Propriedade industrial

A importância de uma agenda consensual sobre Propriedade Industrial

Tempo de espera por decisão do INPI para pedidos de patente agro caiu de 12 anos em 2018 para 6 anos em 2021, mas ainda é preciso avançar

mercado de carbono
Crédito: Unsplash

Em um país como o Brasil, que consegue ter algumas culturas de plantio com ciclo mais longo, a inovação e o desenvolvimento de novos produtos são centrais para o setor agroquímico. Esse foi um dos temas abordados no segundo painel do webinar “O Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Concessão de Patentes”, realizado na segunda-feira (14/3) pelo escritório Licks Attorneys e transmitido pelo JOTA por meio do YouTube.

O primeiro convidado do painel, Maximiliano Arienzo, chefe da Divisão de Propriedade Intelectual Ministério das Relações Exteriores, expôs as mudanças no departamento e o novo planejamento da área. “Nossa divisão saiu do departamento econômico e foi para o de ciência e tecnologia. É mais um passo necessário para casar propriedade intelectual com ciência, tecnologia e inovação. Nos últimos quatro anos, nossa divisão e o Itamaraty passaram por muitas transformações e lançamos as bases de transformação do ecossistema de propriedade intelectual.”

Arienzo afirmou que essas bases foram construídas em parcerias com entidades como o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). “Lançamos o Plano de Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual alinhado às melhores práticas do campo de propriedade industrial. Precisamos incorporar tecnologias normativas ao nosso ambiente de decisão, e esse é o papel do Ministério de Relações Exteriores, identificando o campo regulatório internacional e colocar à disposição do Brasil.”

O diplomata admitiu, no entanto, a falta de eficiência da área no país. “Qualquer investimento em ciência e tecnologia hoje vai ser minimizado pela falta de uma eficiência em propriedade intelectual, especialmente propriedade industrial. Esse desafio está bem claro. O que precisamos discutir é o que vamos fazer agora. O Ministério das Relações Exteriores já identificou como superar os gargalos, temos um mapa do caminho”, disse Arienzo.

Vencida essa etapa de planejamento estratégico, é preciso articular um consenso político sobre como implementá-lo de modo eficiente, afirmou o diplomata. “O grande desafio agora é gerar um consenso político em torno de uma agenda transformadora da propriedade intelectual no Brasil. Isso envolve desafios jurídicos, regulatórios e comerciais. Temos capacidade para isso, o que não temos é a capacidade de gerar consenso. Só teremos progresso com consenso. Enquanto estivermos polarizados por visões diferentes tudo vai acontecer devagar.”

O segundo convidado do painel, José Graça Aranha, representante da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, também comentou os problemas administrativos do INPI. O orçamento do instituto para 2022 foi cortado de R$ 70 milhões para R$ 34 milhões.

“Há uma certa dose de ideologia nesse tema, um mau ambiente de negócios, além do custo Brasil. É um problema de muitos governos, não é só de agora. Esse contingenciamento do orçamento já vivemos 20 anos atrás também. O INPI é uma instituição que gera seus próprios recursos, que recebe taxas do setor privado e boa parte delas não são revertidas para o próprio setor, para que o INPI possa se modernizar”, afirmou Graça Aranha, que já foi presidente da autarquia.

Com vasta experiência no sistema internacional de patentes, Graça Aranha também apontou a insegurança jurídica como um grave problema a ser enfrentado. “Durante o julgamento da ADI 5.529 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), alguns ministros disseram que o dispositivo da lei criava uma extensão do prazo da patente e que isso era um caso único, que não existia em outros lugares. Mas existe sim. Países como Estados Unidos, México e China, que decidem rapidamente a concessão de patentes, têm mecanismos em caso de demora”, explicou.

Em maio de 2021, o STF, por maioria, declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), que estabelecia que o prazo de vigência da patente de invenção não poderia ser inferior a 10 anos contados a partir da data de sua concessão, o que assegurava um tempo mínimo previsto de exploração para os empresários.

