovesan, ex-membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o que é um “trunfo, sobretudo no nosso contexto, a região mais desigual do planeta, e essa desigualdade ainda agudizada pela pandemia”.

Piovesan disse que a posição consolida a visão integral dos direitos humanos e fortalece a capacidade transformadora da Corte Interamericana. “É muito importante uma jurisprudência emancipatória, que possa responder às injustiças e converter tanta dor e sofrimento em direitos, justiça e respeito.”

Leia, em espanhol, a decisão que considerou o Peru responsável pela demissão de 184 funcionários no governo Fujimori.