Serviço público

Como qualificar os cargos comissionados de alta direção?

Estudo inédito do Movimento Pessoas à Frente traz experiências de França e Chile que poderiam ser aplicadas no serviço público brasileiro

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Assembleia Nacional Francesa / Crédito: Unsplash

Um estudo inédito do Movimento Pessoas à Frente traz sugestões de França e Chile sobre como qualificar o chamado sistema de alta direção nas diferentes esferas de governo. Levando-se em conta as experiências internacionais, é possível identificar ações de fortalecimento da gestão de lideranças no setor público, sem a necessidade de mudar a Constituição.

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A alta direção é formada por servidores que ocupam cargos de confiança de segundo e terceiro escalões. São líderes de equipes que formulam e decidem políticas públicas. No caso brasileiro, o modelo não se aplicaria à escolha de ministros, secretários estaduais ou municipais, e sim aos níveis que estão logo abaixo.

O levantamento, elaborado pelo Núcleo de Inovação da Função Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) a pedido do Pessoas à Frente, dedicou-se a observar França e Chile. Os países foram escolhidos por causa dos regimes jurídicos semelhantes e de algumas experiências comparáveis.

A estratégia chilena seria a mais recomendável para o serviço público brasileiro, na avaliação dos estudiosos. Lá, a partir de uma lei aprovada em 2003, foi criado um Conselho de Alta Direção, vinculado à Direção Nacional de Serviço Civil. Esse conselho é formado por cinco pessoas, uma delas o diretor nacional do serviço público e outras quatro aprovadas pelo Senado, com mandato de seis anos.

Por esse modelo, são organizadas seleções de candidatos encaminhadas à autoridade competente para análise e possível aprovação. Há 19 anos, o sistema chileno funcionava em 52 dos 127 serviços púbicos. Hoje, está universalizado, abrangendo, de forma vinculante, 131 serviços e mais de 1.100 cargos da administração.

No caso da França, um decreto presidencial, em 2021, definiu os cargos de alta liderança, com um regulamento ministerial, porém com “amplo espaço para a modelagem do processo pelos entes da administração na seleção de suas lideranças”. O sistema é flexível e descentralizado. O decreto ainda estabeleceu avaliações de competências e criou um corpo de “administradores púbilcos”, servidores que cumprem diferentes demandas do governo.

Aqui no Brasil, a legislação determina que cerca de 60% desses cargos de liderança sejam ocupados por servidores de carreira. Essa regulamentação, porém, não vale para estados e municípios. E, segundo Anna Migueis, pesquisadora da SBDP e doutora em direito público, poucos estados e municípios possuem regras próprias. O STF tem decidido, quando provocado, que o número de comissionados deve ser igual ou inferior ao de efetivos.

“O ideal é começar a gestão de lideranças em uma carreira pequena e estruturada, em condições de adotar instrumentos de avaliação de desempenho”, Anna Migueis, doutora em Direito Público pela Uerj.

Via de regra, os filtros que já existem são capazes de qualificar os cargos de alta direção no âmbito do governo federal, sendo que a expressiva maioria dessa função já é ocupada por servidores de carreira. No entanto, Migueis salienta que o desafio se torna muito maior quando o tema é levado às esferas estadual e  municipal, particularmente nos municípios pequenos.

A realidade brasileira e a iniciativa da Enap

O estudo do Movimento Pessoas à Frente afirma que os requisitos mínimos para a ocupação desse tipo de cargo hoje no Brasil “parecem não trazer direcionamentos que constituam, de fato, uma política de lideranças”. Além das resistências políticas, o próprio modelo federativo é apontado como desafiador para implementar o sistema.

Porém, a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) criou, em 2019, modelos de seleção de lideranças para ocupação de cargos na administração pública. O processo serve para União, estados e municípios. Naturalmente, a adesão ao programa, chamado Líderes que Transformam, é opcional.

Há cerca de 470 lideranças pré-selecionadas, sendo 72 em “via de seleção”, de acordo com a Enap. Já foram realizados 58 processos seletivos. Há mais de 10 mil profissionais cadastrados nos bancos de perfis, com mais de mil profissionais avaliados.

Para participar dessa iniciativa, o órgão faz um termo de adesão com a incorporação dos cargos para realização dos processos seletivos. Os interessados também passam por uma seleção.

Atualmente, 12 órgãos, nos três níveis de governo, aderiram ao programa. Entre eles, os ministérios da Gestão, Planejamento, Igualdade Racial e Meio Ambiente; a Secretaria de Saúde do Pará; a prefeitura e a Secretaria de Saúde do Recife; e Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

“O processo é imparcial e transparente e substitui a lógica da indicação política de ocupação de cargos por uma escolha qualificada, sem retirar a autonomia decisória dos gestores. O objetivo é melhorar a escolha dos ocupantes dos cargos da alta gestão pública”, afirma Mariana Haberl, assessora técnica da Diretoria de Inovação da Enap.