Corte IDH

Comunidade pede condenação do Peru por contaminação gerada por complexo metalúrgico

Moradores da cidade de La Oroya dizem ter doenças causadas pelo contato com metais como chumbo, cádmio e arsênio

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A cidade peruana de La Oroya / Crédito: Tours Centro Peru/Wikimedia Commons

A contaminação gerada por um complexo metalúrgico em La Oroya, uma pequena cidade andina na região central do Peru, levou moradores a pedirem a condenação do país à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) por violações de direitos fundamentais.

Em audiência pública realizada na quarta-feira da última semana (12/10), em Montevidéu, representantes da comunidade expuseram problemas de saúde decorrentes da poluição à terra e ao ar da região, em virtude da atividade minerária do complexo, instalado no local há cem anos.

“Tem sido muito desastroso. Vivemos sob uma névoa de gases tóxicos do complexo. Muitas pessoas, crianças sobretudo, sentiam os gases como se fossem uma caspa de cabelo impregnada no rosto. Foi uma grande contaminação, com altos níveis’, narrou Rosa Noemí Amaro Toykin, ex-moradora da comunidade e representante do Movimento pela Saúde de La Oroya.

Segundo integrantes da comunidade, exames de sangue comprovaram que eles estão contaminados por metais oriundos do processo industrial, como chumbo, cádmio e arsênio, o que afeta o sistema nervoso central, a respiração e o desenvolvimento psicossocial principalmente de crianças.

“Eu sei que estou afetada na minha saúde enormemente, porque me sinto mal. Não é por nada que nos queixamos, nos queixamos porque temos direito de exigir um ambiente saudável, de respirar um ar puro”, disse Toykin.

A representante dos moradores afirmou que, desde que começou a reclamar publicamente da poluição, passou a receber ameaças de morte e de que teria sua casa queimada. “O Estado é o responsável direto. Ele dá facilidades, mas tira direitos. Não é justo. Temos que fazer valer nosso direito, não agredindo, mas lutando, porque é nosso direito”.

Yolanda Elisabeth Zurita Trujillo, também moradora da comunidade, de 63 anos, narrou o que via quando criança, quando brincava perto do complexo. Ela passava muito tempo próxima ao local porque o pai era funcionário do local.

“Era dramático quando as densas neblinas estavam no céu que respirávamos. Eu sentia uma dor profunda pelas vias nasais, uma ardência por todo o sistema, dor de cabeça e lacrimação dos olhos”, disse.

Ela declarou que se assustou quando saiu da comunidade. “Eu achava que aquilo era normal, mas depois me dei conta que não era normal respirar esse tipo de ar e tampouco era normal ter um céu preto. Não foi normal, quando eu saí de Oroya, ver que as outras paisagens tinham um verde bonito, tinham vida. Realmente, senti um impacto tão forte que dizia: ‘Meu deus, por que me tiraram a chance de ver esse paraíso? Por que me impuseram uma paisagem que deprimia, que me doía?”.

O complexo já pertenceu ao Estado peruano e, desde 1997, era operado pela empresa Doe Run Peru, controlada pelo grupo estadunidense Renco, que decretou falência em 2009. No ano passado, a fábrica foi cedida aos seus trabalhadores. Desde então, está parada.

Para a representante das vítimas Liliana Avila, da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (Aida), embora atualmente não se produza mais contaminação, o dano é irreversível.

“A exposição a tóxicos perigosos, como são o dióxido de enxofre, o chumbo, o cádmio e o arsênio, são um ataque à integridade pessoal que compromete a vida e a saúde das pessoas. Para os moradores de La Oroya, o dano já está causado e é irreversível. A contaminação tóxica já está em seus ossos, corações e pulmões, que já estão debilitados”, declarou na audiência.

Rosa Peña, outra representante da comunidade, defendeu que o Estado peruano é diretamente responsável pelos problemas de saúde das vítimas porque jamais controlou a operação do complexo metalúrgico e não tomou nenhuma atitude para mitigá-las.

“Apesar de que, pela magnitude da situação em La Oroya, se pedia medidas urgentes e imediatas, o Estado insistiu em minimizar a gravidade da situação em vez de garantir a saúde dos habitantes. O Estado nunca regulou de forma efetiva a operação do complexo com o fim de prevenir os riscos associados. Também não definiu critérios de proteção de qualidade do ar que poderiam garantir a saúde das pessoas’, disse a advogada.

As representantes das vítimas solicitaram aos juízes da Corte que ordenem, como medidas de reparação, que o Estado do Peru implemente um plano ambiental e de saúde efetivo para o complexo metalúrgico, que garanta a redução e controle das emissões de poluentes, que monitore a qualidade do ar e produza um plano de atenção integral aos afetados.

Ao defender o Estado, o procurador supranacional Carlos Miguel Reaño questionou as provas apresentadas pelos moradores. Conforme ele, não há comprovação de nexo causal entre a operação da fábrica e os problemas de saúde reportados.

“O Estado peruano considera que não se verifica objetivamente, conforme termos técnicos apresentados em instâncias estatais, a dedução que a exposição a metais pode ter para o desenvolvimento dos problemas de saúde que foram relatados”, argumentou o procurador.

Para o representante do Estado, os documentos levados ao tribunal pelos reclamantes são genéricos e apenas presumem que há relação direta entre a exposição a metais e os sintomas relatados. “Os documentos apresentados pelos representantes das supostas vítimas têm opiniões médicas gerais, no entanto não há um diagnóstico médico que permita identificar as consequências específicas sobre a saúde das pessoas envolvidas. Ou seja, a documentação não tem um diagnóstico médico conclusivo sobre o quadro clínico, assim como sua relação com os fatos apresentados no caso”.

Ao fim da audiência, o presidente da Corte IDH, o juiz uruguaio Ricardo Pérez Manrique, relembrou que as partes têm um mês para apresentar as alegações finais escritas. Depois disso, uma sentença pode ser proferida a qualquer momento.

Além de Manrique, participam do julgamentos os juízes Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Nancy Hernández López (Costa Rica), Verónica Gómez (Argentina), Patricia Pérez Goldberg (Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (Brasil).