Contas públicas

Greve dos auditores pode afetar meta fiscal, afirma AGU

União ingressou com ação no STJ para limitar alcance de paralisação. Sindifisco diz que governo usa “argumentos falaciosos”

carf, receita federal
Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A greve dos auditores fiscais, iniciada na última segunda-feira (20/11), pode afetar o cumprimento da meta fiscal do governo. O alerta consta em ação ajuizada no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra o movimento da categoria.

Os servidores da Receita cruzaram os braços para pressionar o governo a honrar o pagamento do chamado bônus de eficiência e reservar recursos para essa finalidade no Orçamento de 2024. O bônus, aprovado em 2016, foi regulamentado em julho deste ano. O Ministério da Fazenda tem sinalizado ao Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais (Sindifisco) que a definição sobre os recursos para o bônus deve ocorrer no começo de dezembro.

A greve da Receita já causou a suspensão de sessões de julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). As sessões desta quarta e de terça-feira foram suspensas. A justificativa é a falta de quórum, após julgadores aderirem à mobilização do Sindifisco. A mobilização também afeta atividades relacionadas à arrecadação e à aduana.

No entendimento da AGU, levado ao Superior Tribunal de Justiça, os servidores precisam manter 100% da força de trabalho nas atividades relacionadas ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2024 no Carf, na gestão de créditos tributários e no controle aduaneiro. Além disso, o governo pede a manutenção de 30% da força de trabalho nas demais atividades e a proibição de realização de “operação padrão” ou “operação-tartaruga”.

Para justificar o pedido, a AGU aponta que a paralisação das atividades relacionadas ao PLOA 2024 pode afetar o “acompanhamento e a regulamentação das medidas legislativas com impacto positivo e, dessa forma, prejudicar o alcance da meta fiscal para 2024”.

STJ pede mais informações

Em despacho exarado na tarde desta quarta-feira (22/11), a relatora do processo no STJ, ministra Regina Helena Costa, solicitou à AGU que apresente, no prazo de cinco dias, novos documento que justifiquem a ação inibitória de greve.

Por ora, no entendimento da ministra, ” a documentação juntada não se revela suficiente a demonstrar a presença dos requisitos necessários à concessão da tutela provisória requerida, não havendo prova da efetiva deflagração do ato paredista e de sua iminência, nem mesmo do contingente de trabalho mantido pela categoria nas áreas de trabalho destacadas como essenciais.”

Advogados consultados pelo JOTA apontam que a meta fiscal deve ser afetada pela paralisação, uma vez que uma das fontes de arrecadação é o resultado favorável à Fazenda dos recursos em trâmite no Carf, como destaca Anete Mair Medeiros, sócio do Gaia Silva Gaede. Além disso, o valor que estava projetado para arrecadação via voto de qualidade já se mostra menor do que a expectativa, segundo especialistas.

Em resposta à ação da AGU, o Sindifisco Nacional afirmou, em nota, que a petição traz “argumentos falaciosos” ao solicitar a presença de 100% da força de trabalho em algumas atividades. Para a entidade, a AGU tenta criar um conceito de essencialidade de serviços diferente do previsto na Lei 7783/99, que dispõe sobre o direito de greve. O Sindifisco informou que “combaterá judicialmente” a ação e diz acreditar que o Judiciário vai garantir o direito de greve. O processo foi distribuído para a ministra Regina Helena Costa.

Especialistas, entretanto, afirmam que o andamento da greve ainda não é certo. “O final de ano no Carf ainda é incerto e dependerá da capacidade do órgão em retomar suas atividades. Mas o número total de processos vem sendo diminuído consistentemente desde meados de 2020, sendo que só em 2023 já foram julgados cerca de R$ 200 bilhões, superando a soma dos valores de 2021 e 2022. Isso, por si só, já mostra a capacidade e eficiência do órgão, mas existe toda diferença do mundo entre perder e pagar”, diz Mussa.

Entraves para o governo

O contexto político que envolve a greve dos fiscais da Receita dificulta o atendimento da principal reivindicação dos servidores: o pagamento do bônus de eficiência e a reserva de recursos para essa finalidade no Orçamento de 2024.

Embora os fiscais tenham recebido repetidos acenos positivos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, em relação ao pagamento do bônus, o governo sabe que o conjunto do funcionalismo, em plena negociação salarial, observa atentamente aos desdobramentos da mobilização da Receita.

Na leitura de um importante dirigente sindical, uma vez que a Fazenda reserve dinheiro para atender aos auditores fiscais, o Ministério da Gestão e da Inovação ficará em situação constrangedora caso não apresente uma proposta de reajuste linear que atenda a cerca de 1,2 milhão de servidores da ativa e aposentados.

E o calendário para o governo desatar esses nós está apertado. Os auditores fiscais esperam que a Fazenda apresente, no começo de dezembro, o valor que será reservado para o bônus em 2024. Nos bastidores, fala-se que essa demanda consumiria, ao menos, R$ 700 milhões do orçamento do ano que vem. Essa proposta ditará os rumos da greve.

Já a próxima reunião da chamada Mesa Nacional de Negociação Permanente, que envolve todas as categorias do funcionalismo, está prevista para o dia 15 de dezembro. Até agora, o governo sinaliza que não tem dinheiro para novos reajustes, além de R$ 1,5 bilhão já reservados, o que significaria um reajuste linear de menos de 1%.

O Executivo estuda a possibilidade de oferecer ao conjunto de servidores apenas um reajuste do vale-alimentação, que teve recomposição de 43%, em 2023, mas ainda está abaixo do valor do benefício pago aos servidores do Legislativo e Judiciário.

Em ofício encaminhado à presidente da Comissão Mista de Orçamento, senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), o Ministério do Planejamento já solicitou a retirada de uma trava, prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que limitava o aumento do benefício ao IPCA acumulado desde a sua última revisão, que ocorreu em 1º de maio.