Roberto Maltchik

Pela primeira vez, o Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB), instrumento que gerencia repasses de empresas que desenvolvem produtos a partir do <a href="https://www.jota.info/artigos/livre-acesso-ao-patrimonio-genetico-quem-paga-essa-conta">patrimônio genético da biodiversidade</a> brasileira, será acionado. Este marco histórico, cujos detalhes estão sendo revelados em primeira mão pelo JOTA, fecha o ciclo de um dos braços da estratégia de <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/praticas-esg/esg-e-o-novo-paradigma-sustentavel-do-g20">bioeconomia</a> e fortalece os sistemas de produção sustentável, uma das apostas para gerar renda e riqueza com a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/democracia-em-transe/queimadas-apontam-para-a-necessidade-de-leis-ambientais-ainda-mais-rigidas">preservação ambiental</a>.
O desenvolvimento de um segmento econômico amparado no patrimônio genético da biodiversidade, com reconhecimento dos saberes tradicionais associados e mecanismos de repartição de benefícios, é debatido há muito tempo por governos, pesquisadores e iniciativa privada dentro e fora do país. Mas os avanços na vida real ficam aquém do esperado, apesar do imenso potencial do país, líder entre os megadiversos do planeta.
<h3><a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=cta-site&amp;utm_medium=site&amp;utm_campaign=campanha_poder_q2&amp;utm_id=cta_texto_poder_q2_2023&amp;utm_term=cta_texto_poder&amp;utm_term=cta_texto_poder_meio_materias">Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!</a></h3>
O FNRB foi criado pela Lei 13.123/2015, que trata do acesso ao patrimônio genético, e regulamentado pelo Decreto 8.772/2016, porém, até hoje, nunca repassou dinheiro para ações de valorização do uso sustentável do patrimônio genético e dos conhecimentos de comunidades tradicionais que, de alguma forma, em algum momento, indicaram o caminho das pedras para pesquisas com elementos contidos em plantas, cascas de árvores, microrganismos, venenos de animais, entre milhares de espécies que compõem a vasta e multifacetada biodiversidade nacional.
Agora, pela primeira vez, o comitê gestor do fundo aprovou um repasse de R$ 2 milhões para financiar, nos próximos dois anos, o Prêmio das Organizações Guardiães da Sociobiodiversidade, um edital lançado pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2023, que deve beneficiar cerca de 45 organizações que atuam na proteção e salvaguarda de conhecimentos tradicionais associados. O instrumento de repartição de benefícios será oficializado na próxima quarta-feira (9/10), em evento com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
"Será a primeira vez. E estamos já organizando o segundo instrumento, com o objetivo de enraizar as práticas de conservação e de uso sustentável nessas áreas de origem dos elementos da biodiversidade. Nesse segundo instrumento, haverá uma construção direta com a estratégia de bioeconomia para povos e comunidades. Não só de proteção do conhecimento tradicional, mas de usos pelos empreendimentos. Isso é importante para que a gente tenha um engajamento maior das empresas para ampliar e acelerar esse desenvolvimento. Quanto melhor estruturados estão os povos e as comunidades no entendimento da lei, melhor será o ambiente para todos", avalia a secretária Nacional de Bioeconomia, Carina Pimenta.
<h3>Valores baixos, apesar do potencial elevado</h3>
Todo esse complexo sistema é gerenciado pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), um órgão colegiado, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, composto por 20 pessoas, com caráter deliberativo, normativo, consultivo e recursal. O CGen já contabiliza 77 mil cadastros de acesso, pesquisas, patentes e produtos intermediários, além de 18 mil produtos finais, que, em tese, preenchem condições de ir para o mercado. Segundo a lei que mudou o paradigma do uso do patrimônio genético da biodiversidade, aprovada em 2015, a repartição de benefícios só ocorre em relação aos produtos finais.
Apesar do grande volume de pesquisas e produtos, atualmente, o fundo tem receita líquida de apenas R$ 9 milhões, que devem ser somados a outros R$ 17 milhões de contratos de repartição de benefícios com comunidades tradicionais. O diretor do Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, Henry Novion, reconhece que esse valor é baixo, comparado ao potencial bilionário associado aos produtos acabados, como combustíveis, medicamentos e cosméticos. No entanto, ele afirma que foi feita uma escolha que prioriza a estruturação de uma cadeia produtiva, em detrimento do viés arrecadatório.
"Um dos principais objetivos que a gente tem com a lei é realmente estruturar cadeias produtivas que usam o patrimônio genético, que usam a biodiversidade brasileira. Esse é um valor que não está computado no repasse de benefícios. Outra questão é que a gente tem um universo de produtos intermediários, não acabados, que não repassam benefícios. Mais do que isso, somente empresas médias e grandes repassam benefícios. Pequenas empresas, startups, não repassam justamente com essa ideia [de priorizar a estruturação das cadeias, deixando em segundo plano a arrecadação de dinheiro]. A nossa missão é gerar cadeias sustentáveis com biodiversidade nativa que permitam esse novo ecossistema bem concatenado com a ideia da bioeconomia estratégica", explica Novion.
Porém, o baixo saldo do fundo tem outras duas explicações que também ajudam a entender a complexidade do desenvolvimento dessa cadeia produtiva, capaz de gerar renda e riqueza para comunidades tradicionais e pequenos agricultores: o percentual definido para os repasses e a demora da implementação plena do sistema do patrimônio genético da biodiversidade.
<h3>"Fundo dormitou por quatro anos"</h3>
Embora o fundo tenha sido criado em 2015 e regulamentado em 2016, o sistema eletrônico que organiza as operações só foi criado em 2017. A partir de 2018, na gestão do ex-presidente <a href="https://www.jota.info/eleicoes/jair-bolsonaro-a-trajetoria-militar-e-politica-do-presidente-que-busca-a-reeleicao">Jair Bolsonaro</a>, os instrumentos de tomada de decisão do fundo tiveram um importante revés. O comitê gestor do fundo tem, por determinação legal, metade de seus representantes de órgão de governo e a outra metade de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares. O diretor do Departamento de Patrimônio Genético afirma que, dentro da política de extinção de colegiados participativos, o CGen e o comitê gestor foram afetados.
"O governo passado, basicamente, parou esse fundo. Ele esteve dormitando nos últimos quatro anos porque não havia nem sequer a representação desses atores lá. A gente teve de tirar um atraso de quase quatro anos em um ano", diz o diretor do MMA.
Outro destaque, que terá impacto de longo prazo, é que o Congresso Nacional, em 2015, definiu que será devida a parcela de 1% da receita líquida anual obtida com a exploração econômica de um produto acabado, com ressalvas e mecanismos que, em determinados casos, podem reduzir ainda mais esse percentual. Os atuais gestores do sistema afirmam que, à época, o Congresso entendeu que esse índice seria justo e indutor do bom funcionamento do sistema, embora defendam que o retorno para a repartição de benefícios poderia ser maior.
O inédito acionamento do fundo de repartição de benefícios do Brasil será um dos temas em debate na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, a COP 16, que acontecerá em Cali, na Colômbia, entre os dias 21 de outubro e 1º de novembro.
As oportunidades e os riscos associados ao uso do patrimônio genético da biodiversidade, como a degradação de áreas e a exploração predatória, também devem entrar na agenda da Comissão Nacional de Bioeconomia, que deve ser criada nos próximos dias. O desafio, agora, é dar escala para o segmento e associar com outras políticas estratégicas, como a chamada economia do restauro.

Manaus, AM 06/07/2024 Cenas da Amazônia  Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom

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JOTA

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