A eleição presidencial de 2022 promete ser uma das mais agitadas dos últimos anos. Esse é também o ano em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá três comandos diferentes. O ministro Luís Roberto Barroso, de saída da Corte, passará a presidência a Edson Fachin na próxima semana. Depois será a vez do ministro Alexandre de Moraes, que ficará à frente da Corte eleitoral durante as eleições.
Além de ser o presidente do TSE durante o período em que a temperatura política esquenta, Moraes é o relator de inquéritos em que o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, figura como investigado no Supremo Tribunal Federal (STF). Não foram poucas as vezes em que Bolsonaro desferiu críticas ao magistrado e conclamou aliados a fazerem o mesmo.
A dúvida sobre como esse tensionamento na relação ficará ao longo da disputa eleitoral faz parte das rodas de conversa no meio do Direito Eleitoral. O JOTA conversou com advogados da área e ex-ministros do TSE sobre a expectativa dos mandatos dos próximos presidentes da Corte. A maioria preferiu falar sem ser identificado.
O ministro Luís Roberto Barroso, no cargo desde maio de 2020, vai passar o bastão para Edson Fachin, cuja posse será nesta terça-feira (22/2). Fachin fica apenas até 17 de agosto – um dia depois do início oficial da campanha eleitoral. Seu mandato é mais curto porque titulares do TSE provenientes do Supremo e da classe dos juristas cumprem um biênio de mandato na Corte eleitoral, podendo ser reconduzidos apenas para mais um biênio no cargo. No caso de Fachin, esse período vence nos próximos meses e é por isso que ele vai deixar o TSE. Com sua saída, Moraes assume a presidência.
Embora seja uma presidência “a jato”, especialistas apostam que Fachin não fará um mandato “café com leite”. O ministro estuda tirar do papel uma assessoria especial de combate às fake news.
“Fachin, até mais do que o ministro Alexandre de Moraes, vai tentar criar um aparato para blindar essa estratégia de grupos bolsonaristas de queimar reputações”, avaliou uma fonte que atua junto ao TSE. Um servidor da Justiça eleitoral ouvido pela reportagem opinou que “Fachin vai deixar o terreno pronto para Moraes” e “não vai entrar em nenhuma grande aventura”.
Em entrevista publicada no jornal O Estado de S. Paulo na última quarta-feira (16/2), Fachin disse que o TSE está “ampliando o conjunto de recursos humanos e profissionais da assessoria de combate à desinformação”. O tribunal também renovou os acordos do TSE com as plataformas digitais. “Disseminar informação sabidamente falsa é crime eleitoral, de forma que, se for necessário algum tipo de providência mais severa, nós não vamos ter dúvida em também tomar”, afirmou o ministro ao jornal.
A diferença maior entre Fachin e Moraes é o estilo. O primeiro é tido como erudito, de linguagem complexa, enquanto o segundo é visto como mais direto, o que é atribuído à sua experiência no Ministério Público, na Secretaria de Segurança de São Paulo e no Ministério da Justiça. “Moraes não vai levar desaforo para casa, não vai permitir que baguncem as eleições da administração dele porque ele foi uma pessoa talhada para manter a ordem”, afirmou um servidor ao JOTA.
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Ex-ministro do TSE, Henrique Neves declarou que a postura do tribunal será uma reação ao que estiver acontecendo na campanha: “O comportamento do tribunal vai depender do comportamento dos candidatos, e não me refiro exclusivamente ao do Bolsonaro. Se todo mundo andar na linha, o TSE agradecerá. Se os candidatos começarem a desvirtuar, aí o tribunal responderá com as sanções que forem cabíveis”.
Neves afirmou ainda que a experiência de Moraes no Executivo vai ajudar na organização da eleição: “Ele tem uma grande experiência administrativa, já ocupou vários cargos na administração pública, como secretário de Segurança. Ele tem uma visão sobre administração que vai ser muito boa. Eleições são uma tarefa administrativa. Esse perfil dele de já ter passado pela administração pública com certeza vai trazer uma maior objetividade na hora que os problemas que surgirem”.
Um advogado ouvido pela reportagem aposta que a presidência de Moraes será “tiro, porrada e bomba”, mas não vai pender para o bate-boca se, por exemplo, Bolsonaro resolver partir para o confronto verbal. “Ele vai manter a postura do STF, vai ser muito mais efetivo através das decisões judiciais do que midiático, não vai ficar trocando farpas pela imprensa”, disse, completando: “Ele será rigoroso com a utilização de robôs para disparo de mensagens, tanto que deu recados no caso da cassação do Fernando Francischini, quanto no julgamento da chapa do Bolsonaro. Ele promete ser forte”. No julgamento da chapa do presidente, Moraes disse que quem fizer disparos em massa na campanha eleitoral de 2022 poderia ser preso.
Há um fator importante no combate às fake news: Moraes é o relator do inquérito das fake news no STF, tem o histórico do problema e está mais familiarizado com os mecanismos usados por esses grupos no caminho da desinformação. Isso facilita em eventuais casos que venham a bater na porta do TSE. “Ele sabe coisas que nenhum de nós sabe”, salienta um advogado que atua no TSE.
Na prática, o presidente do TSE tem o controle da pauta. “Ele pode orientar novas resoluções sobre o tema e, principalmente, em um acordo com outros ministros, priorizar processos que embutem temas relacionados a fake news, disparos em massa, etc. Ele pode usar esses processos como mensagens e alertas e para formação de jurisprudência”, afirmou um especialista ouvido pelo JOTA.
Ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do TSE, Gilson Dipp tem uma visão distinta. Ele pensa que o presidente até pode “dar maior celeridade” na pauta a alguns processos, mas isso não quer dizer muito: “Ele pode dar alguns votos mais ou menos fortes e drásticos, mas não tem espaço para colocar neles uma ‘temperatura pessoal’”, declarou. Para ele, “não há muito espaço para Moraes e Fachin fazerem algum tipo de gestão que não seja dentro dos ditames do TSE”. Na mesma linha do pensamento do ex-ministro, outro advogado que atua no TSE disse que “ninguém vai chegar lá e cassar alguém porque quer cassar”.
Opiniões à parte, o consenso é a dificuldade de acesso a Moraes, uma vez que ele não costuma receber advogados. “Ele é um péssimo presidente para a advocacia”, brincou um advogado.
Outra expectativa é sobre como ficam os julgamentos com o troca-troca no TSE. Com a saída de Barroso e, posteriormente, de Fachin, entram Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. O ministro Nunes Marques, primeiro indicado de Bolsonaro ao STF, também deve participar de votações no TSE. Desde agosto do ano passado, ele é membro substituto da Corte Eleitoral.