
Conforme avançam as investigações do escândalo de venda de joias do governo Bolsonaro, aumenta a possibilidade de que o tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), lance mão de estratégias que possam atenuar as consequências jurídicas para ele próprio. E a delação premiada não seria o único caminho para tanto — a confissão também pode ser usada por Cid, como já afirmou o advogado Cézar Bittencourt.
O militar está preso desde o começo de maio – ele foi detido pela Polícia Federal (PF) no âmbito da operação que investiga a inserção de dados falsos no cartão de vacinação de Bolsonaro. Flávia Rahal, advogada criminalista e sócia do escritório Rahal, Carnelós e Vargas do Amaral Advogados, explica que nos acordos de delação premiada é esperado que se faça uma confissão seguida da indicação de outros elementos do crime. “Pressupõe-se que as pessoas tenham provas ou indiquem caminhos. Não adianta só falar, principalmente quando novas pessoas são citadas”, diz a advogada.
De acordo com a Lei 12.850/2013, nos casos de delação premiada, o juiz poderá conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal. Para isso, o magistrado levará em conta a eficácia da colaboração, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso.
No caso de Mauro Cid, como o militar testemunhou o dia a dia dos palácios do Planalto e da Alvorada durante o governo Bolsonaro, ele poderia ajudar as autoridades com provas concretas ou com a indicação de caminhos para obtê-las. A própria CPMI dos atos de 8 de janeiro pode propor uma colaboração premiada com ele. Nesta semana, a Advocacia do Senado Federal respondeu um questionamento da relatora da comissão, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), indicando que é possível que comissões parlamentares de inquérito proponham acordos aos depoentes, desde que tenham a concordância do Ministério Público.
Confissão?
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro está implicado principalmente no escândalo das joias recebidas em viagens oficiais. Uma investigação da PF indicou que ele, com a ajuda de seu pai, teria transportado e tentado vender joias ganhadas pelo governo brasileiro nos Estados Unidos. Seu advogado, o criminalista Cezar Bitencourt, disse para a emissora Globonews que o militar pretendia prestar um depoimento confessando as negociações para revenda de um relógio Rolex recebido por Bolsonaro.
A confissão, diferente da delação premiada, é um ato que independe de acordo com o Ministério Público ou com a Polícia. Nesses casos, quem confessa espontaneamente tem o direito de ter a pena reduzida.
O advogado criminalista Fernando Gardinali Caetano Dias, sócio do Kehdi Vieira Advogados, diz que a confissão, além de sinalizar um arrependimento do acusado, pode ser usada como estratégia de defesa para sinalizar boa intenção e desejo de colaboração. A tática pode ser útil especialmente em contextos em que o sujeito está sendo alvo de muitas investigações. “Na Lava Jato houve casos em que a pessoa confessava em um processo para sinalizar uma intenção de fazer um acordo maior em outro caso”, diz o advogado.
Delação unilateral
No caso de as negociações para uma delação premiada serem frustradas, uma terceira hipótese que a defesa de Cid pode tentar é a delação premiada unilateral – prática que o seu ex-advogado, Bernardo Fenelon, defendeu no livro “A Colaboração Premiada Unilateral”. O advogado deixou a defesa do militar no começo de agosto, alegando “razões de foro íntimo” e, conforme noticiado pela imprensa, “quebra de confiança”.
No livro, Fenelon argumenta que os benefícios da delação premiada não podem ser restritos aos que fizeram um acordo prévio com o Ministério Público. O advogado afirma que num cenário em que o acusado só poderia colaborar se aceitasse os termos do MP poderia ser “interpretado como um impedimento à própria possibilidade de arrependimento do indivíduo”.
A principal diferença, segundo a obra de Fenelon, é que no caso de uma colaboração premiada unilateral, não há a segurança de favores certos e definidos. No entanto, seria um direito da defesa discutir o assunto com o juiz caso não haja acordo entre as partes. “Tal realidade é legalmente prevista e não pode ser rechaçada, na medida em que a própria Lei 12.850/13 é literal ao prever que o magistrado aplicará os possíveis prêmios ‘a requerimento das partes’ – o que, obviamente, inclui o réu”.
As investigações de Mauro Cid
Além da investigação que apura o esquema de fraudes nos cartões de vacinação, pela qual foi preso, Cid também poderia colaborar com o caso das joias recebidas por membros do governo em viagens oficiais; com a investigação sobre a origem do documento que ficou conhecido como “a minuta do golpe” e também na investigação da invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo hacker Walter Delgatti.
Nesta quinta-feira (31/8), o militar é ouvido novamente pela PF no inquérito das joias. São, ao todo, oito depoimentos simultâneos. Além de Cid, foram convocados também a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro; o ex-presidente Bolsonaro; o general da reserva Mauro Lourena Cid, pai de Cid; o advogado Frederick Wassef, que defendeu a família Bolsonaro em vários casos; Fabio Wajngarten, ex-chefe de comunicação do governo Bolsonaro; e mais dois assessores do ex-presidente.
Esse é o segundo depoimento de Cid à polícia nesta semana. Na última segunda-feira (30/8), o ex-ajudante de ordens passou quase 10 horas na sede da PF depondo no inquérito que investiga as declarações do hacker Walter Delgatti.