
O jurídico da campanha de Ciro Gomes (PDT) pretende agir como ‘fiscalizador’ da corrida eleitoral, com investidas contra campanhas rivais, mas descarta ações por propagandas de Jair Bolsonaro (PL) que assumam paternidade da PEC dos benefícios e vê com a ceticismo capacidade de retirada de fake news das redes sociais.
“O antídoto para a desinformação, com uso de bots e disparos em massa, era a regulamentação das plataformas digitais, mas nós não o fizemos. Pedimos favores a elas”, diz o coordenador jurídico da campanha de Ciro, Walber Agra, que é também advogado do PDT e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Não sejamos ingênuos, ninguém vai tirar fake news do ar. Temos que ter uma postura política ativa, mas o maior ataque é o debate político”, completa.
Em julho, foi ordenada a retirada de um vídeo falso sobre Ciro, em uma das decisões que adiantou a postura sobre a retirada de conteúdos do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, empossado na semana passada. O trecho era produzido com recortes de imagens reais, montadas de forma distorcida, e circulava em grupos bolsonaristas no Telegram.
Nesse sentido, a campanha quer manter papel ativo na Justiça Eleitoral. “Nós não vamos ser um espectador do jogo político. Somos sujeitos do jogo político, não abrimos mão de ser sujeitos, até porque nosso candidato e nosso partido têm uma tradição histórica também no jurídico”, afirma Agra.
Por isso, o “papel de fiscalização assumido pelo PDT é inarredável”, diz. Prova dessa postura seria que, ainda durante a pré-campanha, o partido já se movia contra irregularidades nas campanhas de Bolsonaro e de Lula (PT) — como o pedido, em maio, de apurações sobre o financiamento de motociatas por fontes vedadas e, mais recentemente, sobre a ocorrência de pedidos de voto pelo petista no Piauí.
Na semana passada, o PDT acionou o TSE para tentar barrar a candidatura de Bolsonaro por conta da reunião dele com embaixadores estrangeiros, em que levantou suspeitas sobre a segurança das eleições com as urnas eletrônicas. O partido também defende que tanto Bolsonaro quanto seu vice, Walter Braga Neto, se tornem inelegíveis.
“Foi uma miscelânea de abuso de poder político e dos meios de comunicação. Além de ter sido feita propaganda negativa e positiva, com campanha antecipada”, avalia o advogado.
Antes, o Ministério Público Eleitoral havia enviado representação sobre o caso ao TSE, pedindo que a chapa de Bolsonaro seja multada por o que considerou campanha antecipada na ocasião, mas não abordou a impugnação da chapa.
Em outra ação contra Bolsonaro, aberta nesta segunda (24/8), o PDT acusa o presidente da República de abuso de poder ao pedir votos para aliados durante uma live na semana passada, no Palácio do Planalto. Para o partido, ele usa de sua condição de chefe de Estado para tentar obter vantagem eleitoral.
Segundo Agra, o foco para as ações e envio de representações à Justiça Eleitoral será defender a candidatura de Ciro, a liberdade de expressão dele, e também verificar a integridade do processo democrático. “Pretendermos ser protagonistas tanto no papel político quanto no jurídico. Nossas preocupações são com disparos em massa e abusos de poder econômico e político”, diz.
Na linha dos abusos de poder, Agra teceu críticas à aprovação da PEC que aumentou o Auxílio Brasil e concedeu benefícios sociais no ano eleitoral, que pode representar um bônus eleitoral para o presidente Bolsonaro, mas disse que não cogita mover qualquer ação se houver eventual capitalização do programa pelo candidato à reeleição. Em sentido oposto, o coordenador jurídico da campanha de Lula (PT), Eugênio Aragão, disse estudar essa possibilidade.
“O abuso de poder político feito na PEC Kamikaze ou PEC dos benefícios foi a coisa mais deprimente em toda a história republicana. É claro que o grande beneficiário será o presidente da República, mas não foi lei? Não teve o beneplácito da oposição? Como eu poderia, de má fé, defender que foi abuso político, se houve uma lei? Não é um caminho ético”, afirma.
Para ele, a argumentação sobre o caráter de política de Estado, coordenada pelo Congresso, e não do governo, caberá aos candidatos, e não à Justiça Eleitoral. Quanto ao abuso de poder econômico e gastos ilícitos, seria diferente. “Na última eleição, Bolsonaro diz que gastou menos de R$ 3 milhões, mas todo mundo sabe que abriu os comitês em todo o Brasil e isso não foi contabilizado. Todo mundo sabe que não há contabilização das motociatas”, afirma, mas pondera só entrar com representação tendo provas.
Em relação à hipótese de pedidos de auditoria após as eleições, como Bolsonaro aventa quando faz críticas às urnas, Agra vê com ceticismo que isso seja concretizado por iniciativa da equipe jurídica bolsonarista, coordenada por Tarcísio Vieira. Em entrevista ao JOTA, o ex-ministro do TSE admitiu não descartar que possa pedir perícia das urnas.
“Acredito que seria no sentido de caso exista algum problema, mas nunca houve”, avalia Agra. Algum posicionamento sem suspeita concretas seria tentar “deslegitimar o procedimento democrático, porque se tem pavor, não é nem medo, das urnas”.
No início do mês, o Plenário do TSE aprovou com ressalvas a prestação de contas da campanha de Ciro Gomes em 2018, por conta de irregularidades nas declarações. Com isso, deverão ser devolvidos R$ 348 mil. Na ocasião, os ministros aceitaram alguns dos argumentos da área técnica para desconsiderar documentos apresentados.
Agra, que não atuou no caso, criticou o que seria a imposição de exigências para a a prestação de contas que ainda não estão normatizadas. “Gostaria que as sanções fossem aquelas da norma, e não criadas por órgãos técnicos que, na verdade, não encontram amparo na lei. Os partidos só devem ser cobrados por aquilo que há em lei na data do fato, e não retroativa”, diz ele sobre a decisão. “E me causa muito dessabor pensar que, para garantir a integridade do patrimônio público, se demonize a política”, adiciona.