Bárbara Mengardo

O julgamento de contencioso tributário por aprovados em concurso público garante independência das decisões e uma fundamentação mais técnica dos casos. Além disso, é preciso que tribunais como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), sob escrutínio desde a eclosão da operação Zelotes no fim de março, adotem ritos processuais próprios e não necessariamente o que está previsto no Código de Processo Civil.
Esta é a visão de Marco Antonio Mazzoni, presidente do Tribunal Administrativo Tributário do Estado (Tate-PE), onde grande parte das inovações que estão sendo cogitadas agora para Carf por uma CPI no Senado e apoiadas pelo governo são rotina. No Tate, concurso público é regra desde 1975, e não há representantes do Fisco ou dos contribuintes.
Mazzoni afirma que nenhuma das partes é subrepresentada nos julgamentos. Para ele, a atuação dos conselheiros é técnica, e não política, e por isso o concurso público é a melhor opção. “Não se trata de representar contribuinte ou representar Estado, o cerne da questão é ter uma decisão bem fundamentada tecnicamente”, diz.
Com sede na capital pernambucana, o Tate-PE tem atualmente nove conselheiros, mas o número deve, até fevereiro de 2016, subir para 23. No tribunal, que é semelhante ao Carf, mas trata de tributos estaduais, como o ICMS, tramitam 2,8 mil processos, com valor total de R$ 3 bilhões.
Presente no XIV Congresso Internacional de Direito Tributário de Pernambuco, organizado pelo Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (Ipet), Mazzoni conversou com o JOTA sobre as peculiaridades do Tate-PE.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
O que o senhor considera que existe de interessante no Tate e poderia ser utilizado em outros tribunais?
Eu acho que primeiramente é virtuosa a forma de provimento dos cargos. O concurso público é a forma republicana e democrática de selecionar os melhores profissionais que existem no mercado para desempenhar uma atividade pública, como é a de julgar. Além do mais, o concurso público confere uma autonomia a esse servidor, que não está lá porque foi colocado por A, B ou C. Se questiona muito a imparcialidade do julgador. Aqui em Pernambuco temos uma norma que rege a nossa atividade, todos os julgadores são bacharéis em direito concursados especificamente para esse cargo. Em tese teríamos todas as garantias da magistratura, a única que nós não temos expressamente é a vitaliciedade, que é, em poucas palavras, a garantia de ser julgador até morrer. Mas temos a garantia da inamovibilidade, que é a garantia de que, pelos meus atos, um chefe não possa me transferir para outra cidade. Eu posso dizer com tranquilidade que durante esses 22 anos que eu sou julgador e quase 12 que estou presidente no tribunal nossas decisões sempre foram respeitadas pelo governo, ainda que fossem contrárias ao governo. A gente escuta que o tribunal é respeitado nas suas decisões, seja contra ou a favor do contribuinte ou do Estado, e respeitado pelo próprio Estado.
E tem outra história que eu posso contar. Até o ano 2000 o Tate de Pernambuco tinha dentre os seus julgadores três conselheiros classistas, que eram indicados por entidades econômicas. Em 2000 foram extintos esses cargos, e um dos fundamentos utilizado pelo então governador da época, Jarbas Vasconcelos, era o de que a atividade dos classistas era irrelevante porque a forma de provimento dos julgadores com concurso público já garantia a necessária independência e autonomia nos julgamentos.
Você concorda com essa afirmação? De que, no fundo, os contribuintes e o Estado já estavam representados por concurso público?
Veja bem, eu não posso falar em representação. A atividade de julgamento é técnica e jurídica. É a resolução de um conflito que de um lado está o Estado lançador do tributo e do outro o contribuinte, cada um deduzindo suas razões. A atividade de julgamento me parece que não se dará através de representação de contribuintes ou representação do Estado. A resolução, para poder ser justa, é a aplicação dos direitos aos fatos. É uma resolução técnica, e não política. Me parece que os conselhos paritários são muito interessantes para aqueles órgãos que discutem questões políticas, e a atividade de lançamento não é política, é uma atividade vinculada á lei. Não se trata de representar contribuinte ou representar Estado, o cerne da questão é ter uma decisão bem fundamentada tecnicamente.
Qual o efeito prático de o tribunal não ter paridade e prever concurso público? Há diferenças em números de provimentos ou na rapidez do julgamento?
Na prática há e não há diferença substancial. Há dois anos atrás, em um congresso de direito tributário, quando era discutido os ataques que o Carf vinha sofrendo por conta de um procurador que entrou com ações anulatórias, eu provoquei a mesa, que era formada basicamente por conselheiros do Carf, questionando se, diante do que está acontecendo, não seria a possibilidade de se discutir um novo modelo. A resposta que eu recebi não foi científica ou técnica, foi ‘quem garante que um concursado público não vá votar a favor de A ou B?’. O que garante é a qualidade do serviço prestado. A solução deve ser técnica, apropriada dentro das normas vigentes para aquele caso que foi analisado.
Então não acaba existindo um lado menos representado ou um julgamento mais tendenciosos pelo fato de se ter concurso público ou não ter paridade?
Eu acho que o concurso nos dá independência de fazer um julgamento de acordo com o livre convencimento fundamentado, um julgamento técnico.
A gente tem ouvido que o julgamento, apesar do concurso público, ainda pode ser tendencioso pelo fato de o governo pagar os conselheiros. Isso é real?
Se utilizarmos esse argumento vamos acabar com o Judiciário, porque quem paga o Judiciário é o Estado. Vamos acabar com todas as estruturas. Se diz ‘[O judiciário] é um poder independente’. Sim, mas os recursos vêm de onde? Esse é um argumento extremo e sem fundamentação lógica, mas já foi utilizado. Em uma sociedade democrática e regida por leis cada um tem suas atribuições e competências. Se foi atribuído ao julgador tributário apreciar o litígio surgido entre o lançamento promovido pelo Estado e o contribuinte ele tem que resolver esse conflito tecnicamente.
Há mais algum aspecto do Tate que o sr. acha interessante passar para outros tribunais ou mesmo para o Carf?
Eu fico muito temoroso em querer prescrever algo para alguém, até porque se comparar o contencioso do Estado de Pernambuco com o Carf, que é uma parte do contencioso da União, são dimensões completamente distintas. Mas o que eu posso dizer é que em Pernambuco nós não copiamos o Código de Processo Civil [CPC], nós temos uma lei própria de processos. O Carf também tem. Aqui o nosso processo é extremamente enxuto, as partes têm direito à sustentação oral e direito de produzir provas.

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JOTA

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