Era uma vez a fita cassete, o vinil e o CD. A vez agora é da música na internet - até nas brigas judiciais. O formato do século XXI protagoniza uma disputa milionária entre empresas de telecomunicações e o Ecad, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, que centraliza a cobrança de direitos autorais pela execução pública de canções no Brasil.
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O avanço da tecnologia e a rápida mudança no modelo de negócios dos players da música digital complicam a tarefa do Judiciário brasileiro, que tem sido chamado a suprir uma lacuna na legislação. Isso porque a internet engatinhava e o download sequer existia em 1998, quando foi editada a Lei 9.610, que regula os direitos autorais.
Apenas o Google depositou R$ 5,8 milhões em uma ação que visa a impedir o Ecad de barrar a veiculação de vídeos no Youtube por suposta violação aos direitos dos músicos. Em maio, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) derrubou o segredo de justiça do processo para que os artistas tenham conhecimento do debate e possam acionar o Judiciário caso se sintam lesados. Uma mediação entre o Google e o Ecad está marcada para 26 de janeiro, na 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.
Audiência Pública
Apesar de não envolver muitos processos, a complexidade da discussão levou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a abrir as portas para uma audiência pública, que será realizada nesta segunda-feira (14/12). Veja abaixo a lista dos participantes.
A batalha jurídica chegou à Corte em 2015, dezesseis anos depois do seu estopim nos Estados Unidos, quando o Napster possibilitou aos usuários baixar músicas gratuitamente pela rede mundial de computadores, contrariando a indústria fonográfica e grandes bandas, como o Metallica.
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O recurso que estimulou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva a abrir o debate público (REsp 1559264) questiona decisão do TJRJ que entendeu indevida a cobrança pelo Ecad pela retransmissão da programação da Oi FM na internet. É o que se chama de simulcasting. O Ecad passou a exigir um percentual sobre as receitas com publicidade pela transmissão via internet, além da que já é paga pela rádio.
Diante do avanço do modelo de pacotes pagos de música, advogados consideram ultrapassada a discussão posta no STJ. Para outros, a decisão do tribunal no caso da Oi servirá como uma bússola para o Judiciário resolver se o Ecad tem direito a receber pela disponibilização de músicas pela internet, independentemente da forma utilizada pelas empresas para dar aos internautas acesso às obras de suas bandas e cantores favoritos.
O serviço da Oi é diferente do prestado por empresas como a Apple Music e o Spotify, que cobram uma assinatura ou um valor pelo download da música.
A diferença entre as tecnologias parece uma questão menor para definir se ouvir música pela internet configura execução pública de obra. Mas talvez não seja. A Justiça do Rio de Janeiro, por exemplo, tem diferenciado as tecnologias webcasting (transmissão entre o site e o computador do usuário), simulcasting (retransmissão da programação da TV ou rádio na internet) e streaming (baixar o arquivo). Em pelo menos três decisões, os magistrados verificaram se haveria exibição coletiva de obra em cada uma dessas modalidades.
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É a transmissão pública de obras artísticas o fato gerador da cobrança do Ecad, como preveem os artigo 68 e 99 da lei de direitos autorais. A redação do artigo 68 fala em exibição em local de “frequência coletiva”. Daí a questão posta ao Judiciário: seria a veiculação pela internet uma exibição pública ou privada das músicas?
"Não existe local de maior frequência coletiva que a internet”, defende o advogado do Ecad, Helio Saboya Filho, sócio do Saboya, Direito, Muanis.
Napster, de novo
A Justiça fluminense, porém, não tem entendido assim.
Na decisão mais recente sobre o assunto, a juíza Renata Gomes Casanova de Oliveira e Castro, da 19ª Vara Civil do Rio de Janeiro, impediu o Ecad de cobrar direitos autorais do Sonora, vendido recentemente pelo Terra à empresa Rhapsody, detentora da marca Napster. Cabe recurso da decisão publicada na última segunda-feira (7/12).
