
Depois de duas semanas de intensas negociações, a COP27, conferência do clima da ONU realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, terminou com uma decisão histórica em 30 anos de diplomacia climática. No Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh, líderes mundiais concordaram em estabelecer um fundo para perdas e danos, a compensação financeira às nações mais vulneráveis e prejudicadas pelos efeitos dos eventos climáticos extremos, que deve ser operacionalizado nos próximos anos.
Apesar da inegável importância, esse mecanismo ainda depende dos aportes feitos pelos países mais ricos, que já acumulam uma dívida de 100 bilhões de dólares desde 2009, quando a promessa de criação de um fundo para os países em desenvolvimento foi feita em Copenhagen. Além disso, o mecanismo de perdas e danos pressupõe compensar os prejuízos que já foram causados, ou seja, os efeitos da mudança do clima que não podem mais ser evitados.
De acordo com a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, a decisão de financiamento para perdas e danos é muito significativa. “Os grandes vitoriosos dessa COP foram os países mais vulneráveis, principalmente as pequenas ilhas. Além do fundo para perdas e danos, foi colocada na decisão a agenda de reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento. A iniciativa reforça o que está acontecendo nos ambientes além da Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima”, afirmou.
Unterstell pondera que, apesar de a COP27 abordar as consequências do aquecimento global, as causas para o aumento de eventos climáticos extremos não receberam a mesma atenção, pois não houve nenhum avanço no sentido de desestimular o uso de petróleo e gás para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. “Vimos o quão estratégicos foram os países produtores de petróleo e gás. Essa foi a grande baixa”, disse.
Com os esforços voltados para o consenso sobre a criação do mecanismo dedicado ao financiamento de perdas e danos, ainda não se sabe qual será o valor total do fundo e de onde sairão os recursos. No texto da decisão, a responsabilidade não se limita a governos e bancos, e o documento cita “outras fontes” e “outros atores financeiros” como exemplos para alcançar os valores necessários para a compensação financeira. A abrangência dos termos sinaliza que o setor privado pode ser chamado para compor o leque de fontes para os recursos.
De acordo com a especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima, Stela Herschmann, a relação do setor privado com o fundo de perdas e danos ainda não está clara, mas o debate pode evoluir no próximo ano. “O texto fala sobre a expansão e a necessidade de ampliar as fontes de financiamento, incluindo opções inovadoras. Não há nada dito, será debatido no ano que vem, mas é possível aventar a possibilidade do setor privado, principalmente das empresas que são grandes emissoras mundiais e históricas, contribuir para este fundo”, afirmou.
Diante do volume de recursos necessários para atingir os objetivos do Acordo de Paris – o plano de Sharm el-Sheikh cita que 4 trilhões de dólares por ano precisam ser investidos em energia renovável até 2030 para alcançar zero emissões líquidas até 2050 –, é improvável que o sucesso para atingir as metas climática fique restrito ao dinheiro de governos. Para o advogado e consultor em energia, ESG e mudanças climáticas, Rodrigo Sluminsky, que integra a LACLIMA, rede de juristas que estuda o direito das mudanças climáticas na América Latina, a mensagem sobre a necessidade de dinheiro de fontes privadas foi dada.
“Não há dúvidas. Em algum momento, e isso não vai demorar para acontecer, haverá uma decisão mais clara sobre buscar o dinheiro privado. Com certeza todas as empresas precisam ficar preparadas para este momento”, afirmou. De acordo com ele, o texto final sobre o financiamento foi um chamamento para repensar toda a governança dos modelos existentes, com menções a instrumentos inovadores e financiamento misto.
Para a diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Ana Toni, a COP27 teve um propósito maior para o alinhamento de justiça climática do que para o aumento de ambição das metas dos países. “A decisão final sobre perdas e danos trará resultados positivos para a ambição das próximas COPs. Ela destravou um dos grandes problemas, a percepção de desigualdade e a demanda dos pequenos países sobre a compensação financeira”, afirmou.
Para além do tema que foi o centro das atenções na COP27, Toni destacou como as empresas de sistemas alimentares e uso da terra foram mais ativas para trazer proposições e apresentar novos negócios, como reflorestamento e promoção de soluções na agenda de energia. “As empresas que podem se beneficiar com a transição para a economia de baixo carbono, como as de energia solar e eólica, de agricultura regenerativa, de restauração, foram muito mais ativas do que já vi em qualquer COP”, disse.