Corte IDH

Corte IDH analisa caso de expulsão de imigrante naturalizada da Argentina

Habbal diz ter sido retirada com 4 filhos do país de forma arbitrária, sem ser ouvida em processo que a tornou apátrida

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Audiência pública do caso Habbal vs Argentina / Crédito: Divulgação Corte IDH

A prisão e expulsão de Raghda Habbal e de seus quatro filhos da Argentina, na década de 90, motivou um pedido de condenação do país na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) por privação arbitrária de nacionalidade e violações a garantias judiciais fundamentais.

Habbal, de origem síria, chegou ao país em 1990 e obteve a nacionalidade argentina por naturalização, em 1992. Um mês depois, no entanto, a Direção Nacional de Imigração, um tribunal administrativo, anulou o processo por causa de fraudes cometidas no processo de naturalização do marido dela, Monzer Al Kassar, um conhecido traficante de armas condenado em vários países.

Em outubro de 1994, mediante sentença judicial, Habbal foi presa e expulsa com a família – três crianças nascidas na Síria e um menino de seis meses, recém-nascido na Argentina. 

Ela apresentou recurso, alegando não ter sido notificada do processo, não haver provas de crimes cometidos por ela e que o juiz responsável pela decisão deveria esperar a conclusão do processo penal para determinar se existiu ou não fraude na concessão da cidadania. O pedido foi negado e ela teve que deixar o país. Posteriormente, Habbal foi inocentada no processo penal.

Em audiência realizada na sexta-feira (1/4), defensores e representantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediram a responsabilização do Estado Argentino por violar direitos como à nacionalidade, à liberdade de circulação, à proteção judicial e à presunção de inocência, todos previstos pela Convenção Americana. Também pediram reparação para Habbal.

A a CIDH indicou, em relatório apresentado à Corte, que a resolução foi proferida de ofício, sem que Habbal fosse comunicada ou ouvida, e que o tribunal administrativo desconsiderou que ela era uma cidadã argentina legítima, o que fere a Convenção Americana. “A decisão é contrária ao artigo 22.5 da convenção, que estabelece que ninguém pode ser expulso do território do Estado se for nacionalizado”, explicou na audiência a presidente da Comissão Interamericana, Julissa Mantilla Falcón.

Ainda segundo a Comissão, já que não era possível comprovar a nacionalidade argentina das três crianças mais velhas, elas eram consideradas migrantes. Neste caso, os pais deveriam ter sido comunicados do procedimento de expulsão para que pudessem se defender. “No caso, a resolução se emitiu de forma automática, sem mínimas garantias para as pessoas envolvidas, pois não foram notificadas e nem escutadas”, disse Falcón.

Representante da Habbal na audiência, o advogado Ignacio Boulin, chamou a expulsão de “absurdo processual” e afirmou que a Direção Nacional de Imigração violou os direitos à proteção judicial e à presunção de inocência ao decidir pela extradição de uma cidadã sem que houvesse uma condenação penal.

“O processo civil de revogação de cidadania e os processos penais pelos supostos delitos foram simultâneos. O que teria acontecido se o processo civil tivesse esperado o resultado do processo penal, em que a senhora Habbal, reiteramos, foi absolvida? O processo civil não culminaria com o cancelamento da cidadania. Foram violados o direito à proteção judicial e à presunção de inocência”, defendeu.

Carlos Varela, outro advogado de Habbal, lembrou que, para se naturalizar argentina, ela abriu mão de sua nacionalidade síria. Ou seja, ao anular a cidadania, o Estado a tornou apátrida, o que também é vetado pela Convenção Americana. Para ele, o dano causado à família é imensurável e que a expulsão foi arbitrária e desrespeitosa. 

“Como se mede o dano? É complexo, mas não se pode negar que o dano existe. Houve efeitos nocivos, como sofrimentos e aflições que o Estado causou por uma razão absurda: o parentesco das vítimas com Monzer Al Kassar. O Estado fez isso por não respeitar o direito das vítimas de se defender em um procedimento administrativo de sua gravidade, por não respeitar o direito das vítimas – neste caso, menores de idade –, a receber uma explicação suficiente sobre as decisões que afetavam um direito básico, o direito de não ser julgado por ações de um terceiro”. 

O defensor destacou que o julgamento tem importância também por representar a violação de direitos de imigrantes e pediu que o tribunal ordene que o Estado argentino localize e restitua a Raghda Habbal e seus filhos a nacionalidade argentina.

“É pela relevância do caso que Raghda Habbal e sua família esperam, de algum lugar pela estrada, ter uma sentença reparadora, também para centenas de milhares de uma nova categoria de seres humanos, os chamados ‘nem-nem’. São os imigrantes, que não são nem humanos nem iguais. Este é o desafio que se coloca ao tribunal: eles são coisas descartáveis ou seres humanos?”, perguntou Varela.

Na defesa do Estado, Andrea Pochak, subsecretária de Proteção e Relações Internacionais de Direitos Humanos da Argentina, reconheceu que erros podem ter sido cometidos à época dos fatos, mas questionou a validade do processo na Corte IDH.

“Em primeiro lugar, não se conhece qual a posição das supostas vítimas em relação a este procedimento internacional, nem se elas sequer sabem que existe este procedimento”, colocou em dúvida a subsecretária.

A representante do Estado negou que Habbal tenha sido expulsa. “A senhora Habbal e seus filhos não foram expulsos da Argentina e nem se viram impedidos de reingressar. Além disso, a senhora Habbal tampouco foi deixada em situação de apátrida, considerando os quatro passaportes que conseguiu antes e depois de sua estadia na República Argentina, incluindo o passaporte argentino, depois de anular a sua naturalização”.

Para ela, o caso não deveria chegar à Corte neste momento já que a legislação migratória aplicada ao caso foi revogada há 18 anos pelo Estado argentino. 

“De modo algum advogaremos contra a função contenciosa do sistema interamericano, nem jamais procuraremos reduzir a sua competência. Mas temos a preocupação, com o maior dos respeitos, que esta Corte possa se concentrar em atender aqueles assuntos para os quais foi concebida, para afirmar seu potencial transformador. Este, definitivamente, não é um deles”, defendeu a subsecretária.

O caso será julgado pelos magistrados: Ricardo C. Pérez Manrique (do Uruguai), Humberto Antonio Sierra Porto (da Colômbia), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (do México), Nancy Hernández López (da Costa Rica), Verónica Gómez (da Argentina), do Patricia Pérez Goldberg (do Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (do Brasil).