O escritório de arrecadação alega que o Sonora não pediu autorização para veicular publicamente as obras, e exigiu que a empresa pague 7,5% de seu faturamento mensal a título de perdas e danos. O Sonora, por sua vez, alegou que os artistas autorizaram e receberam pela comercialização das músicas.
Para a juíza, o serviço prestado pela empresa não caracterizaria exibição pública de obras músicas. O Sonora consiste na disponibilização de um catálogo de músicas mediante pagamento de assinatura. O usuário seleciona a obra e a ouve quando quiser.
“O simples fato de expor em catálogo os nomes das músicas, autores, intérpretes e demais dados de cada fonograma não importa exibição pública, ainda que o catálogo seja disponibilizado para um extenso público simultaneamente”, afirmou a magistrada, complementando: “O lojista precisa apresentar ao consumidor os produtos disponíveis à venda, caso contrário não será possível vendê-los”.
Segundo ela, “a escolha individual do usuário, quanto ao conteúdo específico (a canção exata) que quer ouvir e o momento em que se inicia a reprodução da música, é determinante para a verificação se a exibição é pública ou em caráter privado”, ressaltou a juíza, desconsiderando o parecer do perito, o músico Carlos Beni, ex-integrante do Kid Abelha e autor de sucessos dos anos 1980 como Fixação e Como eu Quero.
“O precedente vale para todos. O caso do Sonora é mais próximo do que se tem da realidade, de prática do mercado, que é o serviço de assinatura”, afirmou ao JOTA, o advogado da empresa, Dirceu Santa Rosa, do escritório Licks Advogados.
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Todos numa mesma canção
No caso do Ecad x Myspace, a 10ª Câmara Civil do TJRJ também negou a cobrança pelo escritório de arrecadação por entender que transmitir música pela internet não configura performance pública do conteúdo, na medida em que a obra é cedida individualmente ao usuário.
De acordo com o relator do caso, o desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto, a frequência coletiva pressupõe que muitas pessoas compareçam reiteradamente no mesmo local, como em bares, cinemas, teatros, hotéis e meio de transporte. “Daí a impossibilidade de se interpretar a execução pública prevista na Lei dos Direitos Autorais à simples concepção de ‘um número indeterminado de pessoas’, na medida em que o legislador não visou à indeterminação, e sim à coletividade”, afirmou.
O magistrado rejeitou ainda o argumento do Ecad que levantou decisão da Quarta Seção do Tribunal de Justiça da União Europeia no sentido de que a “comunicação ao público” se refere a número indeterminado de destinatários potenciais. Logo, a transmissão de música pela internet seria alcançada pelo artigo 68 da lei de direitos autorais. Para Garcez Neto, a execução pública é apenas uma modalidade de comunicação ao público.
No caso da Oi, agora sob exame do STJ, o tribunal fluminense entendeu que “embora o acervo musical esteja disponibilizado no site da rádio ao acesso público, resta evidente que uma vez selecionado pelo usuário o conteúdo que deseja ouvir, será iniciada uma transmissão individual e dedicada, cuja execução da obra musical será restrita apenas a localidade daquele usuário”.
Disponibilidade
Para o advogado Helio Saboya filho, que representa o Ecad, a discussão hoje dispensa tratamento diferenciado das três formas de transmissão: webcasting, simulcasting e streaming. “É irrelevante para resultado pratico que afeta direito autoral”, afirma.
Para Saboya, o ponto fulcral do debate é o fato de a obra ser disponibilizada na internet. “É outro veículo, é outro fato gerador”.
“Quando eu vejo televisão em casa não estou com a torcida do Flamengo, estou sozinho. Não tem lógica a televisão e o rádio pagarem sem reclamar, e a internet, não”, afirma o advogado.
