Crise no Planalto

Sergio Moro pede demissão do governo Bolsonaro

Ex-juiz da Lava Jato deixa o cargo depois de exoneração do diretor-geral da Polícia Federal

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Crédito: Carolina Antunes/PR

O ex-juiz federal Sergio Moro, que ganhou notoriedade como o magistrado responsável por julgar os casos da Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da história do país, anunciou nesta sexta-feira (24/4) que se demitiu do cargo de ministro da Justiça. “Busquei ao máximo evitar que isso acontecesse, mas foi inevitável”, lamentou o ministro, por fazer o anúncio em meio à pandemia da Covid-19. “Não foi por minha opção”.

O pedido de demissão de Moro ocorreu depois de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) exonerar o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, do cargo.  A Polícia Federal faz parte da estrutura do Ministério da Justiça, pasta que Moro ocupava. “O grande problema dessa troca é uma violação da promessa que me foi feita”, afirmou Moro. “Isso não aconteceu na Lava Jato, a despeito de toda a desordem”.

Segundo Moro, Bolsonaro afirmou que queria colocar alguém no cargo alguém a quem “ele pudesse ligar, pedir relatórios”. Além disso, Moro afirmou que o presidente disse que “tinha preocupação com inquéritos no STF” e que por isso a troca seria oportuna.

“Imagina se a presidente Dilma ficasse ligando para a PF em Curitiba para saber como andavam as investigações (da Lava Jato). Esse é um valor que temos que preservar dentro do Estado de Direito”, criticou o ex- juiz.

Moro deixou a magistratura, depois de 23 anos, a convite de Bolsonaro. Sua ida para o governo deu, inclusive, argumento para críticos da Lava Jato, que enxergavam na operação interesses político-eleitorais.

A saída agora, da forma como ocorreu, amplia as chances de uma decisão no Supremo em favor de sua suspeição na condução da Lava Jato, o que pode beneficiar diretamente o ex-presidente Lula. Sem cargo, sem voz e agora sem apoio das redes bolsonaristas, as condições políticas que ainda obstruíam o julgamento pelo STF se desfazem. O ministro Gilmar Mendes, que pediu vista do processo, pode levar o caso a julgamento nos próximos meses. Se a tendência já era de uma decisão contrária a Moro, agora, o cenário fica mais confortável para uma decisão.

Ao aceitar o convite para o governo Bolsonaro, Moro também despontou na linha dos supremáveis, candidatos à vaga que será aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello em novembro deste ano. Sua demissão enterra as chances de chegar à cúpula do Judiciário. Agora, mais do que nunca, o nome do advogado-geral da União, André Mendonça, ganha destaque na disputa pela vaga do STF.

Bolsonaro, por sua vez, perde seu ministro mais popular. As pesquisas de opinião mostravam que a avaliação favorável a Moro era maior, inclusive, que a do presidente da República, mesmo apagado no cargo e com sucessivas derrotas. E Moro, no seu discurso de saída, afasta o discurso em prol da Lava Jato do governo Bolsonaro. Se esta era uma bandeira dos bolsonaristas durante as eleições, Moro, na sua saída, fez questão de tirá-la do governo.

Anteriormente, Moro foi desautorizado seguidas vezes pelo presidente da República. Um dos episódios mais emblemáticos foi o convite feito por Moro a Ilona Szabo para ser suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão consultivo do Ministério da Justiça.

Dias depois, Moro teve de desconvidá-la diante da pressão de Bolsonaro. Em nota, o então ministro qualificou que a mudança se deu devido à “repercussão negativa entre alguns segmentos”.

Reações

Pouco antes do anúncio oficial da saída de Moro, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, disse que “o juiz Sergio Moro representou a face da Lava Jato”, uma operação que “transcendeu o fato de ser uma operação policial-judicial e passou a ser um símbolo, passou a ocupar um espaço no imaginário social brasileiro”. Em sua visão, a notícia de sua demissão “revela, como fatos já vinham revelando, um certo arrefecimento desse esforço de transformação do Brasil”.

O ministro Marco Aurélio, do STF, em entrevista à Rádio Gaúcha, destacou que a Polícia Federal não pode ser polícia de governo, e sim de Estado. “Portanto, tem que atuar com absoluta independência”, disse. Para o ministro, o novo designado para o comando da PF “já vai chegar com um estigma, sob suspeição quanto à sua atuação”. O ministro não se manifestou se Bolsonaro cometeu ou não crime de responsabilidade, pois disse que é papel do Congresso e do Procurador-Geral da República (PGR) se pronunciarem sobre isso.

