Mariana Muniz

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) recomenda que seja feita uma articulação com o Judiciário para assegurar a realização de audiências de custódia em casos de violência contra a mulher - medida que prevê a apresentação do suspeito perante o juiz até 24 horas após a prisão.
A proposta foi motivada pela informação de que, em diversos Estados, os agressores de mulheres vêm sendo liberados sem que estivessem sendo asseguradas às vítimas as medidas protetivas dispostas na Lei Maria da Penha. A recomendação do CNMP foi publicada em Nota Técnica na última quarta-feira (24/8).
As audiências devem ser realizadas, segundo a nota, pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, quando estruturado juízo especializado nos termos do artigo 14 da Lei Maria da Penha (lei nº. 11.340/06). Quando não houver juizado especializado, o CNMP recomenda a audiência de custódia por qualquer juízo criminal.
<a href="/wp-content/uploads/2016/08/Diario_Ed.158_23.08.2016.pdf">+JOTA: Leia íntegra da Nota Técnica do CNMP</a>
Diz o artigo 14 da Lei Maria da Penha:
Art. 14.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Parágrafo único.  Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.
Especialização
A Nota Técnica recomenda, ainda, que promotores de justiça sejam especializados em relação ao tema, assim como a equipe de assessoramento. Um dos objetivos das audiências de custódia, por exemplo, é conceder ao magistrado mais elementos antes de decidir sobre a necessidade da prisão preventiva.
Prevista em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, especificamente no art. 9.3 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU, a audiência de custódia foi a principal política criminal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na gestão do ministro Ricardo Lewandowski. Começou a ser desenvolvida em fevereiro de 2015.
A nota técnica dá uma instrução generalizada e padroniza uma atuação que era adotada por alguns operadores do direito.
É o caso da promotora de justiça Luciana do Amaral Rabelo, que atua na Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande (MS). Desde outubro, ela participa de audiências de custódia para os casos envolvendo Maria da Penha – respeitando o período de 24 horas.
“Em todas as audiências já é verificado se foi deferida a medida protetiva requerida e caso ainda não tenha sido, ela é apreciada pela juíza na audiência”, explica.
Segundo a promotora, nenhum acusado é liberado sem apreciação do pedido de medidas protetivas.
Após a realização da audiência de custódia, caso o pedido das medidas protetivas seja deferido, o acusado sai intimado.
Resposta
A nota técnica do CNMP serviria como resposta ao PLC 07/2016, que acrescenta dispositivos à lei Maria da Penha para dispor sobre o direito da vítima de violência doméstica a atendimento policial e pericial especializado.
O projeto, em debate no Senado Federal, tem causado polêmica por conta do artigo 12-B do referido PLC, que permitirá aos delegados de polícia decidir sobre o deferimento de medidas protetivas de urgência após o registro da ocorrência policial.
<a href="https://www.jota.info/alteracao-na-lei-maria-da-penha-dara-mais-poder-delegados">+JOTA: Alteração na lei Maria da Penha dará mais poder a delegados</a>
A realização das audiências de custódia poderia ser, então, uma forma de esvaziar o argumento encampado pelos defensores do dispositivo: é que, segundo essa lógica, as medidas protetivas precisavam ser deferidas pela polícia para proteger as mulheres, que ficam desamparadas após o registro da queixa.
“Dessa forma o argumento de que a justiça demora para apreciar não caberá mais, já que o juiz é obrigado a fazer a custódia em 24 horas e a apreciar as medidas protetivas na custódia”, afirma Rabelo, atribuída em violência doméstica na 72ª promotoria de justiça da capital sul mato-grossense.
Gisela Aguiar, professora e advogada criminalista, avalia que a recomendação do CNMP é uma ideia interessante, uma vez que os juizados especializados têm mais experiência com os casos de violência doméstica.
Ela faz uma ressalva, contudo, ao cumprimento do prazo de 24 horas – que “já está sendo descumprido pelo núcleo de plantão, imagina como seria nos juizados”. Ou seja: uma boa medida no papel, mas que precisa ser fiscalizada para ser cumprida de maneira eficaz.
“Também tem um certo perigo de virar uma audiência de instrução antecipada, já que vai ser feita pelo mesmo juiz que vai sentenciar”, alerta Aguiar.
Cautela 
Alguns setores ligados ao atendimento à mulher avaliam a recomendação do CNMP com cautela. Questionam como os direitos das partes envolvidas ficam garantidos diante de uma prisão em flagrante por prática de crime ou contravenção, com aplicação da Lei Maria da Penha.
Para Cláudia Crusius, titular da Delegacia de Polícia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) de Porto Alegre (RS), e coordenadora dessas delegacias no Rio Grande do Sul, convém ressaltar que a violência doméstica e familiar tem aspectos muito específicos, pois as partes possuem ou possuíram um vínculo afetivo, o que causa uma série de desdobramentos.
“A forma como se vai conciliar os direitos do agressor e da vítima nos casos de violência doméstica e familiar deve ser muito bem avaliada, para que não se causem prejuízos irreversíveis à parte naquele momento mais desprotegida, que é a mulher”, alerta a delegada.
A juíza de direito Adriana de Ramos Mello, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, observa que há compatibilidade entre a audiência de custódia e a Lei Maria da Penha e que os presos decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher não devam ser excluídos das audiências.
A magistrada defende que o juiz ou juíza da audiência de custódia não deverá deferir a liberdade do agressor (cônjuge ou companheiro) sem antes determinar, no mínimo, abstenção de contato, de proximidade e de frequentar os mesmos lugares que a vítima, advertindo o agressor expressamente que o descumprimento da medida protetiva de urgência implicaria numa volta ao cárcere.
Solução 
Segundo Adriana, quando a nota técnica recomenda que as audiências de custódia sejam realizadas pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, é preciso ter certa cautela.
“Os juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil foram criados para serem órgãos da Justiça para coibir a violência doméstica contra a mulher e precisam ter estrutura necessária para atender às demandas das mulheres em situação de violência”, afirma.
O que a magistrada pondera é que, como nas audiências de custódia o foco principal é o suposto preso, e não a mulher, há o risco de que juiz priorize o agressor em detrimento da vítima. O que haveria, então, seria uma inversão de valores – temerária, na opinião da juíza.
“Talvez, a solução mais adequada seja exigir capacitação dos juízes e juízas e promotores e servidores das audiências de custódia para a correta aplicação da Lei Maria da Penha e aos tratados de direitos humanos das mulheres”, afirma.

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JOTA

Nota Técnica conclui que a medida auxilia concessão de medidas protetivas 

CNMP recomenda audiências de custódia em casos de violência contra mulher

Nota Técnica conclui que a medida auxilia concessão de medidas protetivas