Guilherme Pimenta

A polêmica dos premiados nadadores norteamericanos, que tomou conta do noticiário desta semana, extrapolou o noticiário esportivo e trouxe para os Jogos Olímpicos do Rio um interessante debate jurídico. 
Segundo as investigações da Polícia Civil do Rio de Janeiro e do Ministério Público carioca, os nadadores cometeram crimes de Falsa Comunicação de Crime e de Dano ao Patrimônio Privado, já que eles danificaram objetos em um posto de gasolina.
A reportagem do JOTA ouviu especialistas em Direito Penal, entre eles advogados, professores e juízes, para discutir o assunto.
Confira abaixo 8 pontos jurídicos com base nas entrevistas com a desembargadora criminal Ivana David, do TJSP; a professora de Direito Penal Eloisa Machado, da FGV-SP; o advogado criminalista Rogério Taffarello e o professor de Direito Penal Antonio Carlos da Ponte, da PUC-SP, que também é procurador de Justiça no MP-SP.
1
Jurisdição
Todos os especialistas ouvidos explicam que não há nenhum problema em os nadadores serem americanos e o procedimento investigatório estar acontecendo no Brasil.
Como o crime aconteceu aqui, eles devem responder à Justiça local. É o que determina o Art. 5º do Código Penal:
“Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”.
No caso de Ryan Lochte, como ele já está nos Estados Unidos, o Judiciário brasileiro deve enviar uma Carta Rogatória para que ele seja ouvido pela Justiça americana. Isso é possível graças a acordos internacionais que envolvem os dois países.
2
Rápida prescrição
A desembargadora criminal Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, faz o alerta de que a prescrição para Falsa Comunicação de Crime é rápida. Em três anos, o delito já está prescrito.
Como o nadador Ryan Lochte já está nos EUA, a Carta Rogatória, que é enviada pelo Ministério da Justiça, por meio do Ministério de Relações Exteriores, chega ao país para o nadador ser ouvido lá.
“O problema é que tem rogatória que demora anos para chegar ao destinatário. E, caso o nadador recuse a proposta de transação proposta pelo Ministério Público, todo o procedimento volta ao Brasil. Aí há risco de prescrição”, explicou
3
Penas brandas
O advogado criminalista Rogério Taffarello atenta ao fato de que as penas para os dois crimes que os nadadores respondem são “brandas”. Tanto o Dano quanto a Falsa Comunicação de Crime têm penas de detenção de um a seis meses.
“No Direito Penal, há uma série de benefícios aos crimes de menor potencial ofensivo, como são classificados esses dois”. Ele cita, como exemplo, a transação penal, quando é admitido que o atleta pague uma multa para a pena ser extinta.
Foi o que já aconteceu com o nadador James Feigen. Na madrugada desta sexta-feira (19), ele aceitou pagar uma multa de R$ 35 mil para que seu passaporte seja devolvido e ele possa retornar aos EUA.
Já a penalista da FGV-SP explica que, nesses casos, em outras situações, geralmente a pena é convertida no pagamento de cestas básicas.
4
Prova contra si mesmo
A professora Eloísa Machado, da Fundação Getúlio Vargas São Paulo (FGV-SP), disse que há de ser analisado as condições do depoimento que os nadadores deram à polícia carioca.
“Pelo jeito, em um primeiro momento, eles deram uma entrevista e, depois, a polícia passou a investigar o caso. Com isso, eles não são obrigados a admitrem para a autoridade que mentiram sobre o assalto, pois estariam produzindo prova contra si próprio”, analisa a professora.
5
Ação Penal Privada
O criminalista Rogério Taffarello atenta ao fato de que um dos crimes que os atletas podem ter cometido, de Dano ao Patrimônio Privado, só irá adiante se o dono do estabelecimento ingressar com uma ação na Justiça.
“Só vai acontecer se oferecer uma queixa-crime em juízo. Nesse tipo de crime, o interesse privado se sobrepõe ao público, por isso não cabe ao Ministério Público se manifestar”, explica o advogado.
6
Ação Penal Pública Incondicionada
Já a Falsa Comunicação de Crime se enquadra em uma Ação Penal Pública Incondicionada, esclarece Taffarelo. O procedimento só tem andamento na Justiça se não for proposta uma Transação Penal por parte do MP ou outra medida alternativa à ação.
“Mesmo que não tenha a vontade do autor, o Ministério Público e a Polícia devem investigar, pois há o interesse público do caso, mesmo que os nadadores não tenham ido direto procurar a polícia, que os encontrou devido a uma entrevista dos atletas a órgãos de imprensa, dizendo que haviam sido assaltados”.
7
Segurança do posto sacou a arma
Ivana disse também que há de ser apurado em quais condições o segurança do posto de gasolina sacou a arma e apontou aos nadadores, devido à depredação do patrimônio privado.
“Se eles eram seguranças mesmo, o que ainda não está claro, é preciso ver se são cadastrados na Polícia Federal. Depois, tem que observar se tinham ou não o direito de portar armas”, explica a desembargadora.
Caso o segurança seja um policial que, na hora, estava fazendo um “bico” como segurança particular, ela lembra que deve ser verificado se a arma utilizada era “do segurança ou do policial”. 
“Isso varia de Estado para Estado. É preciso verificar as determinações da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro”.
8
JECRIM
A desembargadora ainda diz que o que chamou a atenção dela neste caso é a instauração do inquérito, já que em casos do tipo, o processo deve ficar somente no Juízado Especial Criminal (JECRIM).
“Não sabemos exatamente o que está acontecendo no caso específico, mas o ritual é que geralmente, em crimes de potencial ofensivo menor, se assine um termo circunstânciado e se resolve perante ao juiz”, explica.
Como era um caso diferenciado, com atletas estrangeiros saindo do país, a determinação da juíza de segurar os passaportes foi uma medida cautelar, analisa Ivana.
O professor de Direito Penal da PUC-SP Carlos da Ponte concorda com a magistrada. Para ele, no entanto, a autoridade carioca constatou somente depois que uma infração gravosa poderia estar sendo cometida, e aí acertou em instaurar o inquérito.

3736005637_8141b8ae4c_o

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Jurisdição, penas brandas, Ação Penal e JECRIM são alguns dos temas debatidos por especialistas em Direito Penal

8 pontos jurídicos do caso dos nadadores americanos

Jurisdição, penas brandas, Ação Penal e JECRIM são alguns dos temas debatidos por especialistas em Direito Penal