“É aguardar o que ocorrerá, tendo em conta o processo possível de impedimento no âmbito do Legislativo, e, se for o caso de ter-se a prática de crime comum, ter em conta a atividade a ser desenvolvida pelo chefe do Ministério Público Federal, o procurador [Augusto] Aras. Vejo um quadro muito grave e um quadro que gera perplexidade. E que vem confirmar o que disse em um seminário na Universidade de Coimbra, sobre a tendência de eleger populistas de direita, no mundo inteiro. Consignei, com todas as letras, que temia pelo Brasil com a eleição do então deputado federal Jair Bolsonaro”, disse Marco Aurélio.

Já o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso pediu que Bolsonaro renuncie após as falas de Moro. “É hora de falar. PR está cavando sua fossa. Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos de, além do coronavírus, termos um longo processo de impeachment. Que assuma logo o vice para voltarmos ao foco: a saúde e o emprego. Menos instabilidade, mais ação pelo Brasil”, tuitou. 

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Felipe Santa Cruz, por meio de nota, disse que “foram muito graves as declarações do ministro Sergio Moro ao comunicar sua demissão, indicando possíveis crimes por parte do presidente da República”. Santa Cruz anunciou que pediu à Comissão de Estudos Constitucionais da OAB um estudo detalhado do pronunciamento e suas implicações jurídicas. “É lamentável que, no dia seguinte ao país registrar mais de 400 mortos pela pandemia, estejamos todos em meio a nova crise patrocinada pelo governo”, disse.

O integrante do Ministério Público Federal e ex-membro da Força Tarefa da Lava Jato, Vladimir Aras também se manifestou. Por meio do Twitter, disse que as declarações dadas por Sergio Moro sugerem indícios de ao menos três crimes que Bolsonaro pode ter cometido, se confirmadas as acusações. “Os fatos narrados por @SF_Moro são gravíssimos. Houve relatos sobre falsidade ideológica, obstrução da Justiça e crime de responsabilidade, que deverão ser investigados pelo @MPF_PGR e pela @camaradeputados Câmara dos Deputados”, disse, marcando os perfis oficiais dos órgãos e pessoas citadas.

Pelo Twitter, o governador do Maranhão Flávio Dino (PCdoB), disse que “o depoimento de Moro sobre aparelhamento político da Polícia Federal como base para o ato de exoneração do delegado Valeixo constitui forte prova em um processo de impeachment”. Ele ainda criticou o fato de Moro ter pedido pensão para sua família assim que aceitou o cargo, já que abriu mão da aposentadoria de juiz. “Algo nunca antes visto na história. E tal condição foi aceita? Não posso deixar de registrar o espanto”, disse.

Já o senador Renan Calheiros (MDB-AL), também pelo Twitter, disse: “Moro sai atirando no fascismo que defende e ajudou a fabricar. Os crimes de responsabilidade apontados por ele são estarrecedores e gravíssimos: controlar investigações, blindar filhos, interferir na PF para ter acesso a relatórios sigilosos são o fim da linha. Com Nixon foi assim”. 

As acusações de Moro sobre as supostas interferências de Bolsonaro na atividade da PF também foi repudiada pelos procuradores integrantes da força-tarefa da Lava Jato no Paraná. Por meio de nota, os procuradores dizem que “o trabalho do Estado contra a corrupção exige instituições fortes, que trabalhem de modo técnico e livre de pressões externas nas investigações e processos”. Assim, “a escolha de pessoas para cargos relevantes na estrutura do Ministério da Justiça e da Polícia Federal deve ser impessoal, guiada por princípios republicanos e jamais pode servir para interferência político-partidária nas investigações e processos”.

Na nota, a força-tarefa ainda diz: “É inconcebível que o Presidente da República tenha acesso a informações sigilosas ou que interfira em investigações. A tentativa de nomeação de autoridades para interferir em determinadas investigações é ato da mais elevada gravidade e abre espaço para a obstrução do trabalho contra a corrupção e outros crimes praticados por poderosos, colocando em risco todo o sistema anticorrupção brasileiro”.

Em nota, Fernando Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), disse: “Causou-me surpresa a saída do Ministro Sérgio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública nesse momento de crise. Apesar do ministério não ter relação direta com o trabalho do Poder Judiciário Federal, que é independente, esperamos que o próximo chefe da pasta mantenha uma política de Estado, focando nos grandes temas nacionais, como o combate à criminalidade organizada, à corrupção, ao enfrentamento do tráfico de drogas e armas, além de respeitar a autonomia da Polícia Federal. Preocupa, principalmente, que o ministro tenha saído alegando a tentativa de pressões políticas na autonomia da PF, o que é extremamente ruim para o Brasil.”

Partidos da oposição também se pronunciaram. A presidente nacional do PT e deputada federal Gleisi Hoffman (PT-PR), disse, no Twitter, que “a entrevista de Moro é uma confissão de crimes e uma delação contra Bolsonaro: corrupção, pagamento secreto de ministro, obstrução de justiça e prevaricação. Ele tinha de sair da entrevista direto para depor na Polícia Federal”.