Graça Aranha citou como exemplo a China, que recebe 3,6 milhões de pedidos de patentes por ano e que, com 11 mil examinadores, leva 22 meses para decidir pela concessão ou não de uma patente. “Mesmo assim, existe um dispositivo na lei chinesa para que, no caso de um aumento significativo no número de depósitos, o sistema possa fornecer um prazo adicional. O que aconteceu com essa ADI afeta nossa imagem e desestimula o investimento no Brasil porque não há uma previsibilidade, há uma insegurança jurídica.”

Uma particularidade do sistema brasileiro que poderia ser visto como vantagem é que, segundo o representante da OMPI, 85% dos pedidos de patentes feitos no Brasil vêm do exterior. “A grande maioria vem pelo Tratado de Cooperação de Patentes (PCT) e já foi examinada por uma das 20 autoridades de busca e de exames internacionais. O Brasil é uma delas inclusive. Não temos razão para levar tanto tempo para examinar esses pedidos, porque eles já chegam aqui examinados, é muito mais fácil”, explicou Graça Aranha, ressaltando que o Brasil é o único país que leva até 17 anos para analisar uma patente. “O Canadá tem 379 examinadores e leva 15 meses para conceder ou não uma patente e a Austrália tem 396 examinadores e leva 19 meses. O Brasil tem um número de examinadores similar, 340, mas leva muito mais tempo do que isso”.

Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil – associação que reúne especialistas, instituições e empresas que atuam na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de defesa vegetal –, afirmou que a indústria bioquímica é o setor mais interessado na modernização do sistema de concessão de patentes. “Temos agora uma das maiores janelas de oportunidade para o setor de biotecnologia que esse país já teve, mas não podemos deixar passar por esses problemas administrativos e jurídicos.”

Lohbauer explicou que o setor de biotecnologia (conjunto de procedimentos envolvendo manipulação de organismos vivos para fabricar ou modificar produtos) pode se tornar referência mundial. “Não podemos patentear microrganismos, então precisamos desenvolver um modelo próprio, requisitos de patenteabilidade que se adaptem às nossas condições, porque a maior biodiversidade está aqui. Hoje temos 26 empresas de biodefensivos, se dermos boas condições a elas, o Brasil avança.”

O presidente da CropLife sugeriu a elaboração de um projeto de lei para compensar os efeitos do julgamento da ADI pelo Supremo. “Temos que trabalhar conjuntamente em um projeto de lei para conseguir o resgate dos direitos de compensação de atraso que muitos países têm. E precisamos resolver o problema político, que é no Congresso, com as bancadas. Tem que ser um projeto do Estado brasileiro, independente de governo, porque é de interesse nacional. O Brasil perde ciclos tecnológicos de novos produtos porque a Anvisa demora oito anos para aprovar uma molécula, isso não pode mais acontecer.”

O painel também discutiu a repercussão da votação do PL 6299/2002. Um dos dispositivos da lei é justamente criar um mecanismo de compensação no processo de concessão de registro para o produto, já que o ciclo de desenvolvimento de uma molécula nova é de cerca de dez anos e a espera pela resposta do depósito chega a oito anos.

“Se o PL 6299 não andar para frente, a indústria agroquímica provavelmente será, a médio e longo prazo, a mais afetada. Se a aprovação demora oito anos e o ciclo da molécula é de dez, restam apenas dois anos para licenciar e receber algum valor daquele investimento nessa inovação. Se não houver alguma compensação, não teremos investimento”, explicou Eduardo Hallak, sócio fundador do Licks Attorneys.

Ele também destacou que é preciso avançar na legislação para aumentar a segurança jurídica do processo. “Há uma barreira que não aparece nos números, e muitas vezes não está nem na lei, mas que é terrível para a biotecnologia, que é a patenteabilidade. A aplicação, a interpretação da lei pelo INPI por vezes é tão restritiva que impossibilita que essas patentes sejam de fato concedidas.”