Corte IDH

Argentina admite ter violado direitos de mãe separada do filho na maternidade

País reconheceu que adoção do menino, autorizada um dia após o nascimento dele, foi ilegal e prejudicou mãe biológica

Argentina 1985
Crédito: Reprodução

A Secretaria de Direitos Humanos da Argentina reconheceu diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) que o país violou direitos de uma adolescente que foi mãe aos 13 anos e teve seu filho enviado para adoção um dia após o parto, sem consentimento.

Em audiência pública realizada pelo tribunal na quarta-feira (19/10), em Montevidéu, o Estado admitiu que a mulher e a mãe dela, avó da criança, foram obrigadas a assinar papéis incompreensíveis, apresentados por um homem estranho, e que o processo judicial de adoção foi ilegal.

A menina, identificada no processo com o nome fictício de María, afirma que logo que chegou ao hospital foi avisada de que perderia o filho. “Quando me fizeram o ultrassom e confirmaram que eu estava grávida, logo me disseram que havia a possibilidade de que meu filho iria para outra família. Mas nunca me escutaram, nunca me perguntaram se eu queria isso”.

Ela contou que, assim que teve o bebê, pediu para vê-lo e foi atendida com restrições. Um dia depois, ele não estava mais lá. “Fiquei sozinha na sala de parto e pedi para vê-lo. Me deixaram só um pouco e depois já o levaram. No outro dia, pedi para vê-lo de novo e me disseram que ele já tinha sido levado do hospital”.

De acordo com a adolescente, ela foi impedida até de ver familiares. “Não deixaram que ninguém da família chegasse perto. Impediram algumas tias de entrar para me ver. Inclusive, elas foram tiradas pela polícia”, afirma.

A menina afirma que hoje em dia consegue ver o filho uma vez por semana, mas sempre acompanhada por assistentes sociais que a tratam mal. Segundo ela, em uma das ocasiões ela foi proibida de tirar fotos com o filho.

“Me arrancaram [o celular] e disseram que eu não poderia fazer isso mais sem antes pedir a elas [assistentes sociais]. Elas me tratam mal, nunca me deixam ficar sozinha com ele, ter uma relação mais próxima. Até ele me disse que se sente observado a todo tempo”.

Apesar do contato, o menino ainda não sabe que é filho biológico da adolescente. “Ele não me reconhece como mãe, mas imagino que deva perguntar quem eu sou, mas eu não lhe disse nada. Ninguém conta a ele”, relatou aos juízes.

Ao depor, a mãe de María chorou quando relembrou do dia em que foi ver a filha na maternidade. “No hospital, me disseram que eu poderia ficar tranquila, que iam me ajudar, não me prejudicar. Mas um senhor trajado não sei se de juiz, de advogado, me fez assinar um papel. Eles me ameaçavam o tempo todo e me obrigaram a assinar um documento para que eu desse o bebê à juíza”.

A juíza liberou a adoção com urgência e, segundo a advogada María Claudia Torrens, representante da vítima, não respeitou o devido processo legal de adoção. Ela pontuou que a separação imediata do bebê da mãe caracterizou-se como violação dos direitos à integridade pessoal, às garantias judiciais, à vida familiar, à proteção da família à igualdade e à proteção judicial.

“Este não é só um caso de separação de um filho da sua mãe, sem voluntariedade. Mais do que isso, é a luta de uma mãe para estar com o seu filho”, disse a advogada.

Ela cobrou uma “intervenção ativa” do Estado argentino para que o menino seja devolvido à mãe biológica.

Araceli Margarita Díaz, outra representante da vítima, reforçou o pedido de celeridade nas ações estatais. “Esse menino, em algum momento, vai saber da verdade e que sua mãe sempre lutou por ele. Isso tem que ser previsto para evitar um segundo sofrimento diante dessa realidade”, ponderou.

Secretário de Direitos Humanos da Argentina, Horacio César Pietragalla disse que o país está comprometido para que o menino seja devolvido à família biológica. “Ressalto que o Estado argentino se encontra comprometido na obtenção de uma urgente resolução deste caso, para que se encerre a incerteza de María de criar seu filho, e do filho de crescer junto à sua mãe e à sua família biológica”.

Ele, no entanto, afirmou que o Estado tem limitações para cumprir o pedido. “Este caso apresenta desafios particulares, já que existe uma limitação concreta por parte do Poder Executivo para intervir sobre decisões do Poder Judiciário, mais ainda quando se trata do Poder Judiciário de uma província, dada a organização do nosso país”.

Pietragalla ainda sustentou que “a devolução do menino ainda não foi resolvida porque as autoridades judiciais seguem insistindo que esse assunto deva tramitar como um processo de adoção e porque ainda está pendente um recurso ante a Corte Suprema de Justiça”.

As partes agora têm um mês para apresentar as alegações finais por escrito. Encerrado o prazo, a Corte pode ordenar que o Estado argentino tome providências a respeito.

Participaram do julgamento os juízes Ricardo C. Pérez Manrique (Uruguai), Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Nancy Hernández López (Costa Rica), Patricia Pérez Goldberg (Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (Brasil).