Flávia Maia

Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e obtido com exclusividade pelo JOTA demonstra que os desembargadores de carreira e os provenientes da advocacia aumentaram a proporção de decisões favoráveis ao réu após as alterações legislativas trazidas pela <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Lei 12.403/2011</a>. A nova lei restringiu as prisões cautelares, isto é, antes da sentença definitiva, exigindo fundamentação e impondo a aplicação prioritária de medidas alternativas como monitoramento eletrônico via tornozeleira, proibição de ausentar-se da cidade e limitação de acesso a determinados locais.
A pesquisa <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/05/ideologia-judicial.pdf">“Ideologia judicial e política judiciária: como os magistrados de apelação responderam à reforma do sistema de medidas cautelares penais (Lei nº 12.403/2011)”</a>, do pesquisador Alexandre Samy Castro, mostrou que a resposta das cortes recursais depende do tipo de magistrado relator do recurso. Para chegar a essa conclusão, foram analisados 373.974 recursos das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tjsp">TJSP</a>) entre os anos de 2009 e 2013.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
Um exemplo trazido no estudo é o aumento de 50% a 100% nas chances de sucesso para o réu no caso de ajuizamento do Recurso em Sentido Estrito (RESE) nas decisões dos magistrados de carreira e os oriundos do quinto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O RESE é considerado o principal instrumento para o questionamento de medidas cautelares penais.
Antes da mudança da lei, 11% dos 1.504 recursos em sentido estrito analisados por desembargadores de carreira foram favoráveis ao réu. Depois da lei, a proporção de decisões favoráveis saltou para 19,4% dos 3.248 recursos em sentido estrito analisados. Com os desembargadores oriundos da advocacia como relatores, a proporção foi ainda mais expressiva: passou de 8,1% para 23%, aqui, o universo foi de 148 decisões antes da lei e 366 depois da lei.
No entanto, o mesmo fenômeno não foi observado nas decisões em RESE dos substitutos de segundo grau, em que a quantidade de recursos favoráveis ao réu caiu de 15,5% para 13,6%. O universo foi de 375 decisões antes da lei e 330 depois da lei.
A mesma situação foi encontrada no habeas corpus, outro instrumento que pode garantir a liberdade ao réu ou investigado. As decisões favoráveis aos acusados relatadas por magistrados de carreira saltaram de 11% para 12,8%. Antes da alteração legal, foram analisados 38.046 habeas corpus, depois, 55.340 HCs. Já as decisões favoráveis relatadas pelos magistrados oriundos da advocacia saltaram de 14,7% para 24,7%, em um universo de 4.903 antes da alteração legislativa e 6.403 depois.
Quanto aos substitutos de segundo grau, os habeas corpus favoráveis aos réus caíram de 6,4% para 5,7% em um universo de 10.056 antes da alteração legislativa e 7.576 depois.
Em relação aos magistrados oriundos do Ministério Público, no caso do RESE, houve um aumento de 10,9% para 17,7% nas decisões favoráveis ao réu. No entanto, quantos ao habeas corpus houve queda de 11,3% para 10,8%.
De acordo com informações metodológicas do estudo, o conjunto de dados analisados não contém informações sobre o voto individual de cada magistrado, apenas o resultado final do julgamento, seja por acórdão ou decisão monocrática. Ainda assim, mais de 99,5% das decisões são unânimes, o que não compromete o resultado.
<h3>Comportamento</h3>
O estudo traz ainda questionamentos sobre os motivos do comportamento diferenciado entre os magistrados de acordo com a sua origem, no entanto, não traz respostas definitivas sobre a questão. Entre as hipóteses, está o fato de que as nomeações do quinto constitucional carregam forte conteúdo de ideologia, por conta do processo político de nomeação para a vaga.
Na medida em que os desembargadores nomeados representam as instituições de origem, espera-se que eles decidam mais favoravelmente aos pleitos da categoria de origem. “Seja por respeito, gratidão ou deferência para com sua própria instituição, em comparação com magistrados de carreira. Sua visão de justiça criminal é mais rigorosa”, diz o estudo.
Segundo o estudo, o Ministério Público publica periodicamente suas teses para interpretar as mudanças legais ou jurisprudenciais. De forma análoga, espera-se que ex-advogados tendam a adotar postura congruente com as visões institucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e sua agenda política.
O estudo ainda sustenta que os juízes substitutos em segundo grau não retêm as prerrogativas dos desembargadores de carreira e podem ser removidos de forma discricionária. Seu comportamento, tanto em termos de eficiência, ou seja, capacidade de resolução de casos e redução de atrasos, quanto em termos de concordância com as políticas preferidas do tribunal, pode ser decisivo nas chances de ganhar um assento permanente no tribunal de apelação.
“Quando você olha um substituto em segundo grau, está menos associado com a questão ideológica e mais com uma questão institucional, carreirística. Esse juiz não tem a inamovibilidade, é uma coisa provisória e a decisão dele pode estar levando em conta questões de carreira”, analisa o pesquisador Alexandre Samy de Castro, autor do estudo.
Castro aponta que o objetivo da pesquisa é ajudar em decisões judiciais mais embasadas em dados. Ele cita como exemplo o HC 81.347 de São Paulo, em que o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de que o sistema de substituição em segunda instância judiciária no estado de São Paulo não é ofensivo à Constituição. “A nossa ideia é que as decisões possam ser tomadas a partir de uma perspectiva empírica, não apenas teórica. Se houvesse um estudo mostrando a diferença de iniciativas entre os magistrados, a resposta do Supremo poderia ter sido outra”.
A Constituição brasileira reserva 80% dos assentos em tribunais de apelação para juízes de carreira, 10% para advogados e 10% para promotores. Segundo o estudo, na prática, porém, aumentou significativamente a participação de juízes substitutos de segundo grau, que atuaram como relatores em até 14% de todos os recursos criminais em São Paulo entre 2009 e 2013.

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JOTA

Pesquisa do Ipea mapeou resultado de 373.974 recursos julgados por Câmaras Criminais paulistas

Carreira de origem do relator pode influenciar o destino do réu, diz pesquisa

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