Com uma combinação de fatores, a despesa com pessoal da União em 2021 caiu fortemente, voltando aos níveis de 2014 em proporção do tamanho da economia. O gasto com folha de pagamentos fechou o ano passado em 3,8%, nível que também é o mais baixo da série iniciada em 1997 e que pode ser rompido neste ano.
Durante o governo Bolsonaro, considerando já valores corrigidos pela inflação, a queda foi de R$ 17,2 bilhões nessa rubrica, que encerrou 2021 em R$ 329,3 bilhões (número do Tesouro Nacional). Foi uma das mais importantes para o programa de ajuste fiscal do atual governo, que ainda contou com os efeitos da reforma da Previdência e com a disparada na arrecadação.
A política de segurar os reajustes salariais, fortalecida com a lei complementar 173 (que proibiu aumentos na pandemia), foi um dos principais fatores. Esse esforço ainda teve uma contribuição extra da inflação, que acabou turbinando o valor nominal do PIB e a arrecadação federal ao mesmo tempo que corroía o valor real dos salários.
O outro elemento decisivo foi a decisão de diminuir a taxa de reposição dos servidores que deixam a ativa. No ano passado, esse indicador ficou em 37%, ou seja, de cada 100 aposentados ou demitidos, apenas 37 postos foram reocupados por um novo servidor.
O secretário-especial adjunto de desburocratização, gestão e governo digital, Gleisson Rubin, disse ao JOTA que a maior parte das saídas do quadro de ativos do Executivo federal foi de funções obsoletas. Isso, segundo ele, somado à estratégia de ampla digitalização de serviços (já são mais de 3,6 mil totalmente digitais), permitiu a redução do efetivo sem prejuízos relevantes em comparação com o que se tinha antes.
Nos três anos do governo Bolsonaro, a taxa de reposição nunca chegou a 40%. O ponto mais baixo foi em 2019, com 32%. Dessa forma, o Executivo teve uma redução da ordem de 10% nos seus quadros ativos concursados desde o fim de 2018, passando de 553.999 mil para 501.437 mil funcionários ativos. A redução foi até maior do que a vista considerando outros tipos de contratação no Executiva, já que o número de ativos passou de 630.689 mil para 583.674 mil servidores.
Rubin explica que a situação fiscal é um fator de restrição para a gestão da despesa com pessoal, mas destaca também a mudança entre a formação dos funcionários que saem e a dos que ingressam. “Há também uma mudança de perfil, com aposentadoria de servidores de nível intermediário e mais ingressos de servidores de nível superior”, disse, destacando que, entre 2019 e 2021, dos 62,5 mil servidores que se aposentaram 42,7 mil foram daqueles com cargo auxiliar ou de nível intermediário.
O secretário também ressalta que o governo tem tido uma política de reposição total de vagas que existem na educação, por meio de uma regra que autoriza concurso automaticamente para reposição de vagas, mantendo o nível constante. “Mas se tiver cargos em processo de extinção nas universidades, eles não são repostos, não são protegidos por essa política”, acrescenta, explicando que essas são funções desaparecidas, como datilógrafo, operadores de vídeo-tape, açougueiros e padeiros, entre outros. “Estamos priorizando nos concursos as funções finalísticas e de nível superior”, reforçou.
Segundo o secretário de gestão e desempenho de pessoal, Leonardo Sultani, ainda restam cerca de 69 mil servidores em funções classificadas como em extinção (que não serão repostos). “Hoje, há aproximadamente 48 mil pessoas entre cargos de auxiliares e nível médio que já estão com tempo para se aposentar e não serão repostos”, informou Sultani. Isso indica uma tendência de continuidade de queda no contingente de pessoal, principalmente em função de nível médio ou auxiliar.
Para o ex-secretário de recursos humanos e relações do trabalho no serviço público do ministério do Planejamento Sergio Mendonça uma taxa mais baixa de reposição de pessoal ativo pela incorporação de novas tecnologias pode até ser um processo bom de ajuste no gasto com pessoal. Ele pondera, contudo, que com essas taxas atuais provavelmente atividades finalísticas estão sendo sacrificadas, prejudicando o atendimento e a prestação de serviços. Ele lembra, por exemplo, dos problemas do INSS, que é um dos grandes empregadores no setor público, que tem uma força de trabalho já envelhecida e que tem tido problemas no atendimento das demandas. “É preciso combinar inteligência tecnológica com reposição”, salienta.
Mendonça, que também dirige a iniciativa “Reconta Aí”, explica que o cenário é de nova queda do gasto com pessoal em proporção do PIB, já que dificilmente haverá aumentos substanciais para os servidores neste ano e nem contratações, além de o PIB nominal deve crescer por conta da inflação ainda alta. “O gasto com pessoal vai ficar em uma posição muito desconfortável em proporção do PIB”, disse,
“Qualquer que for o próximo governo vai ter que lidar com pressões nesse tema. Vai ter que olhar áreas fins, como Ibama, ICMBio, Funai, segurança, INSS, cultura, agências reguladores, caso a caso. Não vai ter como escapar de uma rodada de concursos”, disse.
- +JOTA: Política dá sinais melhores para Economia, mas incerteza ainda não acabou
- +JOTA: Banco Central sobe o tom fiscal e entra no debate sobre desonerações
Para o analista da Instituição Fiscal Independente (IFI), Alessandro Casalecchi, é natural que haja pressões de servidores, mas ele ressalta que o contexto econômico precisa ser levado em conta, em especial o fato de que o aumento nos gastos com pessoal reduz o espaço para outras despesas muito relevantes, como os investimentos.
Ele lembra que é preciso ponderar também a desigualdade que há no serviço público, em que alguns ganham muito bem, mas outros nem tanto. “Se a gente está em situação complicada, não faz sentido reajuste para todos e linear”, comentou.
Casalecchi também aponta que de fato há uma percepção que em alguns setores faltam servidores, mas pondera que, se tivesse ocorrido uma reforma administrativa com foco em facilitar a gestão das carreiras, esse problema poderia estar sendo resolvido com maior flexibilidade.
Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que lidera as atuais mobilizações para reajustes salariais, afirma que a baixa reposição de servidores mostra que a economia fiscal está sendo feita em cima da prestação de serviços em várias áreas. “Estado está sendo asfixiado”, salientou, listando problemas em áreas como INSS, CGU, auditoria do trabalho, Receita, Ibama, entre outras.
Para Gleisson Rubin, do Ministério da Economia, não é possível dizer qual o tamanho ideal do gasto com pessoal e o processo de queda no efetivo tem sido feito de forma controlada. Ele admite que em algumas áreas já é necessário pensar em uma estratégia de contratação, como INSS, mas reforça que, com a situação fiscal, o governo precisa ser criterioso.
Em tempo, os dados sobre a despesa com pessoal também mostram que a trajetória não é linear entre os Poderes. Enquanto Executivo e Legislativo tiveram comportamento bem mais contido, o Judiciário ampliou mais seus gastos. No pessoal ativo da Justiça, o aumento de despesa foi de 5,9%, perdendo para a inflação, mas ainda o dobro do que ocorreu no Executivo. O gasto com inativo no Judiciário subiu 11,8%, batendo inclusive o IPCA do ano passado.