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Quem participa da audiência pública nesta segunda-feira:
Painel 1 - 9h:
ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO (ECAD), representado pela Sra. Glória Cristina Rocha Braga
OI MÓVEL S.A. INCORPORADOR DO TNL PCS S.A., representada pela Sra. Liliane Roriz e pela Sra. Ana Tereza Basílio
Painel 2 - 9h30
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MÚSICA E ARTES (ABRAMUS), representada pelo Sr. Roberto Corrêa de Mello
Painel 3 - 10h
DIRETORIA DE DIREITOS INTELECTUAIS DO MINISTÉRIO DA CULTURA (DDI), representada pela Sr. Marcos Alves Souza
ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO (ACAERT), representada pelo Sr. Fabrício Trindade de Sousa e pelo Sr. Gustavo Luft Mativi (OAB/RS)
Painel 4 - 10h30
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITOS AUTORAIS (ABDA), representada pelo Sr. Hildebrando Pontes Neto
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RÁDIO E TELEVISÃO (ABRATEL), representada pela Sra. Flávia Marques Lizardo
Painel 5 - 11h
ASSOCIAÇÃO DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO (AESP), representada pelo Sr. Pedro Ulisses Coelho Teixeira
EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO S.A. (EBC), representada pelo Sr. Marco Antônio Fioravante.
Painel 6 - 14h
NAPSTER - SERVIÇO DE MÚSICA POR ASSINATURA, representada pela Sra. Maria Rita Braga de Siqueira Neiva
CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO CONGRESSO NACIONAL, representado pelo Sr. Ronaldo Lemos
Painel 7 - 14h30
CQ RIGHTS - GRUPO DE TRABALHO DIGITAL DO MINISTÉRIO DA CULTURA, representado pelo Sr. Daniel Campello Queiroz
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRODUTORES DE DISCOS (ABPD), representada pelo Sr. Carlos Eduardo Manfrendini Hapner
Painel 8 - 15h
SINDICATO DE HOTELARIA, RESTAURANTES, BARES E SIMILARES DA REGIÃO DAS HORTÊNCIAS E PLANALTO DAS ARAUCÁRIAS (SINDTUR SERRA GAÚCHA), representado pelo Sr. Alfeu Fernando Boscardin de Oliveira
CENTRO DE ESTUDOS EM TELECOMUNICAÇÕES DA PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO (CETUC/PUC-RIO), representado pelo Sr. Marco Antonio Grivet Mattoso Maia e pelo Sr. Edgard Augusto Duarte de Moraes
Painel 9 - 15h30
UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES (UBC) e CONFEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE SOCIEDADES DE AUTORES E COMPOSITORES (CISAC), representadas pela Sra. Marisa Gandelman
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE INTERNET (ABRANET), representada pelo Sr. Manoel Joaquim Pereira dos Santos
Painel 10 - 16h
ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA DA OAB (OAB ESA), representada pelo Sr. Alexandre Rodrigues Atheniense
FEDERAÇÃO IBERO-AMERICANA DAS ASSOCIAÇÕES DE GESTÃO COLETIVA DE ARTISTAS E INTÉRPRETES DO AUDIOVISUAL DO BRASIL (LATIN ARTIS) e INSTITUTO LATINO DE DIREITO E CULTURA (ILDC), representados pelo Sr. Victor Gameiro Drummond
Painel 11 - 16h30
ASSOCIAÇÃO MINEIRA DE RÁDIO E TELEVISÃO (AMIRT), representada pela Sra. Mayran Oliveira de Aguiar
SINDICATO DAS EMPRESAS DE RÁDIO E TELEVISÃO DO PARANÁ (SERTPR), representado pelo Sr. Ricardo Costa Bruno
Painel 12 - 17h
MIX RÁDIO, representada pelo Sr. Fábio Luiz Barboza Pereira
ASSOCIAÇÃO DE MÚSICOS, ARRANJADORES E REGENTES/SOCIEDADE MUSICAL BRASILEIRA (AMAR-SOMBRÁS), representada pelo Sr. Carlos Fernando Mathias de Souza
PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO (UERJ) - Sr. Gustavo Tepedino.