Corte IDH

Americano pede reparação por não ter ajuda consular ao ser preso na Costa Rica

Thomas Scot, detido desde 2003, diz que em momento algum foi informado sobre seu direito como estrangeiro

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Crédito: Corte IDH/Divulgação

O cidadão americano Thomas Scot Cochran buscou a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) para se dizer vítima de violação do direito à informação sobre assistência consular por parte do Estado da Costa Rica, no âmbito de um processo penal contra ele.

Cochran foi preso em janeiro 2003, na casa em que morava, em San José (capital costarriquenha), depois de uma série de denúncias que o vinculavam a crimes sexuais contra menores de idade.

“Fui à cozinha para buscar algo de comer e ouvi um estrondo enorme na sala de casa. Acendi a luz para ver o que estava acontecendo e, de repente, vi a televisão no chão, vidros por todos os lados, as cortinas voando e militares com capacetes e coletes entrando pelas janelas. Eram muitos entrando e gritando e gritando. Eu não entendia o que estava acontecendo e entrei em pânico. Corri ao fundo da casa e me derrubaram, me colocaram com a cara no chão e me algemaram. Eu não sabia se iam me matar, se iam me sequestrar”, narrou o requerente aos juízes da Corte, em audiência realizada na quinta-feira (10/11).

Segundo Cochran, ele foi levado no mesmo dia a uma prisão e em nenhum momento foi informado de que teria direito a assistência do consulado dos Estados Unidos, por ser cidadão daquele país.

“Ninguém falava inglês, eu não sabia o que estavam buscando. Me colocaram em um carro, me levaram a um edifício grande e me enfiaram em uma sala pequena, por quatro, cinco horas. Na mesma noite, fui para uma cela com 15 pessoas. Foi quando veio um oficial com um documento e me pediu para assinar para recebê-lo. Não consegui ler, mas outros companheiros da cela me disseram que haviam decretado minha prisão preventiva. Eu sequer sabia o que era prisão preventiva”, afirmou o declarante.

A prisão preventiva foi decretada pelo Tribunal Penal Extraordinário de San José, pelo período de seis meses – medida que foi prorrogada em outras quatro oportunidades. De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a decisão foi informada por carta à Embaixada dos Estados Unidos na Costa Rica, no dia seguinte à prisão.

Para a Comissão, porém, a notificação não é suficiente para garantir o direito à informação sobre a assistência consular, já que é preciso que a própria pessoa estrangeira presa seja informada do direito. No presente caso, conforme a denúncia, não há registro algum de que isso tenha sido feito por parte das autoridades da Costa Rica.

Cochran acabou condenado a 45 anos de prisão, em agosto de 2004. Ele contou ter sofrido diversos ataques dentro da cadeia por ser portador de HIV e homossexual.

“Sofri muita depressão, desespero, frustrações, menosprezo, ao ponto de, por duas vezes, eu tentar tirar minha própria vida. Fui atacado fisicamente em muitas ocasiões. Sofri assédio, discriminação, humilhação, pela minha condição de HIV, pela minha orientação sexual, pelos delitos que me imputam, por minha nacionalidade. Por três vezes, tentaram fisicamente me expulsar do dormitório onde eu estava por medo de que eu fosse infectá-los com HIV”.

O requerente também afirmou que foi vítima de um golpe aplicado por um defensor público designado pelo Estado para defendê-lo. “Esse advogado foi à minha casa para verificar tudo o que eu tinha lá. Ele checou minha casa, meu carro, minhas contas bancárias, meu dinheiro do trabalho e simplesmente desapareceu. Depois, descobri que ele havia se dedicado nesse mês a criar provas contra mim para oferecer à promotoria, porque ele queria garantir que nunca saísse da prisão”. O defensor trabalhou por um mês com o americano e foi trocado.

Para a advogada Maricel Gómez Murillo, representante de Cochran na Corte IDH, ficou claro que o Estado sabia da naturalidade do detido e da necessidade de informá-lo sobre a assistência do consulado e, mesmo assim, não cumpriu com seu dever.

“Um Estado que leva a cabo a detenção de uma pessoa tem o dever de conhecer sua identidade. Quando se trata de uma pessoa estrangeira, o Estado deve lhe informar sobre seus direitos por esta condição, da mesma maneira que os direitos são informados a todas as pessoas detidas. O Estado costarriquenho contava com informações desde o ano de 2001 sobre a nacionalidade estrangeira do nosso representado e, mesmo assim, o detiveram, o indagaram, determinaram sua prisão preventiva e seguiu com todo o processo penal sem informá-lo sobre seu direito à assistência consular”, declarou Maricel.

Outro representante da defesa, o advogado Tomás Poblador Ramirez ressaltou que Cochran não tem a intenção de rever sua pena, apenas de ser reparado pela violação ao direito de assistência consular.

“Deixamos claro que o peticionário Cochran não tem a pretensão, desde o início deste processo, de buscar uma revisão dos fatos ou da validade da sentença proferida no tribunal costarriquenho. O que se sustenta é que se violou uma série de direitos fundamentais, reconhecidos pela Convenção Americana e sua linha jurisprudencial, violações que se deram na tramitação do seu processo penal, tais como o direito à informação sobre assistência consular, o direito à defesa e ao devido processo legal”.

Representante do Estado no tribunal, a magistrada Patricia Solano Castro, vice-presidente da Corte Suprema da Costa Rica, afirmou que os fatos narrados pelo requerente são imprecisos e, portanto, não podem ser aceitos pela Corte IDH. Ela disse que há provas suficientes de que a assistência consular foi garantida desde o início do processo e que isso será demonstrado nas alegações finais escritas.

Ainda segundo a magistrada, todos os problemas relatados pelo americano na prisão são naturais consequências dos crimes cometidos. “Todas as pessoas privadas de sua liberdade sofrem perdas pessoais e familiares. Neste caso, podemos afirmar que as perdas a que fez referência o senhor Cochran são consequências dos seus atos e não têm relação alguma com o que se está investigando.”

As partes têm agora um mês para apresentar as alegações finais por escrito. Depois disso, a Corte pode proferir sentença a qualquer momento.

O caso será julgado pelos juízes Ricardo C. Pérez Manrique (Uruguai), Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Verónica Gómez (Argentina), Patricia Pérez Goldberg (Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (Brasil). A magistrada Nancy Hernández López, da Costa Rica, não participará do julgamento porque o regulamento da Corte não permite a participação em casos do país de origem.

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